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Imprevisível até o fim, 'Better Call Saul' abraça 'Breaking Bad' e se despede no auge

Último episódio da série estará disponível nesta terça-feira no Brasil

Famosos e TV|Gabriel Solti Zorzetto, da Record TV

Fãs vão se despedir do advogado Saul nesta segunda, nos Estados Unidos
Fãs vão se despedir do advogado Saul nesta segunda, nos Estados Unidos Fãs vão se despedir do advogado Saul nesta segunda, nos Estados Unidos

Depois do avassalador sucesso de Breaking Bad, encerrada em 2013, muitos consideraram a série uma das melhores da história da televisão americana. Então, quando um spin-off ambientado antes dos eventos retratados em torno de Walter White foi anunciado, houve certo ceticismo. Afinal, como Vince Gilligan, criador de Breaking Bad, poderia tirar da cartola um projeto com nível parecido de tamanho impacto? A resposta pode ser encontrada ao longo das seis temporadas de Better Call Saul, que chega ao fim nesta segunda-feira (15), quando o último episódio vai ao ar pela rede AMC, nos Estados Unidos. Na terça (16), estará disponível no Brasil pela Netflix.

Ao lado de Peter Gould, o roteirista que concebeu a caricata figura do advogado Saul Goodman como um mero alívio cômico na segunda temporada de Breaking Bad, Gilligan conseguiu explorar as mais profundas camadas de um homem repleto de cicatrizes, atravessando uma jornada trágica e repleta de tensão.

E desde a primeira aparição de Saul, os astros pareciam estar alinhados. Bob Odenkirk — um ator que fez seu nome na comédia, especialmente em Mr. Show e Saturday Night Live — havia sido chamado para apenas um par de episódios, pois sua agenda estava ocupada graças a uma participação em How I Met Your Mother, mas acabou ficando até o final da série devido ao sucesso do personagem.

Quando as conversas sobre um spin-off tomaram forma, em meados de 2014, ele recusou o papel. Não queria ficar longe dos filhos, mas acabou convencido por um deles que era fã de Breaking Bad. Hoje, Odenkirk não se arrepende. Foram cinco indicações ao Emmy de Melhor Ator em Série de Drama. Há uma campanha enorme, inclusive, para que finalmente vença o prêmio no dia 12 de setembro, onde a série também foi nomeada na categoria Melhor Série de Drama (no total, já são 46 indicações ao Emmy). "Eu tenho feito isso por tanto tempo e é uma parte tão importante da minha vida que eu não acho que aceitei totalmente que acabou (...) Mas quando eu terminar de assistir esta temporada com todos os outros, é aí que me atinge: está feito", contou o ator ao Radio Times, comentando ainda sobre o infarto que sofreu durante as gravações dos capítulos derradeiros da série. "Se ninguém estivesse lá, se eles não fizessem RCP (reanimação cardiopulmonar), eu estaria morto em poucos minutos".

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Vince Gilligan (à esquerda), criador de Breaking Bad e Better Call Saul, ao lado de Bob Odenkirk
Vince Gilligan (à esquerda), criador de Breaking Bad e Better Call Saul, ao lado de Bob Odenkirk Vince Gilligan (à esquerda), criador de Breaking Bad e Better Call Saul, ao lado de Bob Odenkirk

Os primeiros episódios de BCS, ainda que excepcionalmente bem geridos, pareciam estar propositalmente como o “pé no freio”, ao passo que acompanhávamos um drama jurídico focado nas desventuras de Jimmy McGill, um advogado de causas menores que tentava crescer na vida às sombras do irmão mais velho Chuck, advogado de sucesso (e mentalmente perturbado) interpretado pelo veterano Michael McKean, e de seu sócio Howard Hamlin, elegantemente vivido por Patrick Fabian. A predileção pelos pequenos golpes foi moldando a personalidade de Jimmy, que usou destes artifícios para ganhar causas na Justiça e, aos poucos, ser sugado pelo submundo do crime em Albuquerque, no Novo México.

O programa é surpreendentemente romântico, contando a história de amor entre Jimmy e Kim Wexler, vivida por Rhea Seehorn, nessa que é fatalmente uma das melhores personagens femininas já criadas.

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Quando conhecemos os dois, não entendemos inteiramente qual é o relacionamento deles. Eles são apenas amigos? Amigos com benefícios? Estão namorando? A resposta depende do seu ponto de vista. O par não expressa seu profundo parentesco romântico um com o outro da maneira que outros casais fazem. Eles apenas dizem “eu te amo”, de forma até cínica, pela primeira vez quando a união termina. Eles quase nunca se beijam ou ficam apaixonados. Isso porque certas ações falam muito mais alto que palavras ou demonstrações afetivas convencionais. Jimmy e Kim se amam de uma maneira tão indescritível que eles têm sua própria linguagem. Eles farão qualquer coisa um pelo outro, até mesmo destruir a vida de outras pessoas. É de longe um dos relacionamentos mais complexos já retratados na televisão. “Separados, estamos bem, mas juntos... somos veneno”, definiu Kim no episódio Fun and Games.

