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Papo de Paciente
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Buscando equilíbrio na corda do recomeço: um ano de remissão do câncer

Remissão, ao contrário do que pensa a maioria, não é a cura física. Muito menos o fim. Remissão é deixar para trás as roupas antigas e sair por aí desbravando novos começos

Papo de Paciente|Marcela Varasquim e Marcela Varasquim


Hoje é dia de Zoladex. Um ano e meio atrás eu jamais me imaginaria escrevendo uma frase como essa. E se lesse, não teria a mínima ideia do significado. É impressionante como o mundo dá voltas e nos leva junto apenas com a roupa do corpo. Pensamos que temos raízes no lugar dos pés, até que um vento qualquer nos arranca de nós mesmos. E então somos obrigados a dançar no palco da vida sem ensaios. No desespero, estendemos as mãos para tentar nos prender ao único galho fino que resta do que um dia fomos. Abismos e mares intransponíveis são paisagens inevitáveis para quem vive.

Zoladex é o nome da injeção que tomo todos os meses para me manter em menopausa induzida. Antes de aplicá-la, é preciso ficar 20 minutos com uma bolsa de gelo encostada na barriga para anestesiar a pele. A enfermeira sempre pede para não olhar a grossura da agulha. É uma cânula, na verdade, que injeta uma cápsula de liberação prolongada. A consequência aparece em qualquer exame: níveis de estrogênio sempre baixos, como os de uma mulher em menopausa.

Há um ano, o câncer baixou tanto a voz, que ficou em silêncio. Para os médicos, o nome do silêncio do câncer é remissão. Para alguns pacientes, milagre. Ainda não há certeza de que a doença tenha se despedido de vez, mas, só de não ouvir seu grito, já é um respiro de alívio.

Injeção de Zoladex
Injeção de Zoladex

Entrar em remissão, ao contrário do que pensa quem não é familiarizado com o vocabulário oncológico, não é o fim. Pelo contrário — entrar em remissão é um começo. E, em como todo nascimento, há choro. Sair do acolhimento do corpo da mãe e respirar pela primeira vez com os próprios pulmões exige fôlego. Soltar a mão dos médicos e reaprender a caminhar sozinha também.

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Nos primeiros dias, mal consegui emendar mais de dois passos na corda bamba do recomeço. Eu caí mais do que andei, e muitas vezes me agarrei à corda de qualquer jeito: com as mãos, com os joelhos, de ponta-cabeça. Havia uma vida que deixei, e que não era mais minha. Precisei parir do velho uma nova história, escrever um livro inédito com os mesmos personagens. Mas dessa vez eu sabia que nem o melhor de todos os enredos valeria a pena, se o preço fosse me perder de mim.

Não sabia mais a quem dar as mãos, nem das mãos de quem soltar. Mal sabia de que forma caminharia, que palavras agregaria e que outras deixaria de falar. Foi difícil experimentar ser eu mesma, sentar na cadeira que eu deixei vazia.

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Grandes transformações internas abrem as portas de estradas mais sutis da vida, e aprender a andar por elas exige paciência, resistência e calçados leves. Apenas um ano depois posso dizer que me desequilibro bem menos, mas ainda evito vestir salto. A remissão não é o fim. É apenas como trocar de roupa para um novo começo.

Viva um ano de remissão!

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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