Lulu Santos diz que funk é a evolução do pop rock brasileiro
Cantor acaba de lançar disco em homenagem a Rita Lee
Música|Helder Maldonado, do R7

No fim de 2016, Lulu Santos anunciou que tiraria um ano sabático. A promessa não durou seis meses e logo ele voltou ao estúdio. Dessa vez, no entanto, não para um disco autoral. E sim para prestar tributo a Rita Lee. A ideia surgiu após a leitura da autobiografia da cantora, que saiu no ano passado.
— Acompanhei a evolução artística dela como uma pessoa acompanha uma novela. Sempre estive ligado em tudo o que ela fez desde os Mutantes.
Com releitura de 12 músicas da compositora paulista, Baby, Baby mescla sucessos e lados B, resultando em um disco que é pura memória afetiva para Lulu.
Nos arranjos, nada ou bem pouco de rock. Com ajuda de DJs e produtores como Meme, Sany Pitbull, Hiroshi Mizutani e as equipes Tranquilo Soundz (Breno LT, Marcelinho da Lua e Márcio Menescal) e Fancy Inc (Adriano Dub e Matheus Rodrigues), Lulu dá continuidade ao seu flerte com a música eletrônica (uma paixão que ficou mais evidente no disco Eu e Meme, Meme e Eu, de 1995).
O resultado, segundo ele, agradou à amiga, que foi consultada em todas as etapas de gravação, bem como o marido da rockstar, o guitarrista Roberto de Carvalho.
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Em entrevista ao R7, Lulu comenta como surgiu a ideia de gravar mais um álbum em homenagem a grandes nomes da música nacional (ele havia homenageado Roberto e Erasmo em 2013), avalia o cenário pop nacional e anuncia o lançamento de uma biografia para daqui seis anos.
R7 — O que te levou a fugir completamente do rock no álbum?
Lulu Santos — Aconteceu. Na verdade, é um disco que reflete meus gostos e meu momento. E na época eu tava fascinado pela bateria eletrônica Roland 808 e a história contada sobre o instrumento em um documentário que assisti. E a Rita é alguém que se inspira no que vive também. Percebi isso no livro dela, que li em cinco sentadas.
R7 — Qual o seu grau de intimidade com a obra dela?
Lulu — Acompanhei a evolução artística dela como uma pessoa acompanha uma novela. Sempre estive ligado em tudo o que ela fez desde os Mutantes. Mas o som de algumas gravações não me agradavam. É um proto rock machistóide sem nenhuma delicadeza ou sensibilidade. Muitos músicos da época estavam influenciados pelo rock progressivo. Então resolvi dar uma cara que me agradava mais e aí surgiu as experimentações eletrônicas.
"Sempre estive ligado em tudo o que ela fez desde os Mutantes. Mas o som de algumas gravações não me agradavam"
R7 — Você fez parte desse cenário setentista e teve a banda progressiva Vímana, com o Lobão e o Ritchie. A banda soava igual essa sua descrição ou vocês fugiam desse clichê?
Lulu — Eu passei por isso também. O disco do Vímana saiu em 1974 e eu não nego que sinto vergonha própria de ter gravado algo tão mal acabado e que soa daquela maneira. Só depois é que me transformei em algo que me orgulho, que é ser um compositor com uma obra tão rica e vasta. Mais do que guitarrista e cantor, o meu orgulho é ser compositor.
R7 — A Rita ouviu tudo durante o processo de gravação?
Lulu — Sim. Antes de mais nada, pedi licença a ela para fazer o disco. Ela concedeu. E partir daí, enviava tudo que gravei para ela ouvir, mesmo as demos. E com o projeto concluído, Rita me deu a benção e foi supercarinhosa comigo.
R7 — Existe no pop nacional precursores do que você e a Rita fizeram?
Lulu — Tiago Iorc e Silva seguem esse caminho. É pop e sofisticado. Fora que o Brasil de hoje tem muitas formas de pop. O sertanejo é umq. E a mais criativa e importante é o funk. Funk não deve nada às produções internacionais. E muita gente já tava ligada nisso há muito tempo. O próprio Diplo pesquisa o gênero há mais de dez anos. Não à toa, se aliou à Anitta, que espertamente está buscando seu lugar no exterior. E o que já conquistou prova que segue caminho certo.
R7 — Você mesmo sempre foi entusiasta do funk e influenciou gente como Claudinho e Buchecha.
Lulu — Sim. A primeira geração do funk melody cresceu ouvindo o pop rock oitentista no rádio. Eles são os herdeiros naturais do que fizemos na década de 80 e fazem a evolução do nosso trabalho. Uma hora ia chegar a vez deles. Era inevitável. Por que é uma música global, que começou bebendo em Afrika Bambaataa, que por sua vez bebeu na fonte do Kraftwerk. É o mundo se dialogando. E agora, o Sany Pitbull prepara um disco onde funkeiros vão cantar Lulu. Tudo isso, no fundo, é natural.
"Estamos formando uma geração interessante de cantores%2C como a Lucy Alves e o Ayrton Montarroyos"
R7 — Como jurado, você enxerga possibilidade dos artistas do The Voice terem um futuro além do programa?
Lulu — Acredito muito neles. Teve gente que participou do The Voice aos 12 e hoje tem 17 anos. Estamos formando, sim, uma geração interessante de cantores, como a Lucy Alves e o Ayrton Montarroyos.
R7 —Você teve a ideia de gravar Baby, Baby após ler a biografia da Rita. E a sua, quando sai?
Lulu — Já faz cinco anos que o Bruno Porto reúne material para escrever esse livro. Ele já deve ter trocado de editora umas três vezes. Mas não vai sair nada agora. Acho que, assim como a Rita, a idade certa para lançar um livro é aos 70. Ou seja: daqui seis anos. Minha ideia é focar numa linha do tempo da carreira, que me desvende como pessoa. Entrar em detalhes da vida privada não me agrada. Tentam me convencer, dizendo que isso aumentaria as vendas. Mas não tenho interesse em atrair quem está interessado em fofocas. Quero dialogar só com quem realmente se importa mais com o Lulu artista. Já passei dessa fase de provar alguma coisa com número de vendas.