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Envolvente, filme 'Missão Cabul' conquista o público no PlayPlus

Documentário revela os bastidores da ótima série de reportagens feita no Afeganistão por Roberto Cabrini e Gil Silva para Record TV

Entretenimento|Eduardo Marini, do R7

Cabrini em meio a talibãs armados até o pensamento era cena comum em toda a viagem
Cabrini em meio a talibãs armados até o pensamento era cena comum em toda a viagem Cabrini em meio a talibãs armados até o pensamento era cena comum em toda a viagem

Poucos jornalistas são capazes de produzir reportagens ricas e envolventes o suficiente para se tornarem base de outras reportagens. Material do material, documentário do documentário, doc do doc. Roberto Cabrini, 61 anos, é um desses privilegiados. A prova mais recente de seu talento para conduzir o público hipnotizado, frase a frase, quadro a quadro, à espera do desfecho, está no excelente documentário Missão Cabul: Por Trás das Câmeras (47 minutos, Rede Record/PlayPlus), disponível na plataforma PlayPlus (conheça mais detalhes no vídeo desta reportagem).

O leitor está fortemente aconselhado a assistir ao filme, um dos mais envolventes do audiovisual brasileiro nesses últimos anos de conteúdo cruzado entre televisão, streaming e internet. Missão Cabul tem como fonte uma série de três longas reportagens feitas por Cabrini e pelo jovem cinegrafista Gil Silva e exibidas com altos índices de audiência em edições do Domingo Espetacular, da Record TV.

A série para o programa dominical foi filmada em 27 dias, entre setembro e outubro de 2021. Alguns dias após o 17 de agosto em que o movimento nacionalista e fundamentalista islâmico Talibã (Estudantes, traduzido da língua local, o pachto) retomou, após duas décadas, o poder no Afeganistão — sem disparar um tiro sequer ao invadir Cabul, capital do país, com 4,6 milhões de habitantes.

Dirigida por Bruno Lima e roteirizada por ele em parceria com Juliana Haddad e Miguel Sokol, uma parte do trabalho trazido pelo repórter e pelo cinegrafista, combinada a entrevistas feitas com a dupla, resultou no documentário. Um dos grandes trunfos do filme foi a sensibilidade do jovem Lima ao dimensionar, com precisão, a importância do material colocado em suas mãos. Elaborou com seus colegas um roteiro sólido, desprovido de penduricalhos e firulas, quase didático, e executou um trabalho seguro e maduro de direção, que amplifica o melhor do conteúdo sem brigar, em nenhum momento, com a densidade das passagens registradas pelos dois jornalistas.

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Mas, antes de oferecer detalhes de Missão Cabul, talvez seja oportuno lembrar um pouco da história recente do Afeganistão. No último dia 17 de agosto de 2021, os talibãs, vindos do interior do país, tomaram com tranquilidade salas de poder vazias na capital, derrubaram o governo, então apoiado pelos Estados Unidos, e transformaram o país do centro da Ásia em um emirado islâmico. Um sistema regido na maioria das situações por interpretações particulares, muitas vezes violentas e opressoras, de preceitos e ensinamentos do Islã, feitas por líderes com compromissos étnicos e militantes radicais.

Na casa de barro com família afegã: povo generoso mesmo diante da pobreza
Na casa de barro com família afegã: povo generoso mesmo diante da pobreza Na casa de barro com família afegã: povo generoso mesmo diante da pobreza

O Afeganistão, com 37,5 milhões de habitantes, é uma nação de gente solidária. Em sua rotina, um povo capaz de dividir o pão, o chá, o pouco e o quase nada que lhe sobram, orgulhoso de jamais ter sido colonizado pelos vários invasores em sua história milenar. Mas é, também, um país muito pobre, miserável em vários setores e regiões, um dos 15 mais carentes do mundo, com índices de desenvolvimento humano, social e econômico sofríveis. A expectativa de vida, de 53,2 anos, é a mais baixa do planeta. O analfabetismo grassa entre 55,5% dos homens e 29,8% das mulheres. E 106,7 a cada mil crianças nascidas — mais de 10%, mais do que uma em cada dez — não passam do primeiro ano de vida.

