Na casa, os voluntários são recepcionados por essa turma
Reprodução/ Facebook
Há mais ou menos uma semana, entre bebês fofos e opiniões sobre política, uma postagem na timeline do Facebook chamou minha atenção: 70 cachorros ficaram sem dono após a morte da senhora que os recolheu das ruas. No dia seguinte, cenas dos cães latindo e correndo no quintal apareceram em uma reportagem do Balanço Geral, e embora àquela altura um grupo de três protetoras de animais já estivesse mobilizado, a quantidade de bichos me preocupou. Quem tem cachorro sabe que às vezes cuidar de um só já é um trabalhão. Dá para imaginar como é catar cocô, tirar carrapatos e pagar a vacinação de sete dezenas de cães de todos os tamanhos e temperamentos?
Todos aqueles bichos foram resgatados da rua e de maus tratos ou abandonados por antigos donos. A responsável, dona Sara, sem dúvidas era dona de um coração cheio de boa vontade, mas infelizmente não tinha condições de manter todos eles. Por isso, alguns não são castrados e podem se reproduzir, outros têm doenças que não são tratadas, e as pulgas, carrapatos e sarna se proliferaram. Para deixar a situação ainda mais complicada, quando ela faleceu, no meio de abril, a família decidiu recuperar as duas casas da dona Sara e tudo virou uma corrida contra o tempo. É preciso tirar aqueles animais dali e lhes dar condições melhores de vida antes que os doentes fiquem mais doentes, os saudáveis peguem alguma doença, a comida acabe, eles se reproduzam e se multipliquem, e os donos se cansem de esperar pela desocupação do imóvel.
Mas o mundo ainda é bom e está cheio de gente bacana. A prova é que essa situação difícil mobilizou cerca de 30 voluntários, que acordaram cedo no sábado, no meio do feriadão, e passaram o dia lavando o quintal e os cômodos da casa, tosando, alimentando e dando atendimento veterinário aos cães.
Eu não sou uma protetora de animais. Não dedico minha vida a correr pela cidade resgatando bichos doentes ou em perigo. Tenho quatro gatos, todos adotados, e é só isso. Mas fui até lá para ajudar como posso e conheci muita gente que, como eu, trabalha, tem família, filhos, cuida da própria casa, mas ficou tão sensibilizada com essa história que resolveu fazer alguma coisa.
A quantidade de pessoas correndo de um lado para outro com baldes d’água e arrancando os matos do quintal com as próprias mãos me encantou de cara. O trabalho estava tão organizado e fluindo que eu nem sabia onde me encaixar. Logo uma protetora disse que ia tentar limpar um cômodo dentro da casa e ofereci ajuda.
Lá dentro, fiquei assustada com o que vi. Alguns móveis muito velhos serviam de casinha para os seis cachorros que dividiam uma sala. O chão, com pedaços de jornal, fezes e urina, estava tão sujo que de tempos em tempos precisávamos parar por uns segundos diante da única janela para puxar um pouco de ar fresco. Nos primeiros segundos foi difícil segurar a vontade de vomitar.
Um poodle grande tentava dormir em um cantinho, ao lado de um daschund preto. Ele tinha um tumor muito grande no tórax e eu simplesmente não conseguia entender como aquele pequeno guerreiro estava vivo e ainda tentava brincar. Um outro daschund cheio de sarna tentava escapulir dali de todo jeito, e um vira-latas preto e marrom, bem magrinho, pedia cafuné e chamava para brincar, enquanto esfregávamos os tacos de madeira para desgrudar a sujeira.
Todos eles esperam um lar temporário ou uma nova família
Nathalia Ilovatte/ R7
Foi ele que, pulando nas minhas pernas e abanando o rabinho, me tirou a total sensação de impotência diante daquela situação. Ele mora em um único cômodo, em que os cachorros literalmente brigam por comida, certamente sofre demais com a sarna que se espalhou pela pele, e mesmo assim é um bichinho doce e encantador.
Com mais duas voluntárias empenhadas, acabamos de esfregar o chão, secamos e finalmente forramos com jornal limpinho. Aí os moradores do quarto fizeram a maior festa: começaram a correr, abanando o rabo, e rolaram sobre o piso limpo. Eu nunca tinha visto cachorros falarem obrigado daquele jeito tão entusiasmado.
A faxina rolou até o fim do sábado e continuou no domingo. Já no final do primeiro dia, muita coisa tinha acontecido. Cinco cães foram para lares temporários e mais cinco foram definitivamente adotados. O daschund com câncer saiu de lá para ser operado. O outro daschund, que não podia ver a gente bobeando que tentava sair para dar uma voltinha, conseguiu finalmente ir embora da casa. Mais de 400 quilos de ração foram doados, nenhum cachorro precisou brigar por comida, e graças à divulgação nas redes sociais, hoje restam 50, daqueles 70 que há duas semanas pareciam abandonados à própria sorte. Um desses que ainda aguardam uma virada no destino é o vira-latinhas marrom e branco mais apaixonante que já conheci, e que torço do fundo do coração para que consiga logo uma família com crianças que rolem com ele pelo quintal e pais que o deixem dormir no sofá.
Todos esses pequenos milagres aconteceram porque algumas pessoas decidiram ajudar da maneira como a elas era possível, no tempo que tinham livre. Teve gente que doou vassouras e produtos de limpeza, houve quem pudesse ajudar com casinhas novas e potes de ração. Alguns só tinham as próprias mãos e ajudaram demais carregando os baldes, lavando o quintal e cortando os pelos emaranhados dos cães. Quem não pode ir até lá colaborou compartilhando as fotos e pedidos de ajuda na internet. ONGs mandaram veterinários, que deram os primeiros atendimentos aos cães. Mas muita gente ali não fazia parte de entidade alguma. Eram só pessoas com boa vontade. E cada uma, com um pouquinho, fez uma enorme diferença.
No sábado que vem o mutirão continua. A casa fica no bairro da Penha, zona leste de São Paulo, e os voluntários devem procurar as orientações da protetora Claudia Rodrigues, pelo telefone (11) 97209 9652. Ela, junto com Eliana Fernandes e Andrea Beraldo, forma o grupo de protetoras que se dedica a semana inteira aos cuidados com os cães e organiza os trabalhos voluntários. São três heroínas. Quem quiser saber mais também pode entrar no grupo do Facebook Caso dos Cães da Casa da Penha - Tutora Faleceu. Todo tipo de ajuda é bem vinda.