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Ataques às obras de arte em Brasília podem ser considerados crimes de guerra

Durante as invasões do último domingo (8), peças famosas foram danificadas e destruídas pelos extremistas

|Gabrielle Pedro e Pedro Garcia, do R7

Quadro 'As Mulatas', pintado por Di Cavalcanti e exposto no Palácio do Planalto
Quadro 'As Mulatas', pintado por Di Cavalcanti e exposto no Palácio do Planalto Quadro 'As Mulatas', pintado por Di Cavalcanti e exposto no Palácio do Planalto

As depredações feitas por extremistas no último domingo (8) no Palácio do Planalto, no prédio do STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso Nacional causaram enormes perdas ao patrimônio nacional. Além do valor financeiro, especialistas acreditam que o valor histórico foi brutalmente prejudicado pelos vândalos e que a ação dos grupos envolvidos nos ataques pode ser considerada um crime de guerra.

Entre alguns dos objetos destruídos estão a tela As Mulatas, do pintor Di Cavalcanti, com preço estimado em R$ 8 milhões, uma escultura de madeira de Frans Krajcberg, avaliada em R$ 300 mil e a escultura Bailarina, de Victor Brecheret, com o valor de R$ 250 mil, além de objetos com preços inestimáveis, como o relógio fabricado pelo francês Balthazar Martinot, dado como um presente a dom João 6º por Luís 14, da França. Os itens de mobiliário destruídos também têm grande importância para o design brasileiro, como as cadeiras usadas pelos ministros do STF, desenhadas por Jorge Zalszupin — arquiteto e designer polonês naturalizado brasileiro — e com um valor de aproximadamente R$ 15 mil cada uma.

Além de toda a perda material, pesquisadores também ressaltam o valor simbólico que esses ataques tiveram para o Brasil. O professor do Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Percival Tirapelli avalia que os atos de vandalismo representam uma "perda da alma do povo brasileiro".

"A obra de arte é uma expressão de um povo; nenhuma obra de arte é apenas uma estrutura para olhar e ver que é belo. Se um painel de Di Cavalcanti está lá, é porque o artista olhou para o povo brasileiro, retratou essas pessoas e está dentro do Palácio do Planalto, da sede de onde vai se governar tudo. É simbólico estar ali, representando o Brasil. Não é apenas a materialidade. É uma perda de alegria do povo brasileiro", explica.

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A diretora do MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), Ana Magalhães, afirma que a depredação das obras de artes e dos edifícios projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, considerados um patrimônio cultural da humanidade, são vistos como atos de terrorismo pela legislação internacional de museus, da qual o Brasil é signatário. Ela diz que, internacionalmente, o ocorrido no último domingo se equipara à destruição de sítios arqueológicos, na região da Síria, pelo Estado Islâmico e ao bombardeamento de estátuas pelo Talibã. A diretora do museu também diz que os ataques ao patrimônio cultural podem ser considerados crimes de guerra.

"Desde a Segunda Guerra Mundial, é considerado crime de guerra. É uma legislação que foi evoluindo ao longo do século 20 e, de fato, é crime de guerra. Mesmo em uma legislação bélica, atacar o patrimônio cultural do inimigo é um crime hediondo e tem consequências muito graves."

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Veja as obras que foram destruídas na invasão

O professor de história da arte crítica e curadoria da PUC-SP Cauê Alves explica que os ataques atentam contra a democracia e a história brasileira. "Depredaram obras muito importantes. Di Cavalcanti é um dos artistas mais importantes do modernismo brasileiro. Na obra As Mulatas, ele buscou compreender e retratar a identidade brasileira, então tudo o que aconteceu neste domingo acaba sendo um ataque à sociedade brasileira como um todo", diz.

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Além das danificações em pinturas e esculturas, Alves lamenta as depredações contra a arquitetura de Brasília e acredita que a nação inteira sai perdendo com tamanha violência.

"Atacar a cultura é tentar apagar a história, é tentar destruir o passado e fazer deste país uma terra arrasada. Acho que o projeto foi destruir não só um dos principais símbolos de uma nação, mas de acabar com a história. Acho que esse é o pior legado dessa ação extremista", avalia. "Não se trata apenas de objetos ligados aos três Poderes, tudo isso é patrimônio brasileiro. Não é razoável ou aceitável que alguém que se diga patriota destrua um patrimônio nacional."

Quando projetou Brasília, Oscar Niemeyer pensou em um modelo de cidade para representar uma sociedade brasileira moderna e democrática. Percival Tirapelli considera que as ações de extremistas em Brasília subvertem a concepção de Niemeyer da praça dos Três Poderes. "Ele criou essas rampas para que o povo pudesse ter acesso à Justiça, não ir contra a Justiça; acesso ao poder, não querer destituir o poder; acesso aos congressistas, àqueles que trabalham pela nação e foram votados para que isso seja feito. O que se viu foi que as rampas foram o acesso para a destruição e a barbárie. Essa inversão para a destruição é uma mancha imensa, é uma marca que vai ficar na nossa história para sempre."

O professor da Unesp analisa que algumas das obras podem ser reparadas, mas o pior resquício das invasões são os atentados contra a democracia, a república e a Constituição brasileiras, representadas nos objetos destruídos.

Sobre o restauro das obras de arte depredadas, Ana Magalhães explica que será um processo demorado e com alto custo. A diretora do MAC-USP explica que será necessário a mobilização de conservadores e restauradores de todo o país para realizar esse trabalho. Ela também avalia que será um processo que demorará meses para ser concluído e que, mesmo assim, as obras de arte atacadas jamais serão peças intocadas.

Em nota, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) informou que ainda não soube precificar o tamanho dos prejuízos, mas aguarda os resultados das perícias para o fazer os levantamentos: "Técnicos do Iphan já estiveram no local desde a noite de domingo. O trabalho de levantamento e identificação de danos ao Patrimônio Cultural, entretanto, aguarda a efetiva liberação dos espaços por parte dos órgãos responsáveis pela perícia".

Também não há uma previsão de quando vão começar as restaurações de algumas das obras. "Em esforços conjuntos com o Ministério da Cultura, técnicos do instituto vão se reunir com a ministra Margareth Menezes, na tarde desta segunda-feira (9), para discutir medidas de restabelecimento de todos os prédios e definir as ações de conservação e restauração dos bens protegidos pelo Iphan."

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