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O Produto Interno Bruto (PIB) per capita anual, a divisão do todo produzido no país pelo total de habitantes, fechou em 2020 nos US$ 2.088,00 (cerca de R$ 12 mil), valor 7,1 vezes menor do que o brasileiro no mesmo período. Mais da metade dos afegãos — 54% para ser preciso — vive abaixo da linha de pobreza, com menos de US$ 1,90, ou R$ 10,91, por dia. Um dos pilares da economia afegã, entre o informal e o formalmente esquecido, é o cultivo, o maior do mundo, de papoula, matéria-prima para a produção dos derivados do ópio, entre eles a heroína, principalmente no sudoeste do país.

Oficialmente, 2,6 milhões fugiram do país em 2020 — e o sonho atual de consumo e vida de outros milhões continua a ser exatamente esse. Basta lembrar os momentos seguintes ao 17 de agosto de 2021, quando o mundo acompanhou, entre o choque e a incredulidade, dezenas de afegãos, antes agarrados a trens de pouso e partes inferiores de aviões americanos e europeus, despencando em pleno voo, como bagagens soltas e objetos perdidos, logo após as decolagens do aeroporto da capital.

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Foram os contextos encontrados pelo repórter, na terceira viagem ao país, e pelo cinegrafista, em sua estreia em trabalhos internacionais, ao chegarem para a realização da série do Domingo Espetacular e, como consequência, de Missão Cabul. O quase sempre concentrado Cabrini não sai de suas reportagens por um segundo sequer. Ao contrário, conduz o telespectador a todo instante. Por admiração, intuição ou um misto das duas coisas, realiza versões pessoais, peculiares, adaptadas ao universo do audiovisual, dos textos impressos dos criadores do movimento New Journalism, o Novo Jornalismo, narrativa de fatos verdadeiros temperada com descrições de ambientes, atitudes e contextos e estética literária. O New Journalism subverteu a profissão a partir dos anos 1960, encantou e conquistou milhares de profissionais das gerações seguintes e levou à fama jornalistas e escritores como Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer e Gay Talese. No prefácio do livro No Rastro da Notícia, de autoria de Cabrini, sobre como foram feitas algumas de suas reportagens, a jornalista Ana Paula Padrão escreve: “Quando conheci Roberto Cabrini, os bastidores de suas reportagens já eram quase tão famosos quanto as próprias”. Isso. 

Entrevista com porta-voz Inamullah Samangani é um ponto alto do documentário
Entrevista com porta-voz Inamullah Samangani é um ponto alto do documentário Entrevista com porta-voz Inamullah Samangani é um ponto alto do documentário

Assim, as histórias reportadas no Domingo Espetacular, ricas e tensas na origem, ganharam ainda mais corpo, tutano e clima de suspense quando combinadas às explicações e informações passadas pela dupla no documentário. É envolvente, por exemplo, ouvir Cabrini contar como, alertado por Silva, conversou com um militante nada simpático do Talibã, de fuzil em punho, com a ajuda de um tradutor. Depois, longe do soldado, ouviu do auxiliar que a vontade do militante era matar os brasileiros. “O tradutor comentou que o soldado disse, na língua local, que não nos mataria porque não havia recebido ordem para isso — mas a vontade pessoal era essa”, lembra o repórter.

Em outra ocasião, Cabrini, sozinho, passou a ser seguido à noite por um talibã, também armado de fuzil, ao voltar do restaurante onde costumava jantar para o hotel. “Apertei o passo. Ele também. Por sorte, uma venda de proprietários que falavam um pouco de inglês — eu sabia disso — estava aberta”, lembra o repórter. “Entrei e pedi ajuda para explicar ao soldado, no idioma deles, que eu não era americano e estava ali a trabalho, autorizado pelo governo. Com muito custo, o cidadão deixou-me ir”, completa. Na manhã seguinte, a dupla trocou de hotel.

