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Nas ruas, no transporte público, nas redes sociais, onde quer que fosse, as mulheres não se calaram em 2015. Este foi, sem dúvida, um ano marcado pelo embate entre o retrocesso e a briga pelos direitos da mulher, entre abusadores e vítimas, que abandonaram o medo e a passividade para enfrentar a violência.
Para encarar essas batalhas, anônimas e famosas se uniram, se mobilizaram, acionaram a Justiça, fizeram passeatas, dispararam discursos, criaram hashtags e viram o feminismo ganhar fôlego. Os desafios ainda são muitos, mas 2015 entrará para a história como o ano em que força da mulher fez a diferença. Confira, na galeria, os rounds dessa luta pelo fim da discriminação de gênero e do machismo que mataMontagem/R7
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O ano começou sob o impacto das denúncias de estupro em festas e eventos estudantis da FMUSP (Faculdade de Medina da Universidade de São Paulo) e de práticas abusivas em trotes da USP.
A Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Assembleia Legislativa de São Paulo para investigar violações aos direitos humanos nas universidades do Estado pediu a punição jurídica de integrantes de centros acadêmicos e atléticas que promovem eventos violentos e abusivos.
Em uma atitude acolhedora, as integrantes do coletivo feminista Geni, criado por alunas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) recepcionaram as alunas recém-ingressas. Para as integrantes do grupo, os casos de estupro na faculdade são sintomáticos de uma sociedade machistaR7
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As estudantes universitárias, no entanto, eram o alvo preferencial de blogs de ódio que tomaram conta das redes sociais em 2015. Um post com o título “Como estuprar uma mulher na USP-FFLCH – O guia definitivo” viralizou e jogou holofotes sobre a gangue virtual que faz apologia ao estupro e que segue desafiando as autoridades. Contra os bandidos online, a melhor defesa é o ataque. Não compartilhar os conteúdos e denunciar os blogs são as recomendações dos especialistas
Reprodução
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A violência sexual, que no ambiente virtual se espalha como um manual de estupro, ganha contornos macabros quando faz suas vítimas dentro do transporte público. Em 2015, uma repórter do R7 foi vítima de um tarado no metrô, compartilhou sua experiência e o episódio serviu para tirar a mordaça de muitas mulheres que passam por esse tipo de violência diariamente.
As vítimas, muitas vezes apontadas como culpadas pela agressão que sofrem, aumentaram o número de denúncias. Fizeram passeatas pedindo providências e engrossando o coro das que não admitem mais se calar diante dos abusadoresEduardo Enomoto/R7
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O aumento de casos de tentativa de estupro e abuso sexual ocorridos nos trens do metrô de São Paulo e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que chegaram a 65 entre janeiro e agosto de 2014 e 100 no mesmo período de 2015, números que representam um caso de abuso a cada 48h, mobilizou jovens a tomar uma atitude. Ana Carolina Nunes, de 24 anos, e Nana Soares, de 23, encaminharam sugestões para propor ações de prevenção, responsabilização e foco na vítima.
O resultado do envolvimento das meninas foi a realização de uma campanha de conscientização contra o abuso sexual no Metrô. "Você não está sozinha. Estamos unidas contra o abuso sexual", diz o cartaz que traz as duas junto com uma funcionária do Metrô e outra usuária do transporte.
"Era preciso quebrar o mito de que o agressor no metrô é o maníaco do parque. Não é pra falar com esse cara achando que ele é um psicopata", disse Ana. "Tem gente que faz porque acha que isso é uma brincadeira. Então quando você faz uma campanha mostrando que isso é errado, aquele cara que faz achando que é brincadeira, não pode dizer que não sabia que é errado. E falamos que era preciso também falar sobre a denúncia na campanha, que ela é uma ferramenta importante de combate"Divulgação
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Em 2015, mulheres famosas como Beyoncé, Emma Watson, Kristen Stewart e Patrícia Arquette foram fundamentais para fortalecer o discurso feminista, ao defenderem os direitos das mulheres de maneira justa e igualitária.
Um dos momentos marcantes foi o discurso de Patrícia Arquette, que ganhou o Oscar de melhor atriz pelo papel de Olivia Evans em Boyhood - Da Infância à Juventude, uma mãe solteira, batalhadora e feminista, que trouxe à tona a discussão sobre a igualdade de gênero.
"Dedico a todos os cidadãos que já lutaram pela igualdade de direitos. É a nossa vez de ter direitos salariais iguais, de uma vez por todas, para as mulheres nos Estados Unidos da América”, bradou Patrícia, que foi ovacionada pela plateiaGetty Images
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Campanhas como o "Chega de Fiu Fiu", do coletivo Think Olga, se mostraram ainda mais necessárias em 2015. Dados revelaram que 98% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio nas ruas e 82% não gostam desse tipo de abordagem. A gravidade do problema é fácil de ser constatada. Diversos testes mostraram o assédio que as mulheres sofrem quando andam nas ruas. Um experimento social chamado "Assedie sua Mãe" fez homens assediarem as próprias mães (sem saber) e, neste caso, eles se arrependeram.
