“O Idiota” de Dostoiévski vira HQ feita por um brasileiro
André Diniz usou muitas imagens e pouco texto para contar uma das histórias mais famosas do autor russo
Apuração HQ|Do R7
Príncipe Míchkin passou a vida toda num sanatório tratando os constantes ataques epiléticos que sofria desde jovem. Os anos que passou isolado, na Suíça, também o tornaram uma pessoa bondosa e complacente com quem cruzasse seu caminho. Quando Míchkin, aos 27 anos, chega a Petersburgo, na Rússia, acaba se envolvendo num triângulo amoroso que coloca a prova se ele consegue ou não viver numa sociedade tão complexa. O vilão Rogójin, um homem sombrio, faz de tudo para confundir a mente do personagem principal. Assim como Nastácia Fillíppovna, que com sua beleza foram do comum, e mesmo sem querer, entra na vida de Míchkin de forma arrebatadora. Especialistas nas obras de Dostoiévski, afirmam que o personagem principal da trama é uma mistura entre Cristo e Dom Quixote. “O protagonista é alguém bom, em parte por ter crescido isolado da sociedade como interno de uma clínica. Essa premissa de personagem "bom" geralmente é o que me afasta de uma história, mas quem escreveu essa foi Dostoiévski, e mesmo alguém ‘bom’ não quer dizer alguém simplista. A comparação com Cristo é oportuna pela forma como ele acredita no lado bom das pessoas, por mais que elas lhe mostrem uma faceta radicalmente oposta”, explica, André Diniz, o autor do quadrinho.
O meu medo antes de começar a leitura era me deparar com uma história em quadrinhos carregada em texto e complexa, mas André não fez apenas uma adaptação literária, ele conseguiu traduzir os textos de Dostoiévski em imagens que contam a história por si. Em poucos momentos os personagens precisam de fala, apenas quando foi muito necessário André Diniz usou texto. “Esse era o ponto chave: trazer de fato uma nova experiência ao leitor, por mais que diferente do clássico original”, afirma André Diniz.
“O Idiota” foi escrito em entre os anos de 1867 e 1868, na época, pacientes eram considerados “idiotas” quando sofriam de algum problema mental. Em muitos momentos da história as expressões dos personagens precisam passar essa agonia, essa dor, e o traço de André traduz muito bem cada sentimento. A arte lembra um pouco desenhos de cordel, usados principalmente no nordeste do Brasil, uma arte singular e que virou característica de André Diniz. O quadrinho conta com 416 páginas que passam voando durante a leitura, a obra foi publicada no Brasil pela editora Companhia das Letras.
“Numa autoavaliação, percebi que meu olhar não tem sutilezas, eu vejo círculos, ângulos, quadrados, e não formas mais orgânicas. Minha mão é pesada, não adianta eu insistir com um pincel. Daí a arte africana e a xilogravura, que sempre encantaram os meus olhos, justamente pelo exagero de formas, ângulos e traços fortes, foram as referências principais nas quais me baseei. Mais especificamente, de desenhistas, minhas maiores influências são Flavio Colin, Jô Oliveira, Peter Kupper e Frans Masereel”, André Diniz explica um pouco quais são suas referências quando desenha.
“O Idiota” é uma grande história de amor com um personagem que te faz torcer por ele a cada ato de bondade. Uma leitura que pode ser feita por quem já é fã de Dostoiévski e também por quem não conhece nada do autor.
“Desenhei como um brasileiro, pensando antes de tudo no público brasileiro. Talvez se eu resolvesse falar de um tema brasileiro em outro estilo que não fosse o meu, forçando a barra para este ou para aquele mercado estrangeiro, aí sim poderia soar estranho. Mas o meu ‘O Idiota’ é uma HQ brasileira, independentemente do tema”, afirma.
É admirável ver um roteirista brasileiro ter a coragem de adaptar uma obra tão rica em detalhes e contexto histórico em quadrinhos, é a primeira adaptação do tipo para os quadrinhos. “Após reler O Idiota eu estava decidido a trabalhar com ele de alguma forma. Como, naquela época (isso foi em 2010), havia um excesso de adaptações nas livrarias, cheguei a pensar se seria ou não um bom projeto. Mas à medida em que a ideia de como fazer essa adaptação foi ganhando forma, fiquei confiante de que ela teria o seu caminho próprio. Cheguei a pesquisar na internet sobre alguma outra adaptação já feita desse clássico, e confesso, não encontrei”, afirma André Diniz.
Quem é André Diniz
André Diniz é carioca e nasceu em 1975 – atualmente vive em Portugal com a família – Entre suas principais obras estão: Morro da Favela (2011), Matei Meu Pai e Foi Estranho (2017), 7 vidas (2010) e Olimpo Tropical (2017).
A próxima obra do quadrinista já está para ser publicada, em Portugal, e logo também deve chegar no Brasil: Malditos Amigos.
Quem foi Fiódor Dostoiévski
Para quem não conhece nada do autor russo, a edição do quadrinho feita pela Companhia das Letras, abre com uma breve história de Dostoiévski feita por Bruno Barreto Gomide.
Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski foi um escritor, filósofo e jornalista do Império Russo. É considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história. Obras como Recordações da Casa dos Mortos, Crime e Castigo, O Idiota e Os Demônios consagram o autor.
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