O casal Kim e Jimmy
O casal Kim e Jimmy O casal Kim e Jimmy

Os roteiristas adicionaram ainda mais camadas à sangrenta guerra do cartel mexicano, praticamente uma série à parte. Better Caul Saul explora a fundo o núcleo mais perigoso do universo criado por Vince Gilligan, em especial a rivalidade entre os gângsters já apresentados em Breaking Bad: Gustavo Fring (Giancarlo Esposito) — proprietário da rede de fast-food Los Pollos Hermanos — e Hector Salamanca (Mark Margolis), o ‘’Don’’ da família Salamanca, antes mesmo deste acabar no asilo e debilitado em uma cadeira de rodas.

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Em torno deles, são introduzidos Ignacio “Nacho” Varga (Michael Mando), já na primeira temporada, e o inesquecível Lalo Salamanca (Tony Dalton), sobrinho de Hector. Lalo aparece pela primeira vez no fim da quarta temporada, em Coushatta. A essa altura, era normal pensar que um novo membro da família Salamanca na série poderia ser exagero. Em poucos episódios, porém, ficou claro que o personagem seria um divisor de águas. Lalo não era apenas frio e calculista, como Fring. Foi seu carisma que o tornou tão aterrorizante. Por causa da maneira como Tony Dalton interpretou o personagem, em quase todas as cenas, Lalo tem um sorriso brilhante no rosto, que transmite confiança e poder incontestáveis.

Não à toa, a despedida do ator em Point and Shoot, na sexta temporada, termina com um macabro riso. E no meio disso tudo está o "onipresente" Mike Ehrmantraut — detetive particular de Saul Goodman e braço-direito de Gustavo Fring —, cujo trabalho de Jonathan Banks em Better Call Saul é ainda mais poderoso do que em Breaking Bad.

Os dilemas morais de Mike ficam em evidência à medida em que conhecemos o maior trauma do personagem no episódio Five-O: o assassinato de seu filho em meio à corrupção policial na Filadélfia, de qual ele fazia parte. A tragédia determinou sua mudança para Albuquerque, onde restabeleceu os laços com a nora Stacey e entrou na órbita do tráfico de drogas para ajudar na criação da neta. Para Mike, a família que lhe restou está acima de tudo e qualquer sacrifício será necessário para mantê-la. A relação de Mike e Saul, tão profissional Breaking Bad, cresce a cada temporada de Better Call Saul e atinge o ápice no sublime Bagman, episódio que conecta os dois da maneira mais crua, quando são obrigados a lutar pela sobrevivência no interminável deserto de Albuquerque.

A maior virtude da série, contudo, está em sua imprevisibilidade. Apesar de sabermos onde a maioria dos personagens estará até o final, Better Call Saul fez um trabalho fantástico em manter o público na ‘’ponta dos pés’’ diante das intensas, surpreendentes e chocantes reviravoltas, especialmente na temporada final.

O que nos leva à terceira personalidade encarnada por Bob Odenkirk: Gene Takovic, o gerente de um quiosque da rede de panificação Cinnabon em um shopping da gélida cidade de Omaha, em Nebraska. A falsa identidade foi concebida quando Saul Goodman — procurado pela polícia — precisou fugir de Albuquerque após os eventos de Breaking Bad, assim como fizeram Walter White e Jesse Pinkman (no ótimo telefilme El Camino). Vivendo sob medo e desconfiança de tudo e todos, Gene sempre esteve sob comportamento exemplar desde quando estreou na cena de abertura de Better Call Saul, retratado na melancólica fotografia em preto e branco que nos mostrava sua rotina no Cinnabon preparando saborosos doces a atendendo a clientela com cordialidade.

Já na reta final da série, porém, as expectativas se subvertem com uma imersão total no mundo de Gene. Quando pensávamos que os dias de Slippin’ Jimmy e Saul Goodman tinham chegado ao fim, Gene vê a necessidade de orquestrar um golpe dentro do shopping e, depois, de ludibriar um punhado de ricaços do mercado financeiro – neste último caso adotando até um novo alter ego: ‘’Victor’’. Repare que qualquer semelhança com Victor Frankenstein não é coincidência. A menção ao cientista do famoso romance inglês, inclusive, é feita no episódio Breaking Bad (onde há o crossover definitivo entre as duas séries) pelo próprio Saul, em referência a Walter White/Heisenberg e depois no modo de andar do parceiro Mike Ehrmantraut. Mas a comparação também serve para ele, afinal, Saul Goodman pode ser uma criatura tão grotesca quanto o famoso monstro de parafusos na cabeça.

Bob Odenkirk como Gene Takovic, após os acontecimentos de Breaking Bad
Bob Odenkirk como Gene Takovic, após os acontecimentos de Breaking Bad Bob Odenkirk como Gene Takovic, após os acontecimentos de Breaking Bad

Better Call Saul não é o tipo de série que simplesmente cede à nostalgia. Como os muitos golpes que Jimmy/Saul/Gene/Victor — a esta altura, chame-o como quiser — orquestrou, todos os detalhes são plantados de forma minuciosa. Cada personagem que retorna ao universo, desde o traficante Tuco Salamanca, logo no primeiro episódio Uno, até as aguardadas aparições de Walter White e Jesse Pinkman, tem propósito para contribuir à jornada do protagonista. Cada enquadramento tem um conceito determinado, sempre regido pelos dilemas morais daquele universo. A lei da ação e reação, por exemplo, é fio-condutora da narrativa. Tudo parte de um brilhantismo no roteiro que eleva o patamar de todos os departamentos da produção (fotografia, montagem, trilha-sonora, edição de som, dentre outros) e estabelece a série entre as melhores da história da televisão americana.

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