Parceiros e fãs comemoram 45 anos do 1º disco de Raul Seixas
Krig-ha, Bandolo! é a estreia solo do roqueiro baiano. O trabalho foi lançado em 21 de julho de 1973 e surpreendeu com ousadia e inventividade
Música|Daniel Vaughan, do R7

O primeiro disco de Raul Seixas faz 45 anos neste sábado (21). Krig-ha, Bandolo! é considerado até hoje uma das grandes obras-primas da música brasileira.
Lançado em 1973, após Raul tentar a sorte em outros grupos, o trabalho solo do gênio baiano surpreendeu com ousadia e inventividade. No repertório do álbum, estão sucessos imortais como Ouro de Tolo, Metamorfose Ambulante e Al Capone.
Krig-ha, Bandolo! começa totalmente irreverente. A introdução, Good Rockin’ Tonight, traz trecho de um tape antigo com Raulzito cantando aos 9 anos. E, a partir dali, o ouvinte começa uma viagem ao universo de um artista sem limites.

Roberto Menescal, mestre da bossa nova, foi diretor artístico da gravadora Philips (atual Universal Music) na época do LP. Ele relembra que o disco agradou todos os gêneros, idades e classes sociais.
— Raul era um cara que misturava tudo. Foi inovador e surpreendeu o público, que não sabia o que era exatamente aquilo. Mas foi um estouro de vendas! Uma força, que alcançou público da favela até a classe mais alta. E isso acontece até hoje.
Além da parte musical audaciosa, Raul mostrou, ao lado do parceiro Paulo Coelho, letras divertidas, críticas e poéticas. Em Mosca na Sopa, o duplo sentido dá o recado abusado contra a falta de liberdade de expressão. Em ritmo de capoeira e rock, Raul avisa que chegou para atormentar: "Eu sou a mosca/Que pousou em sua sopa/Eu sou a mosca/Que pintou pra lhe abusar."

Do outro lado, a balada Ouro de Tolo é uma reflexão sobre o conformismo do brasileiro naquele instante, em frases como "eu devia estar contente/porque eu tenho um emprego/sou um dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês..."
Até o título do trabalho pode ser entendido como uma insinuação aos tempos cinzentos da Ditadura Militar. Krig-há, Bandolo! faz referência a um grito de guerra do personagem Tarzan, que significa "Cuidado, aí vem o inimigo".
Já Metamorfose Ambulante é um autodesabafo do artista, que lamenta: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo."
Sylvio Passos, fundador do Raul Rock Club, diz que, dessa forma original, a obra de Raul se tornou atemporal.
— Esses temas não envelhecem: questões filosóficas, metafisicas, políticas. Raul sabia usar as palavras na construção das músicas e foi isso que ele ensinou ao seu parceiro na época, Paulo Coelho. Ou seja, tratar de temas complexos de maneira simples e, ao mesmo tempo, sofisticada.
Para comemorar o aniversário de Krig-ha, Bandolo!, o R7 procurou pessoas envolvidas diretamente com o disco, além de fãs famosos. Leia os destaques.
Evandro Mesquita (Blitz)
— Lembro que eu gostei dele logo de cara pelo seu amor, irreverência e sonoridade. Nunca tive a oportunidade de cruzar com o Raul, infelizmente, mas tomara que ele tenha curtido a Blitz, porque nosso humor e olhar crítico são parecidos.

Jay Anthony Vaquer (guitarrista de Krig-ha, Bandolo!, entre outros discos de Raul)
— Fomos parceiros na vida. Conheci Raul em 1970 e nossa amizade durou para sempre. Sucessos como Al Capone, Ouro de Tolo e Mosca na Sopa foram gravadas no meu estúdio no Leblon (Rio), bem antes de Krig-ha, Bandolo!. Na época, Raul trazia as canções e eu fazia arranjos de rock e country. Também escrevi letras ao lado dele. Raul tinha um conteúdo político, então não quis meus créditos nisso, pois correria o risco de ser deportado ou preso (Jay é americano). Aí, ele procurou alguém que o ajudasse, de alguma forma, com a censura. A gente acabou encontrando Paulo Coelho. Como curiosidade, a gravação original de Mosca na Sopa foi registrada com detalhes diferentes no estúdio caseiro. Antes de gravá-la, comentei que a mosca vomita na própria refeição para comer e fazer a digestão. Então, na hora de tocar, Raul fingiu que estava vomitando no meio da música.

