Com legião de fãs, Supercombo passa por crise financeira
Banda baixou aluguel da produtora e só lucra com plataformas digitais na pandemia da covid-19; indústria musical é uma das mais afetadas
Música|Gabriela Piva, do R7*

Em conversa por telefone com o R7, o guitarrista Pedro Ramos, mais conhecido como Toledo, contou que a banda de rock alternativo Supercombo enfrenta crise financeira com a falta de shows por causa da pandemia da covid-19.
O grupo possui mais de 500 mil ouvintes mensais em plataformas digitais e vídeos com quase 40 milhões de visualizações.
Toledo, por exemplo, entregou que já atrasou contas e teve de baixar o valor do aluguel da própria casa. Apesar de "conseguir dar uma segurada [nas finanças por meio das plataformas digitais] para não passar fome", ele também teve de atrasar algumas contas pessoais e profissionais.
"A gente vai atrasando uma coisa ali, pede para diminuir outra. A gente [a Supercombo] teve que baixar o aluguel do estúdio Gritaria e eu tive que diminuir em mais da metade o [aluguel] da minha casa", relatou antes de contar a situação do escritório de produção da banda.
"A gente teve que parar, né? A gente teve que dispensar um funcionário. A nossa sorte é que a gente estava fazendo uma reformulação de staffs antes da pandemia, mas foi muita coincidência. Isso aconteceu, assim, um mês antes", disse.
Para sobreviver e se sustentar, a Supercombo se apoia nas plataformas digitais, mas, mesmo assim, sente falta da principal fonte de renda: os shows.
"É a plataforma digital que está salvando a gente. Ainda conseguimos nos sustentar com isso. Mas fica difícil sem shows, que eram a nossa principal fonte de renda."
Ele e os companheiros da banda não são os únicos que passam por essa dificuldade. Toledo conhece até profissionais que por pouco não ficaram sem ter o que comer.
"Produzo quem teve que entregar o apartamento e voltar pra casa da ex-mulher, o que não é muito legal", contou o músico, que aproveitou para falar sobre quem trabalha nos bastidores das apresentações.
"Além da própria equipe, que passa despercebida para o público. Quem trabalha nos shows, como os carregadores, por exemplo, podem ter outras fontes de renda, mas muitos, não têm. Muitos só sobreviviam com aquele cachê que faziam nas apresentações. Essa galera parou de receber".
Toledo também demonstrou preocupação com o futuro da indústria.
"É a máquina do mercado que faz a coisa acontecer nos bastidores, que não sei se vão procurar outros empregos ou se vai rolar uma escassez [de funcionários do ramo] depois [da pandemia], porque vão procurar outras áreas [para trabalharem]."
Uma outra preocupação, para ele, são os fãs. A voz do músico chegou a estremecer quando falou dos seguidores da Supercombo. "É uma frustração também, porque as pessoas já compraram os ingressos. A coisa que a gente mais sente é a falta do palco. Não ter perspectiva de volta é um negócio que está consumindo a nossa cabeça."
A Supercombo começou a produzir conteúdo de casa e isso, para Toledo, aliviou o estresse causado pela crise de saúde na medida do possível.

No site da banda, ainda existe, inclusive, um show que está marcado para acontecer no dia 5 de julho, em São Paulo. Essa apresentação, na verdade, era o reagendamento de uma outra que fariam em abril, mas tiveram de postergar diante do cenário atual.
O guitarrista também contou que a apresentação foi marcada no começo da quarentena, quando ele ainda estava "otimista com o cenário da pandemia". Ele entregou que, provavelmente, a apresentação terá de ser adiada novamente.
"Eu acredito que o show, que era beneficente, não vai acontecer. Acho que a gente vai ter que adiar ele mais uma vez. Não queria adiar sem ter uma data, sabe? Justamente por causa das pessoas que compraram o ingresso e o lance de dar uma esperança para elas também."
Esse era o único show que a própria banda estava organizando. Para o grupo, isso é "uma sorte". Além disso, também tiveram uma taxa de devolução "bem pequena" na capital paulista.
As apresentações que aconteceriam no Nordeste, por exemplo, ficaram na responsabilidade dos contratantes.
Projetos na quarentena e saudade da banda

Além do canal no YouTube que o grupo decidiu dar mais atenção nessa quarentena, outros projetos também foram revividos. Um deles é um EP que foi lançado em 2012, mas nunca foi divulgado em nenhuma plataforma digital.
"Estávamos com dois projetos antes da quarentena que estavam meio parados, porque tínhamos ensaios, shows, etc. Resolvemos dar um gás neles agora. É o DVD da Supercombo, que gravamos no final do ano passado, e um EP que foi lançado em 2012, mas nunca entrou em nenhuma plataforma. Estamos regravando as 7 músicas, até porque a galera pede bastante e já tocamos muito ao vivo."
Apesar disso, ainda não há data de lançamento definida para nenhum dos planos. Toledo acredita, no entanto, que deve ser lançado dentro de dois meses.
A saudade dos companheiros de banda também aperta durante a quarentena. "A cada duas semanas, mais ou menos, temos uns ataques de saudade um dos outro", disse de antes de entregar que a lembrança dos ensaios "já virou nostalgia".
"Era legal quando podíamos nos encontrar e ensaiar. Já virou nostalgia. Ainda mais quando a gente pensa em show, né? Porque o show não vai voltar. Não se sabe quanto tempo vai levar para se produzir um show com mil pessoas do jeito que a gente gostava de fazer. Isso é o mais triste para mim", relata.
Supercombo também está tentando organizar uma live beneficente, mas acredita que, pelo rock ser marginalizado, os contratantes não dão tanta atenção para a banda.
"A live já deu uma reduzida [de público], né? E as marcas não estão investindo [mais] tanto nisso. O nosso cenário do rock também já é marginalizado nesse sentido. Tem que rolar um conhecimento, mostrar muita coisa para as marcas entenderem o retorno que eles vão ter. É um cenário bem complicado."
O álbum mais recente da Supercombo é Adeus, Aurora, que saiu em março de 2019. O primeiro disco da banda, Festa, foi lançado em 2007.
Indústria musical é uma das mais afetadas
Rico Manzano, especialista em mercado da música e criador do Música em Rede, explicou o fenômeno que acontece com os artistas independentes na pandemia da covid-19.
"Grande parte do faturamento de um músico independente, no Brasil, vem do show, seja em barzinho ou em casa de show", contextualizou, antes de explicar sobre o mercado fonográfico, que é responsável pela gravação, edição e distribuição das músicas.
Como os artistas independentes não costumam ter músicas em filmes ou patrocínio, a dependência das apresentações se torna ainda maior. E, para completar, o especialista disse que existem mais músicos independentes no país do que os que possuem contrato assinado com grandes gravadoras.
"Os artistas grandes ganham muito dinheiro em show, mas têm a oportunidade de ganhar dinheiro com licenciamento, patrocínio de marca. Existem outros caminhos", explicou.
Os músicos independentes não são os únicos afetados pela pandemia. Os bastidores de shows possuem diversos funcionários que, assim como Toledo falou, estão em situações complicadas.
"Outro desafio é de como remunerar toda uma cadeia da música que dependia desse show, como os produtores, os técnicos de áudio. Uma banda grande, por exemplo, consegue empregar de 80 a 100 profissionais. Essas pessoas ficaram totalmente à berlinda", falou Manzano, que também comentou que as lives sustentam, normalmente, apenas os artistas e os produtores.
"Uma live não vai suprir o técnico de áudio, o iluminador, o cara que acompanha a turnê, o motorista que dirige a van", finalizou.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Camila Juliotti