Blur, Lana Del Rey e pontualidade garantem sobrevivência de festival de música
Sétima edição do Planeta Terra apostou em "atrações queridinhas" aos brasileiros
Música|Amanda Mont’Alvão Veloso, do R7

No que depender do último sábado (9), o festival Planeta Terra não precisa mais respirar com a ajuda de aparelhos e já pode se dar alta.
O histórico recente não era nada saudável: em 2012, o festival teve a morte anunciada pela concorrência, perdeu o local onde tradicionalmente era realizado — o Playcenter, que fechou — e precisou disputar bandas a tapa (quer dizer, a dólares) com o Lollapalooza, também focado nas atrações indie que fazem a fama do Planeta Terra.
A recuperação emitiu sinais já naquele ano, com atrações mornas, mas com shows eficientes.
Porém, foi nessa sétima edição, realizada no sábado em São Paulo, com Blur, Beck, Lana del Rey, Travis, The Roots, Clarice Falcão e BNegão e os Seletores de Frequência, que o festival apresentou argumentos sólidos para se manter relevante no calendário do entretenimento brasileiro.
A começar pela pontualidade, essa que costuma ser ausente em muitos festivais de música. Essa característica tão comumente subestimada garantiu o encerramento do show do Blur às 23h15, o que permitiu que os 27 mil presentes no Campo de Marte, na zona norte da cidade, tivessem a opção concreta de voltar de metrô (linha azul).
No Campo de Marte, os dois palcos, com shows simultâneos, foram aproximados e dispostos lateralmente. Em menos de cinco minutos, era possível transitar entre uma atração e outra.
O ambiente era limpo e as poucas informações visuais, como horários das bandas, foram compensadas pela quantidade de funcionários da produção. A oferta de banheiros químicos deu conta do recado e o som chegava até mesmo para aqueles que estavam se divertindo na roda gigante, sobrevivente da proposta música/diversão típica de quando o festival ocorria no Playcenter.
A atração mais repudiada em todos os anos compareceu firme e forte, porém: a fila. Desta vez, felizmente, esse alinhamento nada simpático de pessoas ficou restrito à compra de bebidas e comidas. A cerveja mais uma vez pesou no bolso e a lata custava R$ 7 — mais cara que a ida e a volta de metrô.
Como se sabe, só organização não enche a barriga do público, então era preciso conquistá-lo pelos ouvidos. Nisso, o Planeta Terra mais uma vez fez apostas conservadoras, mas que agradaram em cheio ao público. A atração principal da noite, o Blur, estava ali para essencialmente explorar canções tiradas de um disco de 1994, o icônico Parklife.
A escolha não foi nem um pouco ousada, mas é inegável que o tiro foi certeiro. Damon Albarn, Graham Coxon e companhia fizeram um show vibrante e encontraram uma plateia que sabia as letras de todas as músicas, com destaque para Girls & Boys, Coffee & TV, Tender, Parklife, Country House e Song 2.
O público encontrou uma banda disposta a gastar energia e a ser generosa na entrega de hits, e os músicos se viram diante de milhares de pessoas em catarse. O resultado foi uma reconciliação que abafou a apagada passagem pelo Brasil em 1999.
Logo antes do Blur, no palco ao lado, mais uma aposta sem inovação: Beck. O músico norte-americano, porém, respondeu com empolgação a um público diferente daquele que encontrou no Rock in Rio, em 2001.
O tempo passou, Beck mudou suas apresentações, e novas pessoas quiseram ver seu trabalho. A aposta em um headliner “das antigas” só se revela digna quando a equação for show memorável + um público que não tinha tido a oportunidade de ver a turnê nos anos anteriores.
E se a atração “das antigas” nunca tiver pisado em solo brasileiro, o jogo ganho da curadoria também está perdoado, como demonstraram os escoceses do Travis. Afinal, convenhamos que o Brasil não é lá muito constante como rota de shows internacionais.
O vocalista Fran Healy frisou: a espera foi de 17 anos. Isso foi motivo suficiente para despejar músicas mais que aguardadas e distribuir simpatia.
Pouco conteúdo para muita embalagem
A cantora Lana del Rey, entretanto, é o contraponto que mostra que o Planeta Terra também quer a tarefa de detectar o novo e trazê-lo para perto do público. Lana conseguiu se destacar na incompreensível indústria fonográfica e atraiu vendas e visualizações massivas de seu disco Born to Die.
A ela foi dado o rótulo de musa e, de fato, a mulher é linda. Mas a expectativa nutrida pela femme fatale dos clipes se frustra com uma cantora praticamente tímida no palco, que prefere caminhar em vez de dançar, e que titubeia na hora do improviso.
Quase inexpressiva, como que sob efeito de vários dardos com tranquilizantes, Lana diz que está tendo uma noite incrível e que o público a lembrou de o quanto ela ama cantar. Só faltou uma legenda no telão: cadê essa alegria toda?
Para compensar, ela realmente se despe do panteão das musas pop inacessíveis e vai para perto da plateia.Bem perto. Já na primeira música, ela vai até a grade e distribui sorrisos, apertos de mão e selinhos. Desse jeito, Lana “compra” a cumplicidade do público, que vibra com os interessantes hits Blue Jeans, Born to Die, Video Games e Summertime Sadness — mesmo que no palco eles tenham sido cantados sem brilho.
Esse azar não foi vivido por quem assistiu ao The Roots e suas lições aprendidas com o Fishbone e com o Tribe Called Quest. Com o hip hop apenas de entrada para o jazz, funk, dub, psicodelia e até mesmo hard rock, a banda residente do talk show de Jimmy Fallon fez o público dançar, puxado especialmente por Damon Bryson, o “Tuba Gooding Jr".
Ainda que o sétimo ano do Planeta Terra mais uma vez tenha recolhido seu potencial de apostar no novo, é dele o trunfo de pioneiro na detecção dos gostos de um complicado público-alvo, formado quase que exclusivamente à base de mp3s e de audições de músicas fragmentadas em vez de discos. Agora que já sobreviveu aos boatos de morte, tem faca, queijo e público nas mãos para expandir sua relevância.