Espetáculo ‘O Clube’ reflete sobre o surgimento do ódio e o seu poder agregador
Criada a partir do conto “O Candidato”, do nova-iorquino Henry Slesar, a peça discute, com humor, de que maneira o ódio contribui para...
Cartão de Visita|Do R7
Criada a partir do conto “O Candidato”, do nova-iorquino Henry Slesar, a peça discute, com humor, de que maneira o ódio contribui para a noção de pertencimento, e como ela é capaz de agregar indivíduos
Créditos: Nando Motta
Em sua busca por entender as origens do ódio, o Coletivo Binário criou o espetáculo “O Clube”, que faz uma temporada popular no Teatro Arthur Azevedo (Av. Paes de Barros, 955 - Alto da Mooca) entre os dias 21 de julho e 6 de agosto, com sessões às sextas e aos sábados, às 21h, e, aos domingos, às 19h. A peça também fez apresentações recentes no Complexo Cultural Funarte e em Casas de Cultura da cidade, totalizando 20 sessões entre julho e agosto de 2023.
Com dramaturgia escrita por Elder Torres a partir do conto “O Candidato”, do nova-iorquino Henry Slesar (1927- 2002), a peça fala sobre um clube de ódio secreto e invisível. Na trama, Pedro descobre a existência dessa entidade que cresce rapidamente e impacta a vida de milhares de pessoas e precisa decidir se quer fazer parte dela. Em cena, com direção de Nando Motta, estão os atores Laércio Motta, Mariana Torres e Renato Hermeto. O grupo reúne profissionais de várias partes do Brasil, num modelo agregador e pós-pandêmico: “Eu sou de Minas Gerais, o Elder é de Roraima, o Laércio é do Rio de Janeiro e a companhia está sediada em São Paulo”, comenta o diretor.
“Embora tenha sido escrito na década de 60, quando nem existia internet, é impossível ler ‘O Candidato’ e não pensar nas redes sociais e em todo esse universo das notícias falsas”, conta o diretor do espetáculo, Nando Motta. Com o nascimento da internet e o largo uso da conectividade em rede, foram criadas várias ferramentas que facilitaram a propagação do ódio, como grupos de WhatsApp, canais de Youtube, Twitter, programas de fofoca na TV, a imprensa marrom, influenciadores e outras tantas – algo que nem o próprio Slesar poderia imaginar.
ANÔNIMO– Bem, da maneira mais resumida, a nossa organização acredita que qualquer pessoa merece ser odiada. Pronto. Falei. Meus colegas acham que eu não deveria explicar desse jeito, assim, direto, mas eu tenho conseguido bons resultados com essa abordagem. O que acha?
PEDRO – Da abordagem?
ANÔNIMO– Do princípio.
PEDRO – É meio óbvio. Não? Assassinos, estupradores, corruptos…
ANÔNIMO – Pra nós, a lista vai além desses “monstros declarados”, nós realmente achamos que as pessoas podem ser extremamente odiáveis sem ter feito nenhuma grande barbaridade.
Essa escalada de ódio também pode ser comprovada por meio de boletins de ocorrência. Segundo as pesquisas do grupo em reportagens da Agência Brasil e do Observatório do 3º Setor, no país, só em 2022, 74 mil denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio pela internet foram encaminhadas à Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Safernet, organização de defesa dos direitos humanos em ambiente virtual.
Os dados revelaram um aumento de 67% das denúncias no primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021. As notificações mais expressivas foram as de intolerância religiosa (aumento superior a 650%) e as de xenofobia (aumento de 520%), seguidas por neonazismo, apologia a crimes contra a vida, LGBTfobia, misoginia e racismo.
Nesse contexto, o núcleo entende ser urgente discutir maneiras de frear a propagação da intolerância e da desinformação, assim como defende Leonardo Sakamoto, doutor em Ciências Políticas e professor da PUC-SP. A peça pretende, então, ser um importante canal de discussão.
Gênese do ódio
Por meio do humor, o trabalho do Coletivo Binário reflete sobre a função agregadora do ódio, capaz de gerar um forte sentimento de pertencimento. “O ser humano vive em ‘pequenos clubes’ e tem muita dificuldade em aceitar quem pensa diferente. E, como queríamos expandir a nossa bolha, optamos por abordar essa temática de um jeito não maniqueísta e sem acusar ninguém. Todos odeiam da mesma maneira que amam”, comenta Motta.
Para chegar ao texto ideal, o grupo fez uma ampla pesquisa sobre o ódio, organizando encontros com especialistas nas áreas de ciências políticas, sociais, direito, psicologia, filosofia, história e publicidade/propaganda.
