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Análise: Lacrando e lucrando há mais de 100 anos

Feminismo foi usado pela indústria do tabaco para vender a ideia de que fumar era um ato de liberdade feminina

Patricia Lages|Do R7

A estratégia que inúmeras empresas utilizam hoje em dia posicionando-se como politicamente corretas, fingindo defender causas sociais e identitárias não é nada nova. No fim do século 19 e começo do século 20, o cigarro foi utilizado como símbolo da chamada primeira onda feminista.

Naquela época, o mercado dos vícios limitava-se ao público masculino, principalmente o tabaco, cuja publicidade era dirigida exclusivamente aos homens. Em algumas cidades, como Nova York, o tabagismo feminino chegou a ser ilegal e, em outras, mulheres flagradas fumando publicamente podiam ser multadas. Nesse caso, como incluir as mulheres como potenciais clientes?

Diante desse desafio, a indústria tabagista percebeu que o feminismo poderia resolver a questão e, finalmente, tornar as mulheres não apenas consumidoras de seus produtos, mas também defensoras e divulgadoras. Naquela altura, o movimento pelo sufrágio feminino estava ganhando força e foi aí que as companhias de cigarros enxergaram uma enorme oportunidade. As mulheres lutavam pelo direito de votar e de terem suas opiniões políticas respeitadas, então, por que não aproveitar essa onda e lançar o cigarro como símbolo da causa?

Foi assim que um produto que causa inúmeras doenças, principalmente para a mulher, foi promovido ao status de freedom torch, ou tocha da liberdade. Era exatamente assim que a publicidade da época passou a anunciar os cigarros em diversas peças publicitárias. Aliás, a American Tobacco Company contratou ninguém menos que Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, para criar as campanhas publicitárias voltadas para o público feminino.

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Cartaz da década de 20 ligava cigarro à ideia de um ato da liberdade feminina
Cartaz da década de 20 ligava cigarro à ideia de um ato da liberdade feminina Cartaz da década de 20 ligava cigarro à ideia de um ato da liberdade feminina

Em 1929, um cartaz enaltecia o cigarro como um agente libertador contra o “preconceito” em relação à mulher

“Mulheres estão livres! – Legalmente, politicamente e socialmente, a mulher foi emancipada das correntes que a prendiam. A inteligência americana explodiu a teoria ridícula que impôs o estigma de inferioridade a um sexo.”

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Ironicamente, o cigarro que aprisiona milhões de pessoas ao vício, mostrava-se como um grande libertador, explorando os discursos do movimento feminista, desvirtuando a luta das mulheres e apenas “lacrando” para lucrar. A semelhança entre esse texto e as narrativas usadas hoje em dia não é mera coincidência, mas sim, uma repetição de algo que deu muito certo no passado.

Atente também à ilustração. Veja como ela sugere um “antes e depois” do advento do tabagismo feminino:

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À esquerda, a mulher aparece sendo ameaçada por um homem com um chicote em uma das mãos. Enquanto ela é representada pequena e indefesa ao fundo, protegendo seu bebê, o homem aparece em primeiro plano, agigantado e com uma atitude opressora. Já à direita, a mulher acima do maço de cigarros aparece com uma imagem totalmente diferente. Agora ela está de pé, carregando o bebê com uma atitude “empoderada”, enquanto o homem aparece sentado passivamente, apequenado e com o chicote enrolado na mão. O “inimigo” foi vencido afinal!

A imagem mostra claramente a mulher como vítima do homem e o ato de fumar como sua libertação, uma mensagem, sem dúvida alguma, ridícula. Porém, para jogar uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro vilão, o texto aponta como ridícula a suposta teoria que estigmatiza a mulher como um ser inferior. O que, na verdade, esse cartaz diz é: “Mulheres, mostrem ao mundo que são empoderadas! Libertem-se dos homens, fumem e nosso lucro estará garantido por muitos e muitos anos!”

A mesma estratégia tem sido usada fortemente nos dias de hoje por empresas “lacradoras” que continuam fomentando divisões entre homens e mulheres, mas agora ampliando os alvos criando rusgas entre brancos e negros, héteros e homossexuais, ricos e pobres e por aí vai. Elas suscitam as contendas e, em seguida, apresentam-se como apoiadoras “do lado mais fraco”, aproveitando-se de toda confusão – que elas mesmas financiam – para lucrar ainda mais.

Está mais do que na moda que empresas que poluem o meio ambiente e produzem alimentos altamente prejudiciais à saúde se mostrem grandes defensoras ambientais e representantes das causas das minorias. A estratégia ainda funciona porque, ao que tudo indica, as pessoas de hoje não são mais inteligentes que as do século passado.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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