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Análise: Janela de Overton e os deuses da atualidade

Como é possível que sociedades inteiras sejam capazes de cultuar pessoas comuns que nada fazem de bom para a humanidade?

Patricia Lages|Do R7

Atualmente, o culto à personalidade é ainda mais irracional
Atualmente, o culto à personalidade é ainda mais irracional Atualmente, o culto à personalidade é ainda mais irracional

Há cerca de 30 anos, o americano Joseph P. Overton desenvolveu uma teoria que aponta que é possível manipular a opinião pública ao longo de um período. Por meio de um gráfico simples, o conceito defende que sociedades inteiras podem passar a aceitar e apoiar algo que antes eram totalmente contra.

Mas, o que faz essa janela se mover de radicalmente contra a radicalmente a favor? Existe uma aliada imbatível capaz de fazer alguém abandonar um pensamento lógico e adotar outro, ainda que não tenha o menor cabimento: a emoção. Isso explica, por exemplo, como o culto à personalidade é algo tão natural hoje, embora não passe de uma adoração descabida a pessoas que não são nada além de seres humanos comuns. 

Voltando ao antigo Egito, sabemos que tratava-se de uma sociedade que cultuava diversos deuses, mas não pessoas. Porém, os faraós passaram a querer que seus súditos os tratassem também como deuses. Mais do que obediência e pagamento de tributos, os faraós queriam ser adorados e, para isso, usaram diversos meios para mover a janela de seres humanos comuns para deuses dignos de adoração.

Acredita-se que o perfume foi um deles. Os egípcios eram obcecados por limpeza, principalmente do próprio corpo. Vestiam-se de branco, raspavam os cabelos para evitar piolhos e banhavam-se com muita frequência. Os perfumes, porém, eram de uso exclusivo do faraó e da família real. Nenhum perfumista podia divulgar que as fragrâncias eram criações humanas e, quem se atravesse a fazê-lo, pagaria com a vida.

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Para manipular a opinião pública, o faraó se banhava em perfume antes de suas aparições públicas e propagava-se que aquele aroma emanava naturalmente de seu corpo divino. A experiência de sentir, de fato, uma fragrância extremamente agradável serviu de “prova” para que aquela sociedade obcecada por limpeza, passasse a adorar seu governante sem o menor questionamento. Uma mostra muito interessante de como uma sensação pode perfeitamente superar a razão.

Ao longo da história, a adoração a pessoas se estendeu aos imperadores, à monarquia e, nos dias de hoje, a pessoas que nem sequer precisam fazer alguma coisa. Atualmente, o culto à personalidade é ainda mais irracional, pois adora-se pessoas que não precisam ter posição alguma ou fazer o que quer que seja em prol da sociedade. São personagens fabricados pela indústria do cinema – que nem precisam atuar bem, pois a edição constrói a narrativa –, da música – que não precisam cantar bem, pois o auto tune trata a voz – e da beleza – que nem precisam ser bonitas, pois bisturi e procedimentos estéticos fazem todo trabalho.

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Como explicar racionalmente o fenômeno Kim Kardashian, com mais de 180 milhões de seguidores no Instagram sem ter feito absolutamente nada de útil para a humanidade? Para quem não sabe, ela surgiu na mídia por conta do vazamento de uma fita de sexo com um antigo namorado, o rapper Ray J, em 2007. Desde então, ela tem sido uma das mulheres mais celebradas e copiadas do mundo. Milhões de seguidoras querem ter um corpo semelhante, embora quase nada nela seja natural, nem mesmo as fotos que estampam as redes sociais, afinal, quem não sabe que estão cheias de retoques e efeitos? Mas, e daí? A lavagem cerebral do momento é endeusar tudo o que é artificial, colocando as mulheres em moldes que as deixam iguais, desprezando e até ridicularizando sua individualidade natural.

Mesmo hoje, em uma sociedade que se diz avançada e empoderada, as pessoas continuam buscando deuses para prestar seu culto irracional. É preciso retomar a razão, pensar com clareza e reavaliar o rumo que nossa sociedade está tomando. É preciso colocar a razão e os fatos acima das emoções e sensações, afinal de contas, é isso que diferencia os seres humanos dos animais irracionais.

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Autora

Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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