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Os homens se esquecem de todas as manhãs

Até onde sei|Eugenio Goussinsky

Há sempre um momento em que da escuridão brota o fiapo de luz. No silêncio do horizonte, a manhã surge em um ar campestre. Mesmo na cidade. Em seguida, pios distantes dos pássaros madrugadores vão se avolumando até o resplandecer de uma sinfonia. Junto com eles, mais do que antigamente, o ronco dos carros.

Eles chegam cada vez mais cedo. E se misturam ao som da natureza, impondo-se a ele, sobrepondo a pressa à calmaria do passar natural do tempo. Cada manhã surge como um milagre e os carros se esquecem disso. Mecânicos, cruzam a avenida insensíveis à transformação ao seu redor, quando riscas alaranjadas dão contornos coloridos às arvores, balançadas pela brisa que baila invisível.

E o canto se avoluma. Em luta inglória, porém, é abafado pelas buzinas. A se multiplicarem, como se fossem gritos por um lugar ao sol. Mas o sol está ali! Logo ali, evoluindo lentamente, acima de tudo. A acariciar com um toque de calor os rostos que xingam, que reclamam, que se maquiam adoentados por algo que desconhecem, mas do qual não conseguem se livrar.

O sol ficará lá por horas, dando a chance de ser contemplado. Em vão. Até se apagar, imponente e conformado, em dança com o anoitecer, substituído pelo véu negro pontilhado de estrelas, onde se pendura a lua.

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O cenário continuará em olvido enquanto todos dormem. Sonham, muitas vezes sonhos recônditos, diluídos diante do espelho no dia seguinte. E eles entrarão engravatados nos carros, cortarão a cidade ensandecidos, imperceptivelmente tristes, numa tristeza que, diferentemente da manhã, não quer se transformar.

Mas a manhã, sabe-se lá até quando, estará lá, surgindo do milagroso parto da natureza. Em brandos movimentos, até que um dia o homem finalmente lhe dê a devida atenção. Ela então mostrará seus braços abertos de luz, desenhando em infinitas dimensões a amplitude da vida.

Colorindo o sorriso que explodirá com a revelação de seu nascimento. Perfumando o aroma do orvalho enfumaçado. Escutando a voz do homem se misturar ao canto dos pássaros, em um balbucio que diminuirá o urro ensurdecedor dos motores. E do balbucio ouvirá, em nome de todas as manhãs, ecoar o inesperado e surpreso cumprimento, que ela - ou elas - pacientemente desejou receber: Bom dia, felicidade.

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