Uma mestre-queijeira por trás dos brasileiros premiados na França
Brasil levou 57 medalhas no concurso mundial de queijos de Tours, na França. Uma das queijarias mais premiadas tem, no comando da produção, uma jovem engenheira de Minas Gerais, de 29 anos
É de comer|Camé Moraes - Do R7
Muitas vezes é preciso um prêmio no exterior para que o consumidor brasileiro entenda o óbvio ululante. Temos bons queijos, a preços competitivos e de qualidade semelhante à daqueles importados da França, Suíça, Holanda. Desta vez, a constatação veio com nada menos que 57 medalhas no concurso francês Mondial du Fromage et des Produits Laitiers de Tours (ou: "Mundial de queijos e derivados de leite de Tours"). Cento e oitenta e três produtos brasileiros entraram na competição, que contou com 900 participantes de todo o mundo. Será que o resultado nos fará abandonar o complexo de vira-lata e começar a olhar para nossos produtores regionais? E será que finalmente vamos começar a entender de onde vêm, como são feitos e por quem são feitos nossos produtos premiados?
Fato é que nem sempre os queijos mais caros que temos nas lojas especializadas e nos mercados são os melhores. Entre os medalhistas da competição gringa estão alguns exemplares de produtores já consagrados, como Pardinho Artesanal e Fazenda Bela Vista, que têm queijos vendidos em supermercados de todo o país. Muitos queijos mineiros artesanais da região da Serra da Canastra também levaram condecorações (veja a lista completa no fim deste artigo). Mas, entre os premiados, me chamou a atenção um velho conhecido meu: o laticínio Cruzília.
Com banca no Mercadão de São Paulo, distribuição ampla em supermercados do Brasil, a companhia levou quatro medalhas — duas para queijos já comercializados: o A Lenda e o Santo Casamenteiro. As outras duas vieram para lançamentos — como o Manto da Serra (estreia no mercado nacional em 2022) e o Serra da Mantiqueira (lançamento previsto pro fim do ano).
Curiosamente, os queijos da Cruzília não estão entre os mais caros das prateleiras, pelo contrário. É possível ter um belo jantar de queijos e vinhos com os produtos sem se sentir assaltado. O preço mais baixo dos concorrentes de igual padrão talvez seja explicado pela capacidade de produção da queijaria (daí vem a segunda curiosidade deste artigo): ela não é artesanal, apesar de manter processos artesanais em sua produção, o que faz com que a qualidade aumente e a produção em escala industrial seja possível.
Quem me explicou tudo isso foi a pessoa que é a razão da terceira curiosidade desta coluna de hoje: a Juliana Jensen. Você deve estar se perguntando: quem é essa moça, na foto?
Bem, essa moça é a mestre-queijeira que, aos 29 anos, comanda toda a planta de produção da Cruzília e de outras três plantas de produção de laticínios da empresa, espalhadas pelo Brasil.
É dela a responsabilidade de pôr em evidência para mundo os quatro queijos premiados neste ano. É dela também o desenvolvimento (a assinatura do produto) de um dos queijos medalhistas, o "Manto da Serra". Engenheira de alimentos de formação, a jovem mineira de família dinamarquesa diz que o gosto por queijos vem de berço.
“Sempre gostei muito de queijo. Meu avô era dinamarquês e veio para a região, para produzir queijos, com 18 anos. Ele trabalhou a vida toda na mesma planta onde funciona, hoje, a fábrica”, conta.
O dia a dia da Juliana é medir, testar, averiguar e provar os queijos produzidos na cidade mineira que tem o mesmo nome do laticínio: Cruzília fica no sul do estado, perto de Três Corações.
“O leite é comprado na região, de produtores locais, com controle de qualidade desde o campo até a hora que ele chega à indústria. A montagem dos queijos é manual. No caso do queijo 'A Lenda', por exemplo, produzimos somente cinco peças por dia. A gente experimenta tudo. Partimos uma peça e avaliamos lote por lote. É esse o diferencial”, explica Juliana.
