A competência no trato e na análise dos fatos históricos é característica importante do trabalho do sociólogo, jornalista, escritor e professor paulistano Jayme Brener. Ela o ajudou a cumprir uma trajetória profissional elogiável, que inclui passagens por veículos como Jornal do Brasil, IstoÉ, Veja, Correio Brasiliense, El Día (México), The Jerusalem Report (Israel) e as rádios Nederland (Holanda) e France Internationale (França). E também a conquistar prêmios, entre eles um Jabuti de melhor livro didático, com Jornal do Século XX, em parceria com Gilberto Maringoni, lançado pela Editora Moderna.
Essa habilidade reaparece agora, em sua plenitude, no primeiro romance histórico de autoria de Brener: Os Cinco Dedos de Tikal (Ex-Libris Editora, 360 págs., R$ 69,30). A ideia do livro surgiu em 2016, durante uma viagem do autor à Guatemala. Na volta, ele mergulhou, por dois anos, numa pesquisa histórica profunda, para tecer uma trama intensa, sedutora, fortemente marcada pela interação entre personagens fictícias, lugares reais e acontecimentos efetivos no tempo e no espaço.
Estamos em 1936, três anos antes do início da Segunda Guerra. Um professor de História da América da universidade alemã de Dresden, judeu e homossexual, toma o rumo da Guatemala para se livrar dos nazistas. Em paralelo, um operário comunista polonês viaja à Espanha às vésperas do início da Guerra Civil Espanhola (17 de julho de 1936 a 1º de abril de 1939). Mas tem divergências com os stalinistas do partido e, para livrar pele e pescoço, zarpa no primeiro navio surgido à frente, que vai para na... sim, na Guatemala.
Enquanto isso, entre uma e outra atividade arrojada, um casal de cafetões do grupo criminoso judaico Zwi Migdal delicia-se com os encantos e a delicadeza do Rio de Janeiro dos anos 1930. Mas um movimento repressivo à organização surge na Argentina e conquista adeptos no governo de Getúlio Vargas no Brasil. Pressionada com o cerco que se fechava, a dupla resolve deixar a Cidade Maravilhosa para criar bases da Zwi Migdal na América Central. E onde desembarca pela primeira vez? Exato: na Guatemala.
Pronto: eis as quatro pontas do criativo tecido literário construído por Brener reunidas no mesmo ponto do planeta, um país à época marcado pela forte influência da comunidade alemã e a mão pesada de um regime de inspiração fascista.
Brener: pesquisa e texto saboroso
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Atraídos por uma organização secreta mantida por descendentes dos maias, a civilização que dominou as florestas tropicais das atuais Guatemala, Honduras e sul do México, os quatro são convencidos a liderar uma tentativa de matar Adolf Hitler em plenos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, posicionados na História como uma das maiores peças de propaganda do nazismo. A iniciativa decola a partir de Tikal, o ‘lugar das vozes’, cidade importante da região que chegou a abrigar mais de 90 mil habitantes na fase pré-colombiana. Daí o Tikal do título.
A partir do início do ‘projeto ponto final em Hitler’, o leitor, entre índios, comunistas, judeus, prostitutas e outros grupos fragilizados pelo processo histórico, é levado a uma sucessão de surpresas à medida em que as personagens principais encaminham seus destinos com decisões. Tudo conduzido por um texto eficiente e elegante, fruto da combinação do trabalho denso de pesquisa com a clareza didática exibida por Brener nos artigos, análises e reportagens de sua carreira jornalística e intelectual.
Para quem costuma buscar em romances o que a literatura pode proporcionar em prazer maior, o livro Os Cinco Dedos de Tikal é tiro no alvo sem erro. O cenário é amplo, vai da Europa do Centro à América Central - mas as 360 páginas passam assim, ó, num pulo.