'O Rei Leão' troca carisma por realismo e se torna versão piorada
Utilizando mesma estrutura, roteiro e músicas, visual realista e poucos momentos melhores se tornam pouco para valer nova versão
Cinema|Caio Sandin, do R7
Quando a nova versão de O Rei Leão começa e a icônica música com vocais africanos não entra automaticamente no fundo, uma mistura de apreensão, medo e esperança envolve a plateia. Até que poucos segundos depois a trilha entra e aquece, junto do sol, os espectadores. Alguns vão às lágrimas por conta da nostalgia, enquanto outros apreciam os animais que se encaminham para conhecer o seu novo príncipe.
Confira a entrevista exclusiva do R7 com o diretor: Personagens e comédia tiveram de ser mais sutis
Este simples começo já nos dá a ideia de como toda a projeção será. Muito similar ao que já é visto na animação original, para agradar aos fãs mais ávidos, lindo visualmente, mas diferente. Nem sempre para melhor.
Existe uma cena que representa com perfeição o que todos esperavam do filme. No momento em que Pumba e, posteriormente, Timão cantam “quem dorme é o leão” há referência ao original, mas as mudanças pegam o espírito dos personagens e da própria cena e a ampliam, tornando-a melhor.
Talvez isso aconteça, pois, os dois pais de criação de Simba seguem sendo os mais expressivos do longa, com piadas excelentes e diálogos em que o improviso claramente beneficia o humor. Novamente, os dois roubam qualquer cena em que estão.
Pena que este momento seja a exceção, não a regra.
No restante do longa, seja pela falta de expressões faciais, pelo direcionamento dado aos atores para manter a sobriedade nas vozes ou pela simples tentativa de se diferenciar da animação, o resultado tende a desagradar crianças pela falta de humor, fãs pelas mudanças que acabam piorando as situações, e até mesmo aqueles que não tem tanto apego à história, pelo fato de apenas repetir o roteiro, ponto a ponto, do original.
Scar, por exemplo, perde o tom irônico e sarcástico e fica apenas como um vilão sombrio e raivoso, à espreita para atacar (e você sabe exatamente quando e como ele o irá fazer). Até mesmo Mufasa, que na versão em inglês (assistida pelo R7) tem o mesmo ator como voz, perde suas nuances e segue por uma interpretação mais linear, pasteurizada.
A falta de expressividade também e vista nas escolhas de direção e fotografia. O estampido dos gnus perde em escala e em senso de perigo pela falta de movimento de câmera. A noção de perigo só vem por conta do resgate que se tem do original, não pelo que é criado nesta nova versão.
E o fato de a história seguir o mesmo roteiro, com mudanças tão sutis, acaba prejudicando mais do que ajudando a história contada por Jon Favreau em 2019. Até mesmo outros remakes de clássicos da Disney fizerem pequenas mudanças em suas histórias, para se manter frescos e atuais (como nos casos do bom Aladdin e do esquecível Dumbo, ambos deste ano).
As músicas, como esperado, também se repetem, tanto as cantadas pelos protagonistas, quanto a trilha de Hans Zimmer, com poucas mudanças, trazendo o alento aos fãs, mas as mudanças, principalmente em “se preparem”, incomodam — novamente pela sobriedade e falta de carisma. E, ouvindo a trilha fora da sessão do longa, tanto em português, quanto em inglês, é possível perceber o novo direcionamento dado aos intérpretes, atualizando para os moldes atuais as nuances cantadas. A versão brasileira, por sinal, se sai muito bem na adaptação de certos pontos deste direcionamento, mas ainda mantendo um pouco do que o antigo tem de bom.
Falando do grande chamariz e motivo pelo qual a adaptação foi feita, o visual realista impressiona. A quantidade de pelos, a semelhança com os animais reais e a “cara” de “documentário de vida selvagem” são impressionantes e, apesar de sóbria, a fotografia faz de tudo para salientar todos estes pontos, aproveitando o belo ambiente da savana criado digitalmente.
Para aumentar a duração do longa em cerca de meia hora, algumas cenas são acrescentadas no meio do longa e normalmente trazem algo interessante à trama, provando que o medo de trazer algo novo visto em quase toda a projeção não tem fundamento. Um deste momentos corajosos mostra uma bela exemplificação do “ciclo da vida”, que tanto rodeia a história. Mas, novamente, a escolha pelo certo, que já faz sucesso há 25 anos é mais conveniente.
Como um filme por si só, sem qualquer comparação com o original, O Rei Leão ainda é interessante e tem seu valor. Mas, como ninguém vive em um vácuo, a referência ao longa de 1994 é clara e evidente para todos, fazendo com que o “apenas bom” seja encoberto pelo brilhante desempenho que a animação tem em quase todos os sentido e pontos. Infelizmente, faltam cenas em que algo seja ganho para que se valesse a adaptação.
O longa acaba soando como uma grande demonstração técnica do poderio tecnológico utilizado, em vez de um filme marcante, como o esperado. Fazendo lembrar até um certo filme que sofre dos mesmos problemas, tendo o mesmo encanto visual (à época) a seu favor. Pena que, com o tempo, até mesmo os melhores efeitos visuais se tornam padrão e Avatar tem pouco ou quase nenhum impacto na cultura atual. Um duro destino para o reinado da savana.
Veja a diferença entre os personagens dos dois filmes
Ficha técnica:
Ano: 2019
Classificação: Livre
Duração: 1h58 min
Direção: Jon Favreau
Roteiro: Jeff Nathanson, Brenda Chapman
Elenco original: Donald Glover, Beyoncé, Chiwetel Ejiofor, John Oliver, James Earl Jones, Seth Rogen e Billy Eichner
Elenco Brasileiro: Ícaro Silva, Iza, Rodrigo Miallaret, Marcelo ‘Salsicha’ Caodaglio, Saulo Javan, Glauco Marques e Ivan Parente
Fotografia: Caleb Deschanel
Produtores: Jon Favreau, Karen Gilchrist
Música: Hans Zimmer, com canções de Elton John e Tim Rice