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Lua de abril

Até onde sei|Octavio Tostes

Para Pedro Hermanny Tostes

Abril te lembra o quê? Uma felicidade? Ou um segredo. Uma dor? Neste mês uma amiga celebra seu segundo aniversário. Moça, dirigia à noite sozinha em uma estrada deserta quando teve o carro interceptado por três assaltantes. Viu-se entre a vida e morte, escapou como por milagre e desde então relembra em silêncio o dia em que nasceu de novo.

Com os aniversários, meu abril guarda outras lembranças. As mentiras do dia 1º. Páscoas. Uma vez meus irmãos e eu fizemos uma guerra de ovinhos que feriu a parede do quarto. Se fartura desvirtua, agrura tempera e aprender parcimônia nos salvou.

Tiradentes. Criança, gostava do feriado sem aula. Depois li de um bom historiador que o alferes foi remistificado para se tornar herói de nossa República erguida sem base popular (O funeral de Tancredo, acho, pegou carona nessa barca). Cabral e o Descobrimento que talvez não tenha sido tão por acaso. No mesmo dia 22, o aniversário de minha avó materna. Doce, tinha pelo Brasil e sua história um amor risonho difícil de sentir nestes dias de notícias terríveis e distorcidas, embora não faltem razões e desrazões para o amor, o assombramento e as distorções.

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O 25 de Abril em Portugal. A Revolução dos Cravos liderada por militares socialistas que derrubou a ditadura Salazar em 1974 . Foi bonita a festa, pá, cantou Chico. Mas para mim a voz da revolta foi o sotaque de Irene. Miúda, cabelos castanhos, sardas, olhar agudo, colega no Santo Inácio do Rio, vinda de Lisboa. Um domingo fomos ver “O Encouraçado Potemkin”, de Einsenstein, um cult para a esquerda da época. Encontramos uns conhecidos e eu disse “como o mundo é pequeno”. A maoísta, na lata: “Não é o mundo que é pequeno, é o espaço social em que circulamos que é concentrado”. Depois daquela tarde sempre penso bem antes de arriscar a medir o mundo.

A expressão Lua de abril. Li-a na crônica “Conselhos literários de Carlos, meu pai” de Maria Julieta Drummond de Andrade. Ela lembra que burilando um conto embatucou num adjetivo para Lua. Drummond lhe disse que era inútil tentar acrescentar atributos a palavra “tão cheia de poder evocativo:... branca, de prata, misteriosa, leitosa, bela, comovedora, tudo”. E sugeriu à filha buscar formas inesperadas como “Lua de abril”.

Esta mesma que contemplo neste Sábado de Aleluia. No terreiro da fazenda do Pedro, Marina apóia a máquina fotográfica na capota da picapezinha. Colhe, como se fosse possível, a Lua presente nesta crônica para tentar falar a meu irmão - no dia 4 de seus anos - do sabor de nossas memórias; de minha admiração por seu olhar de teólogo; e do amor a sua vida a um tempo estóica e alegre que me faz ver nas infinitas miudezas do dia a dia, o sinal do sagrado.

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