Nessa etapa, o núcleo conheceu o sociólogo Luiz Valério Trindade, autor do livro “Discurso de ódio nas redes sociais” (editora Jandaíra, 2022). Nas suas conversas, ele mencionou que os conteúdos odiosos postados nas redes sociais não se dissipam da noite para o dia. “Esse tipo de postagem têm a capacidade de continuar engajando usuários (novos e recorrentes) por até três anos após a publicação original (fenômeno este que eu chamo de Cauda Longa do Discurso de Ódio)”, afirma o especialista.
O Coletivo se aprofunda nos questionamentos do que é o ódio, quem odeia e por que, como ele se processa no mundo e no Brasil e quem são os propagadores do ódio.
Interseções entre linguagens artísticas
Há 12 anos o Coletivo Binário pesquisa sobre transitoriedade de linguagens na criação do fazer teatral. Por isso, seus espetáculos mesclam cinema, literatura, tecnologia e artes cênicas. E não poderia ser diferente com “O Clube”.
O cenário se apresenta como uma instalação, o que já faz o público se sentir parte da obra logo que entra no teatro. Ao mesmo tempo, o uso de projeções transporta os espectadores para uma cidade caótica onde todos são anônimos. Qual é o impacto disso na disseminação do ódio?
Como referência cinematográfica, o grupo utilizou o longa-metragem “Violência Gratuita” (1997), do cineasta alemão Michael Haneke. Uma das marcas do filme é o figurino totalmente branco dos personagens violentos, algo que foi incorporado na encenação.
Sobre o Coletivo Binário
O Coletivo Binário é um grupo de criação nascido da vontade de buscar um ambiente profícuo para uma produção colaborativa, experimental e autoral nas artes cênicas. Há 12 anos, o grupo desenvolve uma pesquisa sobre “transitoriedade de tecnologias e linguagens em cena” que resultou nos espetáculos “Rodolfo e a Crise”, “180 Dias de Inverno”, “#140 ou Vão”, “Do Lado Direito do Hemisfério” e “O que fazer com o resto das árvores?”. Estes trabalhos já foram agraciados com mais de 10 prêmios como Myriam Muniz, Mixsórdia, Sesc Sated/MG, Sinparc/MG, Cena Minas, Aldir Blanc e Qualicut, além de 20 indicações. Já foram apresentados em 22 festivais e 38 cidades do Brasil, em espaços e festivais como CCBB de São Paulo e Belo Horizonte, Caixa Cultural Brasília e Fortaleza, Oi Futuro, BDMG, Sesc SP, Funarte São Paulo e Belo Horizonte, Festival de Inverno de SFJ, Festival de inverno Itabira, Fentepira, 16° Caixas em Cena, Festival BH de Artes Cênicas e Fita, Festival de Teatro Do Alentejo (Portugal), para um público de mais 200 mil pessoas.
Sinopse
Em um dia comum, Pedro descobre a existência de um clube de ódio secreto e invisível, que cresce rapidamente e impacta a vida de milhares de pessoas. Ele então inicia uma jornada para decidir se quer ou não fazer parte dele. Uma alegoria satírica sobre as redes sociais, fake news e outros elementos do mundo contemporâneo que promovem o ódio.
Ficha Técnica
Direção: Nando Motta
Dramaturgo: Elder Torres
Dramaturgista e Assistente de direção: Lucas Vanatti
Atores: Laércio Motta, Mariana Torres e Renato Hermeto
Preparador corporal e coreógrafo: Der Gouvêa
Cenógrafa: Rafaela dos Santos
Figurinos: Alex Leandro
Trilha Sonora Original: Barulhista
Iluminador: Lucas Pradino
Vídeo mapping e vídeos projeções: Leonardo Souzza
Coordenador de produção: Nando Motta
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto
Design e material comunicação impresso e digital: NM Design
Convidados bate papos: Diego Nery (Jornalista) e Breno Barlach (Sociólogo e Mestre em Ciência Política), Nathan Athila (Psicólogo e Psicanalista), Eduardo Aleixo (Advogado e Dramaturgo), Caio Mendes (Professor de História e Coordenador de Projetos), Mércia Flannery (Professora e Doutora em Linguística, Luiz Valério Trindade (Doutor em Sociologia) e Kaoanne Krawczak (Advogada, Doutoranda em Direitos Humanos e Pesquisadora).
Idealização e coordenação geral: Nando Motta
Apoio: Funarte SP, Teatro Arthur Azevedo e Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo
Realização: Coletivo Binário
SERVIÇO
O Clube
Teatro Arthur Azevedo
Endereço: Av. Paes de Barros, 955 - Alto da Mooca, São Paulo, SP
Data: 21 de julho a 6 de agosto de 2023
Horário: sextas e sábados, às 21h, e, aos domingos, às 19h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada) | Venda direto na bilheteria ou pelo site www.coletivobinario.com.br
Capacidade: 349 lugares
Duração: 70 minutos | Classificação: 14 anos