O “A Lenda” foi premiado com a medalha de ouro no concurso francês. Eu gosto bastante. É um queijo de casca preta, interior amarelado, macio e levemente adocicado. Bom pra comer sozinho mesmo, com uma taça de vinho Pinot Noir. O grande premiado, no entanto, foi o queijo "Santo Casamenteiro", que levou a medalha “Super Ouro”. É um queijo azul (de mofo, semelhante ao gorgonzola) suave, montado com nozes e damascos. É um queijo de “festa”, digamos assim. Por ter essa composição de nozes e damascos, ele sozinho parece uma tábua de queijos. Vale a pena experimentar, servir para os amigos. Gosto de comer com torradas. Nos mercados paulistas, é vendido em porções, na maioria das vezes, em triângulos. Todos os queijos da empresa onde a Juliana trabalha são feitos com leite pasteurizado. No Brasil, é muito difícil comercializar em grande ou pequena escala qualquer produto com leite cru — por questões sanitárias e de fiscalização.
“O mercado de queijo brasileiro está passando por uma transformação muito grande, o leite cru sempre foi muito marginalizado. Infelizmente a gente precisou de uma valorização lá fora, pra depois ser valorizado aqui. Agora, o consumidor brasileiro está buscando valores diferentes, mas ainda temos um consumo de queijo muito baixo aqui em comparação a outros países”, revela Juliana.
No que ainda perdemos para os franceses? Juliana acredita que ainda falta apoio para os produtores nacionais se tornarem mais competitivos.
“Há uma dificuldade para comercializar em nível nacional. Mas isso está aos poucos mudando, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) está começando a nos enxergar com outros olhos e nos valorizando. Na França, há muito mais incentivo fiscal e financeiro por parte do governo. Além da tradição, eles têm um nível tecnológico mais avançado. Nós, agora, estamos conseguindo reproduzir algumas técnicas de maturação deles por aqui”, completa.
Juliana se formou na Federal de Lavras (MG), mas foi lá para a região de Lyon, no sudeste francês, estudar maturação com mestres na arte queijeira. Uma experiência que ela acabou trazendo para as plantas da Cruzília, aqui no Brasil.
Mas ninguém faz nada sozinho, né? Juliana diz que o segredo está na equipe, entrosada e, segundo ela, muito empolgada com os queijos que produz.
“Esses prêmios só vêm para confirmar que o nosso maior diferencial é a nossa equipe, é o capital humano. A equipe participa, dá ideia, sugestão. Todos criam como se fosse um filho mesmo. É o diferencial”, afirma.
É óbvio que para Juliana, como mulher e jovem, não foi fácil chegar ao comando da produção de toneladas de queijos em Minas Gerais. Mas ela destaca que muitos nós estão sendo desatados nessa indústria: “No começo é sempre mais difícil por ser mulher, tem muitas barreiras. Mas, hoje, a maioria da parte da produção, do chão de fábrica, é de mulheres. Pra mim, é uma honra estar iniciando isso, aqui. Nada como um pouco de paciência e carinho para resolver”, finaliza.
Legal, né? Nunca poderia imaginar que por trás de uma queijaria gigante eu encontraria um exemplo desses. Deixo aqui abaixo a lista dos grandes premiados no Concurso Mundial da França. E também meu insta, pra quem quiser me acompanhar nas redes. É só clicar @ehdecomer.
