Rodrigo Simas e Carla Salle vivem ‘Shakespeare Apaixonado’ em espetáculo intimista
Teatro arena cria palco vivo, que faz público se sentir participante da peça; montagem está em cartaz em São Paulo até 13 de outubro
Tudo de Entretenimento|Sandra Lacerda*, do R7
William Shakespeare, o dramaturgo mais famoso do mundo, autor de obras como Romeu e Julieta e Hamlet, saiu de trás do papel e ganhou uma história própria, em cartaz no 033 Rooftop do Teatro Santander até 13 de outubro. O espetáculo Shakespeare Apaixonado transporta o público para a Inglaterra do século 16 e, sobre a arena, é uma declaração de amor à poesia e ao teatro.
A montagem é um prato cheio para os amantes de Shakespeare, que vão conhecer as nuances envolvendo o jovem dramaturgo — desde seus processos criativos, dificuldades financeiras e, como de costume, um amor avassalador. A peça não falha em trazer citações clássicas de Shakespeare e, ao mesmo tempo, satisfaz a vontade de assistir (ou reassistir) a uma peça escrita por ele.
“A peça compartilha com o público as complexidades de uma produção teatral, vista dos bastidores, a fragilidade e vulnerabilidade de uma figura tão mítica quanto Shakespeare e a coragem e determinação de uma protagonista que enfrenta de maneira notavelmente corajosa, as condições que lhe são impostas diante da sociedade patriarcal da época”, afirma a atriz Carla Salle, que dá vida à personagem Viola de Lesseps, em entrevista ao R7.
Cinema e teatro
Sob a direção e versão para o português de Rafael Gomes, vencedor dos prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Shell, a montagem traz a mesma história do filme homônimo do cineasta inglês John Madden, que venceu sete categorias do Oscar de 1999 — inclusive de melhor filme e melhor atriz, com Gwyneth Paltrow desbancando a brasileira Fernanda Montenegro, indicada por sua atuação no filme Central do Brasil.
Na vez de Carla Salle dar vida à protagonista, a atriz afirmou que a adaptação não se baseou plenamente no filme, mas trouxe a cultura nacional para o enredo. “A oportunidade de fazer Shakespeare no Brasil é magnifica, porque Shakespeare é tão grande que pode ser contado de diversas maneiras, ele não cabe em uma caixa. É maravilhoso inventar um Shakespeare através da lírica brasileira, trazendo a nossa cultura para essas histórias”, contou.
No palco, a proposta mistura romance, drama, comédia e também tragédia. Os gêneros equilibram o espetáculo de 150 minutos, que arranca risadas sinceras do público, mas também proporciona momentos de profundo silêncio e tensão.
William Shakespeare e Viola de Lesseps protagonizam cenas de tirar o fôlego, enquanto a ama de Viola, interpretada por Fafá Rennó, e o empresário Henslowe, vivido por Rael Barja, trazem o alívio cômico na hora e na medida certa.
Em busca de inspiração
A história inicia com o jovem dramaturgo William Shakespeare, interpretado pelo ator Rodrigo Simas, enfrentando um bloqueio criativo enquanto tenta compor sua nova obra, que será apresentada à rainha Elizabeth 1ª, vivida pela atriz Ana Lúcia Torre, no famoso teatro Globe.
Shakespeare só consegue avançar em seu trabalho após conhecer a sonhadora e talentosa Viola de Lesseps, cuja paixão reacende a imaginação do autor e o inspira a transformar suas ideias em uma peça memorável. Nada mais, nada menos do que Romeu e Julieta.
Carla Salle contou que a tragédia foi fundamental para a sua carreira. “A peça Romeu e Julieta foi a primeira que li, e isso despertou em mim uma profunda fascinação”, diz a atriz, que nunca participou de uma montagem de Shakespeare anteriormente.
Acompanhar os bastidores da tragédia mais icônica do teatro é a grande metalinguagem de Shakespeare Apaixonado: a peça que encena uma peça. Além de Romeu e Julieta, a trama também faz grandes referências às obras Dois Cavalheiros de Verona e Noite de Reis.
Julieta não é o Sol
Viola é uma jovem talentosa e aspirante a atriz, vivendo em uma época em que as mulheres são proibidas de subir aos palcos. Nos textos de Shakespeare, a figura feminina é elevada ao maior auge de beleza e apreciação, o que gerou icônicas frases como: ”Que luz é esta que brilha através desta janela? Esta janela é o Oriente e Julieta é o Sol”, dita por Romeu. Mas, na prática, eram homens quem as representavam em cena.
Determinada a seguir seu sonho, Viola adota a identidade masculina de Thomas Kent para fazer um teste para a peça de William Shakespeare. A história da mulher que se passa por homem para conquistar seus objetivos e provar seu valor já foi contada outras vezes. As personagens Mulan, do filme da Disney de 1998, e Diadorim, de Grande Sertão: Veredas, escrito por Guimarães Rosa e publicado em 1956, também mudam de identidade e colocam sua ambição à frente de normas sociais de suas épocas.
Teatro arena
Com uma trajetória que já inclui aclamadas produções em Londres, Nova York, Japão e África do Sul, a peça chega ao Brasil em formato de arena, que permite que os espectadores estejam perto dos atores em volta das cenas, criando um palco vivo e uma conexão ímpar ao desenrolar da trama.
O local proporciona tudo para acontecer uma maior interação e participação com o público, mas falta diálogo entre o elenco e os espectadores — inclusive nas cenas de humor que carregam a narrativa. Mesmo assim, ainda é possível se sentir participante da história.
Com acesso a alçapões, o palco se transforma em barco, quarto e sepultura. Os poucos objetos utilizados, como mesas e cadeiras, são colocados e tirados de cena com muita agilidade pelos próprios atores — que entram e saem por escadas nas laterais da arena.
Poesia e amor
Em se tratando de um Shakespeare apaixonado, uma sacada não pode ficar de fora do cenário. É subindo as escadas que dão acesso ao quarto de Viola que Shakespeare e a protagonista trocam suas primeiras declarações regadas à poesia e amor instantâneo.
Para Carla Salle, a maior dificuldade em ser a protagonista nesse espetáculo não é equilibrar a atuação entre a bela Viola de Lesseps e o ator Thomas Kent, mas sim conseguir fazer o público entender as palavras difíceis dos poemas de Shakespeare.
“Ele era um dramaturgo que escrevia para o povo, então o texto dele tinha que alcançar o público de maneira muito direta. Mas as falas que na época eram muito cotidianas, hoje se tornaram mais formais. Então, como dizer essas palavras como elas estão escritas, mas tentando alcançar o objetivo do próprio autor que era fazer com que as pessoas entendessem e fossem tocadas por aquele texto nos dias de hoje? Foi preciso ir fundo no significado de cada palavra, cada texto, para tentar expressar com o máximo de propriedade cada uma de suas ideias”, explica.
Serviço:
Local: 033 Rooftop, Teatro Santander (av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2.041, Itaim Bibi, São Paulo)
Sessões: Quintas e sextas-feiras, às 19h30; sábados e domingos, às 15h e às 19h30
Ingressos: de R$ 19,80 a R$ 290
Venda: Sympla
* Sob supervisão de Lello Lopes