Romeu Piccoli relata arriscada travessia a bordo do Trem da Morte
Repórter do núcleo de reportagens especiais da Record TV contou a história de migrantes que tentam entrar ilegalmente nos EUA
Famosos e TV|Aurora Aguiar, do R7
“Será que vou ver minha filha de novo?”. A incerteza de não voltar vivo para casa foi algo perturbador nos últimos tempos para o repórter do núcleo de reportagens especiais da Record TV Romeu Piccoli. Ele embarcou no trem de carga La Bestia (A Besta), também chamado de Trem da Morte. O "passeio" foi para registrar ao Câmera Record a arriscada viagem de migrantes centro-americanos que fogem da violência e da miséria de onde vivem para tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos em busca do sonho americano.
“Foi a viagem mais difícil e tensa que já fiz", disse o jornalista que, ao longo de 25 anos de profissão, já entrevistou traficantes, entrou em plantação de coca das Farcs e realizou tantas outras matérias perigosas.
Piccoli contou que, durante a viagem, descobriu histórias que o deixaram impressionados, como, por exemplo, a de pessoas que morrem ou foram mutiladas por queda para fugir da fiscalização. “É uma travessia extremamente perigosa. As pessoas vão em cima do trem, se penduram ou tentam se acomodar nos vãos entre um vagão e outro. O risco de cair de lá, a gente passou por isso, ou ter uma perna arrancada, é enorme”, relatou.
O produtor Henrique Beirangê, que viajou com Romeu, disse ao R7 o que viveu durante o percurso. "O trem atravessa áreas rurais sem qualquer iluminação e precisávamos nos segurar para não entrarmos nas estatísticas de mortos e mutilados. Usamos um equipamento de rapel acoplado na cintura para podermos trabalhar sem correr o risco de cair. O 'luxo' causa um pouco de constrangimento. Crianças e pessoas mais velhas se amontoam sem nenhuma segurança", relembrou
Beirangê declarou ainda que, a cada pequena parada, os migrantes ficam preocupados. O governo mexicano, disse ele, aumentou as patrulhas em estradas e em ramais estratégicos dos trens contra a migração clandestina. "A decisão é uma resposta à ameaça americana de sobretaxar os produtos mexicanos, caso o país não impeça a chegada de migrantes à fronteira sul dos Estados Unidos."
OS NARCOTRAFICANTES
Também ao R7, Romeu Piccoli assegurou o alto risco de assaltos que existe toda vez que o La Bestia trafega por lugares afastados durante a rota. “Há quadrilhas, narcotraficantes e os pequenos bandidos que te sequestram. Perguntam se tem família nos Estados Unidos... Vão lá para encontrar um irmão, um primo, por exemplo, e aí exigem um valor. Se o cara não tem, eles matam”, pontuou.
"Em 2010, 72 migrantes, incluindo dois brasileiros, foram mortos em Tamaulipas pelo grupo Los Zetas, um dos principais cartéis de narcotráfico do México. Segundo as investigações, eles teriam se recusado a trabalhar para os criminosos. No estado de Vera Cruz, há mais fossas coletivas do que município. A geografia do terror contabiliza 300 em um total de 200 cidades. Em todo o país estima-se 1.300 covas sem identificação. Segundo o governo, 4.000 migrantes podem ter encerrado o “sonho americano” nestes cemitérios clandestinos", contou o produtor Beirangê.
SOFRIMENTO
O drama dos que embarcam no Trem da Morte vai além. De acordo com o repórter Romeu Piccoli, as autoridades norte-americanas que trabalham com os migrantes calculam que a cada três mulheres que sobem nos comboios, uma é estuprada. Elas são chamadas de “ouro em pó”. As quadrilhas sequestram e as levam como escravas sexuais para serem exploradas depois no México.
Já os jovens, são cooptados pelo narcotráfico, disse. Eles são chamados de ‘carne de canhão’. “É o cara que vai na frente do trem para levar droga. É o cara que vai ser preso caso tenha fiscalização. E se ele se negar a fazer o trabalho, eles matam também”, contou. Piccoli disse ainda que há, durante todo o trajeto, dezenas de cemitérios clandestinos onde os corpos das vítimas são enterrados no meio do caminho.
NO BRASIL, A PREOCUPAÇÃO
Casado com a também jornalista Patrícia Ferraz, do Domingo Espetacular, Romeu disse que combinou com a mulher de entrar em contato com ela toda vez que ele fosse para uma zona de perigo. “Olha, se eu não te ligar ou mandar mensagem até tal horas, você entra em contato com os guias e com os nossos chefes aqui em São Paulo”, relembrou o repórter as orientações dadas à companheira. E num dado dia em que Piccoli ficou sem acesso a nenhum meio de comunicação, Patrícia pensou no pior. Felizmente foi apenas um desencontro.
O jornalista disse que a viagem foi de fato um tanto arriscada. E ele, juntamente com a equipe, sabia. “Tem riscos que a gente está disposto a correr, e que é intrínseco da profissão, no entanto, determinadas situações nós evitamos, pois sabíamos que não precisávamos passar. Um jornalista local garantiu a nós que se passássemos por um determinado trecho poderíamos morrer, porque lá, os caras matam mesmo”, disse.
ESCASSEZ E FOME
O produtor Henrique Beirangê relatou ainda dificuldades que ele e Piccoli passaram durante toda a realização da matéria. "O consumo da água aumenta bastante durante toda a viagem. Joseph, um dos personagens da matéria, parece não se incomodar com o calor. Carregando apenas uma mochila com alguns trapos dentro, ele conta que um dia sonha em trabalhar em alguma televisão. Joseph é simpático. Parece feliz com nossa presença."
"Não podemos ficar muito tempo sob o trem. O calor é escaldante e a sede muito forte. Diferente dos flagelados centro-americanos, temos a escolha de descer na próxima parada. Joseph e um amigo continuam a jornada. Vemos o trem ir embora com muitas pessoas pedindo água e comida. Doamos o que temos, mas não é suficiente para todos. Crianças e idosos terão que seguir em frente. Vemos pais e mães pedindo água, mas não temos mais nada além do que o levávamos conosco", contou o produtor.
"Encerramos nossa viagem em El Paso, Texas, nos Estados Unidos. Fizemos o trecho final de avião. Migrantes levarão dias ou até semanas para conseguirem chegar em uma das cidades fronteiriças dos Estados Unidos com o México, onde tentarão atravessar ilegalmente. Isso, se chegarem... De acordo com uma associação de famílias de migrantes de Honduras, 727 pessoas desapareceram nos últimos anos no México tentando chegar em território norte-americano", detalhou Henrique Beirangê.
Os detalhes desta viagem que começa em Honduras, passa por Guatemala, México e termina nos arredores dos centros de detenção de migrantes nos Estados Unidos você assiste em dois episódios no Câmera Record, às 23h15, nos domingos de 7 e 14 de julho.