Lista dos queijos premiados no Mundial de Tours:
Queijo Minas Artesanal Quilombo na Cachaça – Ivacy Pires dos Santos
Canastra do Ivair – Reserva Super Ouro – Ivair José de Oliveira
Queijo Santo Casamenteiro – Laticínios Cruzília
Queijo Mandala 12 Meses – Pardinho Artesanal
Queijo Canastra Serjão Maturado 100 Dias – Sérgio de Paula Alves
Primavera Silvania – Camila Almeida Alves
Serrinha Serveja – Camila Almeida Alves
Bem Brasil Extra Maturado – Carolina Vilhena Bittencourt
Sinhana Mons Cremeux – Holorico Soares Costa
Queijo Valentina – Izabela Dias Fiorentini
Foguin – Joao Vicente Rodrigues Borges
A Lenda – Laticínios Cruzília
Gregorio – Maristela Nicolellis
Queijo Artesanal Jm Resinado – Marlucy Leite
Queijo Cuestinha 2 Meses – Pardinho Artesanal
Queijo Artesanal Fazenda Bela Vista Premium 60 – Renato De Souza e Thaylane
Queijo Maria Nunes 30 Dias – Christiane Nunes
Queijo Moria Nevada – Fabrizio Machado
Dolce Bosco – Heloisa Collins
Queijo Minas Artesanal Quilombo Casca Lavada – Ivacy Pires dos Santos
Queijo Ribeiro Fiorentini 120 Dias – Izabela Dias Fiorentini
Queijo Giovanna – Izabela Dias Fiorentini
Queijo Solera – Izabela Dias Fiorentini
Manto da Serra – Laticínios Cruzília
Queijo Alagoa Fumacê – Marcio Martins de Barros, Queijo d’Alagoa/MG
Queijo Araucária – Marcio Martins de Barros, Queijo d’Alagoa/MG
Da Lenda Ibitira – Marco Paulo Quirino Costa
Qma do Gir da Lenda – Marco Paulo Quirino Costa
Queijo Santa Clara Dourados Casca Florida 30 Dias – Maria Aparecida Machado Pereira e Dalmo Pereira
Queijo Santa Clara Dourados Casca Florida 45 Dias – Maria Aparecida Machado Pereira e Dalmo Pereira
Dona Iaiá Casca Florida 90 Dias – Marilia Simoes Jorge
Queijo Mana Concafé 30 Dias – Marisa Alexandre Martins e Leomar Melo Martins
Fernão – Maristela Nicolellis
Tropeirinho – Maristela Nicolellis
Senzala Vulcão – Marly Leite
Queijo Cuesta 8 Meses – Pardinho Artesanal
Queijo Cuesta 10 Meses – Pardinho Artesanal
Queijo Garrafão – Rita De Cassia Ribeiro Menezes
Queijo Canastra Serjão 18 Dias – Sergio de Paula Alves
Santuário do Mergulhão Queijo Minas Artesanal 50 Dias – Silmar de Castro Mota
Marandu – Claudia Mendonca Camargo
Requeijão Caipira Raspas do Tacho Jeito de Mato – Diego Trevizan Livorati
Queijo Canastra Sinhana 240 Dias – Holorico Soares Costa
Queijo Rosário Mineiro Tropeiro – Itamar Pereira Dos Santos
Canastra do Ivair – Ivair José De Oliveira
Canastra J&C 90 Dias – Jadir da Costa Pereira
Queijo Canastra do Johne – Johne de Castro
Queijo Bicas da Serra Tradicional – Jose Orlando Ferreira Junior
Serra da Mantiqueira Bronze – Laticínios Cruzília
Queijo Art de Alagoa Faz Rio Acima 150 Dias – Leandro Siqueira Chaves
Queijo Maturado Santana 120 Dias – Lindomar Santana Dos Santos
Queijo Fazenda Santo Antônio 60 Dias – Marcos Vinicius Mendes
Queijo do Marajó Creme (Tradicional ) Búfala – Marcus E Cecilia Pinheiro, Faz São Victor
Canastra Matinha do Ouro 60 Dias – Otinho e Eliane Freitas
Queijo Juá Casca Florida 40 Dias – Paulo Henrique Costa Fonseca
Barão da Canastra Casca Florida – Rogerio Julio Soares Ferreira
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