Com 4 incêndios, conheça a história da Cinemateca de Regina Duarte
Organização, que será comandada pela atriz, passou pela ditadura militar, perda de arquivos e, atualmente, luta para sobreviver economicamente
Cinema|Gabriela Piva, do R7*
A cinemateca é responsável por guardar as obras brasileiras criadas desde 1897 por meio do acervo FB (Filmografia Brasileira).
E, conforme anunciado nesta quarta-feira (20), Regina Duarte passa a comandar a organização.
A atividade da Cinemateca é realizada desde o ano de 1950. No entanto, o início do local se deu em 1940, com Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Candido de Mello e Souza e outros nomes.
Juntos, eles fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, no intuito de "estudar o cinema como arte independente", conforme o próprio site oficial conta. O grupo realizava as tarefas por meio de conferências, projeções, debates e publicações. Por causa da ditadura militar, o Primeiro Clube só durou um ano e foi fechado pelos órgãos de repressão do Estado Novo.
Governo Gaspar Dutra (1946-1951)
A Cinemateca continuou com a ideia e decidiu tentar novamente. Em 1946, um outro grupo de homens, como Franscisco Luiz de Almeida Salles, Rubem Biáfora e outros nomes, criaram o Segundo Clube de Cinema de São Paulo. Eles buscavam estimular o estudo, a defesa, a divulgação e o desenvolvimento da arte cinematográfica. Isso tudo um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial, que também contou com soldados brasileiros no combate.
No Brasil, o ano de 1946 simboliza a entrada do Presidente Gaspar Dutra (1946-1951), e a queda oficial da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas (1930-1945). Como Vargas se inspirou no fascismo italiano e no nazismo alemão, o plano inicial se enfraqueceu com a derrota desses países para o Reino Unido, a França, os Estados Unidos e a União Soviética no fim de 1945.
Três anos depois, em 1949, aprovaram um acordo do Clube com o MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). O objetivo era criar a Filmoteca do Museu de Arte Moderna da capital paulista.
Governo de Getúlio Vargas (1951-1954)
Já em 1951, o último ano do ex-presidente Dutra no poder e a volta de Getúlio Vargas (1951-1954) à presidência, também marcou o mundo do cinema brasileiro. Paulo Emílio foi nomeado vice-presidente da FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes).
Em 1954, Paulo Emílio se tornou conservador-chefe do local e realizou algumas mudanças após a segunda Era de Vargas. Ele contou com a ajuda de Rudá de Andrade e Caio Scheiby.
A política e história do Brasil tiveram um grande marco naquele ano. No dia 24 de agosto, Vargas se suicida após um atentado contra o líder oposicionista Carlos Lacerda que intensificou a instabilidade política do país. O vice-presidente João Café Filho assumiu o poder até novembro de 1955. Nos anos seguintes, a cinemateca sofreria acidentes trágicos.
De Juscelino (1956-1961) a Jango (1961-1964)
Em 1956, Emílio oficializou o desligamento da Filmoteca do Museu de Arte Moderna e a transformou no que conhecemos até hoje: Cinemateca Brasileira, "uma sociedade civil sem fins lucrativos".
A história da cinemateca também é marcada por diversos incêndios. Assim como mostra no longa do diretor Tarantino, Bastardos Inglórios, a facilidade dos materiais - os rolos de filmes - pegarem fogo por serem altamente inflamáveis, os registros sofreram autocombustão e incendiaram o local em setembro de 1957. A perda destruiu as instalações do prédio e grande parte do acervo.
Em 1962, a Cinemateca criou a Sociedade Amigos da Cinemateca. O objetivo era o de auxiliar financeiramente a Fundação Cinemateca Brasileira.
Ditadura Militar no Brasil
Durante os 21 anos de ditadura militar no país, não se fez muita coisa com a cinemateca. Apenas quatro fatos marcam a linha do tempo da organização.
O primeiro deles se deu em 1969, quando, mais uma vez, um incêndio atinge o local. De acordo com o site oficial, a cinemateca pegou fogo na instalação do portão 9 do Parque Ibirapuera, que culminou, novamente, na perda de diversos documentos.
Apesar da linha do tempo trazer pouca novidade durante o período, a Fundação Cinemateca Brasileira foi reconhecida como uma utilidade pública do município de São Paulo. O prefeito da época era Olávo Setúbal, que também foi responsável pelo crescimento do banco Itaú.
O terceiro incêndio da Cinemateca acontece naquela mesma época. As dificuldades financeiras da organização se agravaram. Na intenção de diminuir os danos, o local foi incorporado ao poder público até 1984, quando foi "extinta e incorporada, como órgão autônomo, à Fundação Nacional Pró-Memória".
Fim da Ditadura Militar e atualidade
Após o fim da ditadura militar e com José Sarney (1985-1990) no poder do Brasil e, enquanto Jânio Quadros foi prefeito de São Paulo, a instituição foi para o antigo matadouro da capital.
Foram nove anos de reformas até a sede da Cinemateca Brasileira se instalar no bairro da Vila Clementino. Os prédios históricos também sofreram mudanças: foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Depois disso, a organização teve um longo hiato em pontos importantes na sua linha do tempo.
Outra atividade marcante para eles só viria a tomar forma em 2003, quando a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura incorporou a Cinemateca. E, novamente, entraram em um período sem grandes marcos até 2008.
Entre os anos de 2008 a 2013, a organização relata que deu um grande impulso nas "nas atividades de preservação e difusão de acervos, bem como na infraestrutura". O antigo Ministério da Cultura, em parceria com a Sociedade Amigos da Cinemateca, foi o responsável pelo investimento.
Outra contribuição do Ministério aconteceu em 2016 e 2017, quando a Secretaria do Audiovisual assinou o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. Com o documento, eles visavam preservar e facilitar o acesso aos acervos audiovisuais que possuem.
O incêndio, contudo, não deixaria a Cinemateca em paz. O ano de 2016 marcou o quarto acidente nas instalações, cuja perda foi de 1.003 rolos de filmes, ou seja, 731 títulos de obras cinematográficas.
Os últimos dois anos
O último grande acontecimento - antes do anúncio da gestão de Regina Duarte, realizado nesta quarta-feira (20) - foi em 2018. A Cinemateca assinou um Contrato de Gestão, uma parceria entre o antigo Ministério da Cultura com o Ministério da Educação, cuja administração integral se tornou da Acerp em um período de 3 anos.
Atualmente, a Cinemateca realiza "vaquinhas" para poder se sustentar. Em um manifesto do dia 15 de maio de 2020, eles explicaram a situação que se dá desde 2013, quando o Ministério da Cultura destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional.
"[A Cinemateca Brasileira] vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional que culmina na atual ameaça de total paralisia.
A Cinemateca tem sob sua guarda o maior acervo audiovisual da América do Sul, cuja preservação demanda cuidados permanentes de técnicos especializados e manutenção de estritos parâmetros de conservação em baixa temperatura e umidade relativa."
Até o momento desta publicação, eles obtiveram 7.750 assinaturas. O minímo necessário é 10 mil.
Com a chegada de Regina, uma fonte próxima do setor contou ao R7 que "deseja que ela possa reerguer a cinemateca".
No período da pandemia de covid-19 e da quarentena, a Cinemateca disponibilizou a primeira Sessão ABC Online: Fotografação, que acontece nesta quarta-feira (20), às 17h.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Camila Juliotti