Os aliens não entenderam nada
LionFive/PixabayAo pousarem suas naves espaciais em várias partes da Terra simultaneamente, extraterrestres dos mais variados planetas pegaram os humanos de surpresa. Mas como vieram em missão de paz, pediram autorização apenas para instalar um amplo sistema de monitoramento para estudar o comportamento da população.
As autoridades das maiores nações – interessadas em obter visto e poderem viajar para outros planetas – ofereceram acesso irrestrito às redes sociais, afinal de contas, elas já fazem esse trabalho. Isso fez com que os extraterrestres ficassem muito felizes, pois além da economia de recursos, poderiam começar os estudos imediatamente.
Porém, ao observar o comportamento de boa parte dos humanos, os ETs começaram a ficar muito confusos. Então, acharam por bem pedir aos líderes mundiais permissão para entrevistar pessoalmente um humano típico, alguém que pudesse representar toda a classe. Permissão concedida, a entrevista foi feita em um país tropical, bonito por natureza, e transmitida ao vivo, para todo planeta, por meios das redes sociais.
O líder dos ETs iniciou a transmissão, dizendo “Boa tarde a todos!”, mas logo foi interrompido:
“Desculpe, mas acho que você ainda não aprendeu como nos cumprimentar. Diga: ‘boa tarde a todes’!”
“’Todes’? Essa palavra não existe no idioma de vocês!”
“Não importa, ‘queride’! Só faça o que estou pedindo, sim?”
“Bem... Vamos prosseguir. Observamos que vocês levam uma vida que não corresponde à realidade. Por que fazem isso?”
“Bem, nossa aparência é muito importante. Por aqui as coisas não são como são, mas sim, como parecem. Todo mundo sabe disso!”
“Então, é por isso que vocês trabalham tanto para ter coisas desnecessárias que custam mais do que podem pagar? É para que os outros pensem que vocês são o que não são e podem comprar o que, na verdade, não podem?”
“Do jeito que você fala parece até estranho... O que importa é que as pessoas pensem que a nossa vida é melhor que a deles e que somos mais felizes que eles. Só isso!”
“E você é feliz vivendo uma mentira?”
“Não é mentira! É a minha verdade!”
“Calma, não precisa gritar! Apenas pense: se você cria algo que não corresponde à realidade, não tem como ser verdade e...”
“E o quê? Só se for no seu mundo, seu intolerante! Aqui cada um tem a sua verdade e cada pessoa pode ser o que quiser!”
Um tumulto começou a se formar, tanto em meio às pessoas que acompanhavam presencialmente, quanto nas redes sociais. O ET reconheceu que os humanos estavam agindo puramente pela emoção, então, tentou trazê-los à razão.
“Preste atenção, humano: se cada um tem uma ‘verdade’ diferente da realidade, significa que todos vivem uma grande mentira. Isso não faz sentido para seres racionais. Agindo assim, vocês estão ficando menos inteligentes a cada dia.”
“Por que está me chamando de humano?”
“Porque você é humano. É o nome da sua espécie.”
“Não! Não coloque rótulos em mim... eu posso ser o que eu quiser! Posso ser borboleta! E eu posso até voar!
“Não, você não pode ser o que não é. E também não pode voar. O seu corpo não possui os atributos necessários.”
“Posso! Eu posso sim! Pare com isso! Alguém faça esse ET parar de falar essas coisas!” – gritava o humano tapando os ouvidos com as mãos.
“Acalme-se!” – pediu o ET – “Pare de agir como criança! Você é um ser em fase adulta. Você tem 35 anos!”
“Não! Sou ‘quianssa agola’... cadê minha ‘pepeta’! Seu feio, seu bobo! ET cara de pudim!”
“Pare já com isso, homem!”
“Pare você! Pare de me chamar de homem, eu não sou homem!”
“Você tem cromossomos XY, você é homem.”
“Você diz isso porque é um preconceituoso!”
“Não sou eu quem diz, é a ciência.”
“Não é, não! Você não sabe nada! Não pode vir aqui nos julgar!”
“Nós viemos estudá-los, não julgá-los. Está difícil entender como vocês se desenvolveram tanto ao longo dos séculos! Estão jogando fora todos os esforços de seus antepassados. Não percebem que isso é uma enorme estupidez?”
“Seu ‘estupidofóbico’! Vocês são uns ‘estupidofóbicos’! Fora do nosso planeta! Fora!”
Diante da gritaria que se formou e da revolta nas redes sociais, a entrevista teve de ser interrompida. Os humanos tomaram as ruas com passeatas que, em nome da tolerância, pediam a morte dos ETs e, em nome da diversidade, exigiam o direito de serem estúpidos.
Reunidos telepaticamente, os ETs chegaram à conclusão de que alertar os humanos sobre sua estupidez só fez com que ela aumentasse ainda mais. Sendo assim, decidiram retornar imediatamente a seus planetas. Mas, antes de irem embora, os líderes das principais nações fizeram uma exigência: para permitir que fossem embora, os ETs teriam que conceder vistos para que humanos pudessem viajar para seus planetas. Os ETs assinaram papéis que, em suas jurisdições não possuem qualquer valor, e forneceram coordenadas bem longe de seus planetas. Coincidência ou não, depois disso, nenhum extraterrestre ousou aparecer por aqui.
Esta crônica é uma ficção, mas poderia não ser...
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.