Marcelo Yuka lança álbum poderoso com supergrupo de amigos
"Canções para Depois do Ódio" é um disco pessoal, instigante e político
Música|Juca Guimarães, do R7

O álbum "Canções para Depois do Ódio" do Marcelo Yuka, lançado no início de janeiro, é um projeto íntimo, audacioso e impactante. O disco traz com força total a visão política e sempre desafiadora do Marcelo Yuka, que foi responsável pela fundação da banda ORappa e seu principal letristas nos álbuns mais emblemáticos: Rappa Mundi (1996) e Lado B Lado A" (1999).
No novo trabalho Yuka supera em muito o material produzido com a antiga banda, de onde foi expulso após reivindicar uma divisão justa dos ganhos. Observando o envolvimento político, a sensibilidade, a empatia e a sagacidade do Yuka na análise da sociedade e do sistema neste álbum dá para ter uma noção de como poderia ser ORappa, caso não tivesse se bandeado para o lado da superficialidade e do culto à própria imagem. Os detalhes do rompimento entre Yuka e ORappa aparecem no documentário "O Caminho da Setas" (2011), veja o trailler.
No álbum "Canções para Depois do Ódio", Yuka é generoso e coletivo. O projeto reúne dezenas de amigos extremamente talentosos que entraram de cabeça no universo poético e contundente do Yuka. Estão lá: Céu, Bárbara Mendes, Victória Lucato, Rico, Cibelle, Black Alien, Fellipe Mesquista, Seu Jorge, Laudir de Oliveira, entre outros.
Em mais da metade do álbum, Yuka conta com a parceria do ator e músico Bukassa Kabengele, que tem mais de 30 anos de carreira e lançou em 2014 o excelente álbum"Pé na África". Confira a entrevista exclusiva com Bukassa sobre o projeto com o Marcelo Yuka.
R7: Como você conheceu o Marcelo Yuka?
Bukassa Kabengele: Fomos apresentados um ao outro por um grande produtor musical, amigo em comum. com quem já trabalhei bastante nos meus 30 anos de carreira, o Apollo Carvalho, que também é parceiro do Yuka nesse projeto. Marcelo buscava entre os convidados uma voz forte e suave com possíveis falcetes "elegantes" e "emocionantes", para corresponder com alguns de seus anseios internos nesse processo criativo, entre as vozes que interpretariam suas canções. Claro que todos os interpretes tinham isso (risos), mas assim nos conhecemos.

R7: Como rolou o convite para participar do álbum? Desde o começo você já sabia que iria cantar em mais da metade das canções?
Bukassa Kabengele: Inicialmente fui convidado para fazer uma ou duas canções. Mas, entre conversas nos intervalos no estúdio A9 do Apollo em São Paulo, eu e Marcelo Yuka descobrimos afinidades importantes no que diz respeito a visão de mundo, histórias de vida e lutas. Diria que foi um "Encontro de almas". Foi tudo conversado, eu deixei bem claro que tenho uma carreira solo em andamento e que não faria isso com ninguém nesse nível de mergulho que não fosse ele. Resolvemos dentro desse respeito mútuo ver no que ia dar. Mas acima de tudo, o maior dos propósitos é sermos felizes. Por isso, participo nessa proposta também dos shows por conta do lançamento do álbum. Sempre na luta conciliando minha agenda com televisão e projetos pessoais.
R7: Ele é um dos melhores letristas do país, como foi trabalhar com ele neste álbum?
Bukassa Kabengele: Marcelo Yuka é um grande letrista, um gênio. Foi muito enrriquecedor compartilhar essa vivência. Ele caminha por formas de composição diferente das minhas, porém, das quais me identifico. Ele é um poeta e grande produtor também. Eu fiquei tenso algumas vezes por realmente entender a responsabilidade de estar ali. Isso muitas vezes me levou a ficar horas no estúdio até me sentir confortável para gravar como se a letra fosse minha no sentido de apropriação para melhor interpretar sempre dialogando com Yuka.
R7: Quanto tempo durou o processo de gravação e organização do álbum?
Bukassa Kabengele: Esse projeto de Yuka vem acontecendo há muito tempo, acredito que pelo menos há sete anos. Eu fiquei nesse mecanismo por três anos. É um processo e passo importante na vida de Yuka.
R7: Você ajudou nas letras e nos arranjos também?