Reagir não costuma ser uma atitude segura, mas também não dá para ficar quieta. Pensando nisso e cansada de ser assediada nas ruas, a estudante Catharina Doria, de 17 anos, criou um aplicativo para mapear os lugares em que esses assédios acontecem. Seis dias depois do lançamento do Sai Pra Lá, o aplicativo já foi baixado por 30 mil pessoas e tem mais de seis mil relatos de assédio. Pelo celular, é possível visualizar um mapa marcado com os lugares em que cada cantada aconteceuReprodução/R7
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O ponto alto de 2015 no que diz respeito ao novo fôlego dado ao feminismo foi o tema proposto para a redação do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio): A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. O maior exame obrigou à reflexão quase 8 milhões de estudantes brasileiros, sobre um assunto que se mostra cada vez mais urgente.
A escolha foi celebrada pelas feministas, que já haviam comemorado a questão sobre Simone de Beauvoir. Muita gente também criticou, mas ficou claro que, definitivamente, machistas não passaram, nem no EnemDivulgação
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Os dados do Mapa da Violência 2015 vieram reforçar a urgência do debate. O estudo, desenvolvido pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz desde 1998, revelou que 50,3% das mortes violentas de mulheres são cometidas por familiares e 33,2% por parceiros e ex-parceiros. Além disso, o País tem taxa de 4,7 homicídios por 100 mil mulheres — a quinta maior do mundo.
Além disso, a taxa de mulheres negras vítimas de homicídios no país é mais que o dobro da de mulheres brancas. E elas também são as maiores vítimas de violência doméstica no Brasil: representam 60% das agredidas por pessoas conhecidas e somam, no período de um ano, 1,5 milhãoReprodução/R7
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Mas não há distinção de cor quando se trata de assédio na infância. O episódio envolvendo uma participante do programa MasterChef Júnior, que foi vítima de abuso nas redes sociais, motivou o Think Olga a promover uma campanha que incentivou as mulheres a revelar os episódios de seu primeiro assédio.
A tag foi usada mais de 82 mil vezes e deixou claro que o abuso sexual começa cedo no Brasil. O movimento serviu para descortinar essa realidade e engrossar o movimento contra a violência e, especialmente, a pedofiliaReprodução/Twitter
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Anônimas e famosas dividiram suas experiências do #primeiroassédio, que levou internautas a remexerem o passado e, para surpresa de muitos, houve quem fizesse piadas com as histórias, numa prova de que ainda há muito o que ser feito e esclarecido sobre violência contra mulher no Brasil
Reprodução/Twitter
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Também foi pelas redes sociais que a americana Amelia Bonow desencadeou um movimento mundial para que as mulheres revelassem suas histórias de aborto. Usando a hashtag #ShoutYourAbortion (grite seu aborto, em português), o engajamento foi imediato, mobilizando mais de 100 mil pessoas.
O movimento, que foi motivado pela proposta do Senado americano para retirar financiamento do grupo de saúde feminina Planned Parenthood (que realiza abortos legalmente), serviu para dar luz a uma realidade que existe, está aí, mas da qual ninguém fala: mulheres fazem abortos todos os dias, em todas as partes do mundo. No Brasil, onde a prática é crime, o aborto inseguro é a quinta causa de morte maternaReprodução/Instagram
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Para piorar este cenário, foi aprovado em outubro pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, por 37 votos a 14, um Projeto de Lei que pune quem anuncia ou induz o uso de métodos abortivos.
A PL 5069, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual. A aprovação pela CCJ motivou um movimento inédito das mulheres contra Cunha, que tomou conta do PaísAE
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A proposta, que ainda depende de votação no Plenário da Câmara, é considerada um retrocesso às mulheres vítimas de violência sexual, até porque dificultam que a mulher evite uma gravidez fruto de um estupro. E causou um levante de mulheres contra Eduardo Cunha, que se alastrou pelo País
AE
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Os ecos de uma nova postura da sociedade em relação às mulheres também começaram a ser percebidos em 2015. O calendário Pirelli, que há 50 anos estampa modelos em poses sensuais, anunciou que em sua edição de 2016 irá trocar as beldades por "mulheres inspiradoras" e, em vez de trazer fotos de modelos sensuais, terá uma série clássica de retratos feita pela fotógrafa americana Annie Leibovitz
Montagem/R7
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Mais uma revolução está em curso. A revista Playboy americana também anunciou que deixará de publicar fotos de mulheres nuas. Para os executivos da publicação, revistas de pornografia, "mesmo as respeitadas como a Playboy, perderam seus valores comercial e de choque e sua relevância cultural".
No Brasil, por sua vez, a Editora Abril anunciou que deixará de publicar a Playboy. Sem dúvida, é o fim de uma era. A objetificação das mulheres parece não fazer mais sentidoDivulgação
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Até a boneca Barbie, quem diria, tratou de atualizar seu discurso. Responsável por um padrão de beleza e comportamento que influenciou gerações, a Mattel resolveu fazer o que foi considerado seu primeiro comercial feminista. Nele, Barbie pede para que as crianças "imaginem as possibilidades" e em vez do "tudo o que você quer ser", que caracterizava o slogan, agora surge "você pode ser tudo o que quiser"
Reprodução/Vídeo
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E a boca no trombone das mulheres não deu trégua nem para os conhecidos. Novamente usando as redes sociais, surgiu o movimento #meuamigosecreto, em que centenas de mulheres relatam casos de machismo promovidos por homens que fazem parte de seus convívios sociais. A ideia, mais uma vez, é jogar luz sobre comportamentos equivocados, que ainda são tratados como naturais, mas que não serão mais aceitos. O recado foi dado!
AE