Ritchie
— Em 1972, eu tinha acabado de chegar de Londres quando me deparei com Raul. Foi quando os Mutantes me convidaram para conferir uma passagem de som dele no Rio. Daí, assisti ele cantar Let Me Sing, mas fiquei um pouco decepcionado por que não queria ver um brasileiro cantando "rock americano". Porém, com o tempo, entendi que Raul era muito mais do que isso. Em Krig-ha ele mostra que é original e autêntico. O cantor foi mais um revolucionário do que um cantor tradicional. Foi necessário para o rock brasileiro.

Marco Mazzola (produtor de Krig-ha, Bandolo!, entre outras obras importantes)
— Esse foi um dos trabalhos do Raul que eu mais pude colocar minhas ideias em prática. Por exemplo, durante uma conversa na casa dele, Raul me mostrou uma fita com músicas gravadas aos 9 anos. Sugeri: "Por que não abrimos o disco com esta gravação?" Ele topou na hora! (Introdução: Good Rockin' Tonight) E quando escutei ele tocando Mosca na Sopa no violão, logo me veio na cabeça misturar isso com ritmo nordestino, com berimbau e também usar um equipamento que estava chegando ao Brasil, o mini moog (sintetizador que imitou o barulho do inseto). Já Ouro de Tolo, assim como A Hora do Trem Passar, são canções bem simples, mas com letras que continuam atuais até hoje. Com Raul Seixas, aprendi a ser um "maluco beleza". E, na verdade, ele era um artista que muitas vezes não foi compreendido na nossa classe musical. Para entender isso, basta você escutar Metamorfose Ambulante.

Fred Zeroquatro (Mundo Livre S/A)
— A primeira vez que ouvi Raul foi na rádio e o impacto foi imediato. Um soco no estômago! Ouro de Tolo mudou minha visão de música desde a primeira audição. Fui correndo comprar o disco e nunca mais parei de ouvir!

Roberto Menescal (diretor artístico da gravadora de Krig-ha, Bandolo!, além de ser cantor e um dos fundadores da bossa nova)
— Conheci Raul bem antes do sucesso. No começo dos anos 70, ele me procurou para mostrar Ouro de Tolo e Let Me Sing. Daí, vi a possibilidade dele gravar o primeiro disco solo. Tive essa intuição e deu muito certo. Raul era um cara que misturava tudo. Foi inovador e surpreendeu o público, que não sabia o que era exatamente aquilo. Mas foi um estouro de vendas! Uma força, que alcançou público da favela até a classe mais alta. E isso acontece até hoje.

Sylvio Passos (fundador do Raul Rock Club)
— Para carreira de Raul, Krig-ha, Bandolo! é a consolidação do almejado sucesso que ele mesmo buscava há 10 anos. Um álbum de importância singular tanto para a MPB como para o rock brasileiro. O disco antecipa, com textos inteligentes e bem sacados, tudo o que viria a acontecer nas décadas seguintes nos segmentos artísticos brasileiros. Eu tinha 10 anos quando Krig-ha foi lançado. Lembro-me de meu pai cantando Mosca na Sopa pelos corredores de casa e de ouvir várias músicas no rádio em tudo que era lugar; desde festinhas familiares até na quermesse que rolava na igreja aqui do bairro. Mas somente, aos 17 anos, comprei o LP e parei para curti-lo por completo. Foi paixão a primeira ouvida. Aliás, Metamorfose Ambulante é minha música favorita de Raul porque foi justamente ela que me fez querer saber mais sobre o cantor, levando-me a fundar aquele que seria seu fã-clube oficial e, consequentemente, nos tornarmos amigos.

Castor Daudt (DeFalla)
— Para começar, gostaria de dizer que nasci no mesmo dia que Raul Seixas: 28 de junho. Canceriano arretado. O Raul é o nosso pai, mestre, guru. Ele escreveu a cartilha do rock. E, além de ter sido artista, ele foi um revolucionário, pensador, subversor da ordem estabelecida. Em 1988, o DeFalla fez uma versão funk/rap de Como Vovó Já Dizia. O Raul aprovou nossa ideia com entusiasmo, justamente por ser bem diferente da original.

Ronaldo Passos (banda Inocentes e projeto O Maluco Sou Eu - Tributo ao Raul Seixas)
— A genialidade e simplicidade de Raul foram muito importantes para a música brasileira. Um cara que chegou para mudar tudo através da loucura e irreverência. Quando Krig-ha foi lançado, eu tinha 11 anos e já curtia Ouro de Tolo nas rádios. Foi nessa época que ouvi Raul pela primeira vez. Esse disco tem um significado importante para mim, porque me fez ir mais fundo no rock'n'roll.