Bukassa Kabengele: As músicas são basicamente de Marcelo Yuka e alguns parceiros da vida. Acabamos compondo juntos a canção "Até Você". É a nossa primeira parceria. O meu envolvimento foi tanto que gravei muitos coros e ajudei nesses arranjos vocais, bem como, fiz muitas guitarras em outras faixas.
R7: As letras são muito profundas e pessoais em determinados aspectos. Como foi entrar dentro do universo Yuka para interpretá-las no álbum?
Bukassa Kabengele: Como já falei, fiquei muitas vezes preocupado por interpretar situações muito pessoais de alguém tão "conhecedor" de suas histórias, sofrimentos e alegrias. Eu tive que achar um ponto em comum onde e como isso me tocou. Sempre em diálogo com o autor. Não foi fácil. Yuka tem uma métrica que ainda não compreendo totalmente. Ele tem cabeça de baterista, letrista e de alguém que mexe com música eletrônica. Eu gosta muito de harmonia, componho no violão ou guitarra. No final acho que isso deu uma soma muito positivo para o resultado final.
R7: Entre as participações especiais, as vozes femininas também são bem marcantes no álbum. O que você achou do resultado?
Bukassa Kabengele: Esse album, a meu ver, mostra uma busca profunda do equilíbrio dentro das reflexões pessoais frente ao existencialismo. A energia vital está atrelada ao universo, ela carrega o masculino e o feminino como vozes atuantes em todo nosso "Ser". Esse tempero traz o peso e a suavidade, o doce e o azedo, o positivo e o negativo. Que podem vir de qualquer gênero, sexo e raça. Isso está sempre dentro de nós. O Homem, a mulher, o pai, a mãe, a criança e assim por diante. Essa é minha leitura e visão.
R7: Na faixa “Dali” você canta com o Black Alien. Como foi essa parceria numa letra tão forte e cheia de crítica social?
Bukassa Kabengele: Foi muito forte para mim gravar a canção "Dali", passei dias com Yuka na casa dele, onde fiquei sempre hospedado ao fazer o disco. Nisso falávamos entre madrugadas, de arranjos, conceitos e tudo mais. Nessas ele me explicou a realidade por traz das desocupações de várias comunidades, são ações rodeadas de interesses politicos e econômicos, "manobras complexas". Esse é o tema abordado em "Dali". O Black Alien, por sua vez, é um grande rapper que retrata muito bem as realidades sociais cariocas. Ele já fez parte do Planet Hemp como o Apollo Carvalho, são amigos e fazem parte de um segmento musical muito especial brasileiro. Adorei essa mistura do meu trabalho com o dele nessa faixa. Não me encontrei com ele no estúdio, só vi o resultado final. Ainda terei a honra de cruzar com o Black Alien nos palcos.
R7: Ouvindo o disco é impossível não lembrar dos álbuns “Rappa Mundi” e “Lado B Lado A” que se destacam também pela crítica social, as colagens e as letras do Yuka. Você também vê semelhanças entre esses álbuns?
Bukassa Kabengele: As "semelhanças" entre esses trabalhos passados e clássicos sucessos do Rappa, para mim deixam bem claro a marca e alma de Marcelo Yuka como criador desse conceito. Quem escuta esse novo álbum percebe que existe uma continuidade e autenticidade do autor e letrista "Yuka" que merece reconhecimento e Justiça nesse sentido. Pois muitas vezes, de forma ingênua, o público atribue os louros ao "cantor" por falta de informação. Sim, eu acho que tem ligação entre os álbuns. É o mesmo criador e já era contemporâneo naquela época, bem como, eclético e moderno.
R7: Como você analisa o conceito do álbum?
Bukassa Kabengele: Esse novo trabalho traz uma certa tranquilidade e maturidade de vida. A meu ver, Yuka assume aqui uma Afro-brasilidade e elementos africanos ainda não explorados por ele em termos de conceito. Um caráter eletrônico mais evidente e pessoal que é fruto de muita pesquisa e experimentação. Talvez por isso essa nossa conexão, pois sou uma referência de afro-brasilidade em meu histórico pessoal e artístico, onde transito pelo soul, pela brasilidade e a música africana em meus trabalhos. A escolha de intérpretes marcantes mulheres também e uma ótima novidade. Um mergulho em várias áreas de seu íntimo, suas "Dores e Delícias". E nisso, Yuka contou com ajuda de seus parceiros amigos. Na medida do possível eu pude interferir com minha interpretação respeitando seus anseios, bem como, contribuir com meus coros e guitarras, ora pop, jazz e ora africanas.