Cinegrafista Gil Silva mostrou sensibilidade e equilíbrio no primeiro trabalho internacional
Cinegrafista Gil Silva mostrou sensibilidade e equilíbrio no primeiro trabalho internacional Cinegrafista Gil Silva mostrou sensibilidade e equilíbrio no primeiro trabalho internacional

Longe da intenção de romper a barreira estraga-prazeres do spoiler — termo por sinal vindo do verbo spoil, isto é, estragar —, vale alertar para outros momentos do documentário. Entre eles as entrevistas, às escondidas do Talibã, com o músico de família fraturada com a fuga da mulher do país e a professora bela, corajosa e resistente às limitações impostas pelo novo sistema.

E também prestar atenção na técnica adotada por Gil para filmar cenas de soldados armados até o couro cabeludo fingindo fotografá-los, para trechos das reportagens. E na atitude de salvar a pele presenteando militantes com camisas da seleção brasileira e exibição de fotos de talibãs armados feitas por Cabrini em sua primeira visita ao país, como no caso de um cerco logo nos primeiros minutos em território afegão. Ou ainda na franca e reveladora entrevista com Maulvi Inamullah Habibi Samangani, o Inamullah Samangani, membro da Comissão Cultural do Talibã e o principal porta-voz atual do novo emirado islâmico.

Ou, para fechar a série, o documentário e a missão, a tensa noite em que Cabrini e Gil, após terem a entrada vetada no vizinho Paquistão, foram obrigados a dormir em um quartel do novo regime, cercado de homens em armas. E bota arma nisso — tudo em uma região afegã marcada por conflitos constantes entre talibãs e seus maiores rivais, o Estado Islâmico da Província de Khorasan, o Isis-K. Braço do Estado Islâmico na região, o Isis-K, ou apenas Isis, é o mais violento dos grupos jihadistas, ou seja, promotores da Jihad, a guerra santa, a atuar no Afeganistão e no Paquistão.

“Eu estava extremamente tenso e ele, sempre sereno, dando dicas para me acalmar”, lembra Gil. Era 3 de outubro. Cabrini fazia 61 anos. Renata, mulher do repórter, e a filha Gabriela ligaram no celular para dar os parabéns. Os talibãs desconfiaram. O resto? No PlayPlus. Dica: é o momento do documentário em que as emoções de Cabrini se tornam mais fortes e perceptíveis.

Paulista de Piracicaba, Cabrini cobriu seis conflitos internacionais: Afeganistão, Iraque, Palestina, Camboja, Caxemira e Somália. Participou de cinco Olimpíadas e trabalhou em cinco Copas do Mundo. Foi correspondente internacional por oito anos — metade em Londres, metade em Nova York — e fez coberturas em dezenas de países. Recebeu alguns dos mais importantes prêmios da profissão, entre eles Esso, Tim Lopes, Líbero Badaró e o Comunique-se de melhor repórter de mídia falada, em 2019. Com Missão Cabul, venceu o Notícias da TV 2021 na categoria Séries.

Pai de Gabriela e Roberto, o repórter, quando sobra tempo no Brasil, costuma gastar a maior parte do tempo em sua casa, na região metropolitana de São Paulo, com Renata, a mulher, uma amada coleção de miniaturas de Fusca, um de verdade, em invejável estado de conservação, e em brincadeiras com Dasha e Dolce Maria, a simpática dupla de cadelas da família. "Moramos aqui por concessão delas", brinca ele. 

“Vejo o jornalismo como uma janela. Não muda a cena, mas permite a abertura que chama a atenção de quem pode alterá-la”, capricha na metáfora. “Aqui no Brasil, esse material chamou a atenção de pessoas e lideranças que podem colaborar de alguma forma com aquele povo. Espero que outros colegas façam isso pelo mundo. Nesse ponto, acho que Gil e eu atingimos o objetivo.” Missão cumprida, rapazes, missão cumprida.

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