Aos 74 anos, John McLaughlin se apresenta no Brasil e dispara: "Quero tocar música até o fim da minha vida"
Guitarrista, um dos melhores do mundo, elogia música brasileira e fala sobre novos talentos
Pop|Ana Paula de Freitas, do R7

Um dos maiores nomes do jazz mundial, o guitarrista John McLaughlin já está em São Paulo, onde se apresenta nesta terça-feira (29) com a banda The 4th Dimension. Na quarta-feira (30), será a vez de Porto Alegre prestigiá-lo.
O músico, considerado um dos melhores do mundo em atividade, conversou com o R7 poucos dias antes de desembarcar em terras brasileiras.
"Tivemos uma plateia fantástica da última vez que estive aí. Espero que não tenha mudado. Eu não mudei. Sim, estou mais velho, mas a música não mudou, a música continua cheia de paixão e vida como sempre", esclarece Mr. McLaughlin, cuja simpatia cativa já nos primeiros minutos de conversa. Apaixonado pela música brasileira, o guitarrista trabalhou com Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti e tem o prazer de chamar João Bosco de amigo, além de conhecer pessoalmente Gilberto Gil.
— Vocês têm uma cultura musical fantástica aí. Gravei com Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti. A música brasileira teve muito impacto no jazz nos anos 60 com João Gilberto. Desde lá, tive a oportunidade de conhecer Gilberto Gil. E também conheci Tom Jobim, fiquei muito amigo de João Bosco, que é maravilhoso. Vocês são muito sortudos.
E não é só pela "velha-guarda" que McLaughlin nutre um carinho especial. O inglês exalta o nome do jazzista Pedro Martins, o brasileiro que venceu a tradicional competição de guitarra no Festival Montreux, na Suíça. "Ele é um músico maravilhoso", elogiou. Entre os novatos que entraram sob o radar dele, está a baixista indiana, Mohini Dey, de apenas 17 anos. Ela, inclusive, foi eleita um dos 30 jovens abaixo dos 30 anos mais influentes da Índia.

Ansioso para tocar para os brasileiros, McLaughlin garante que todos irão se encantar com a banda, formada por Ranjit Barot (baterista indiano), Étienne M'Bappé (baixista camaronês) e Gary Husband (tecladista e baterista inglês).
— Se vocês têm paixão, então ótimo, porque a nossa banda tem muita paixão... Na verdade, é um dos muitos motivos por que não gosto tanto do jazz hoje em dia, não há muita paixão. É um jazz mais suave, é uma música que toca num bistrô enquanto você toma vinho e come tapas. É terrível. Isso não é jazz, porque sem a paixão, não há jazz. Mas não acredito que você possa ter música de verdade sem paixão. Isso que põe vida na música. E essa banda é pura paixão, cheia de elementos diferentes, com muito sentimento.
Com a The 4th Dimension, McLaughlin compôs o álbum The Blacklight, lançado em setembro de 2015. A harmonia que existe entre os músicos se ouve no álbum, que foge completamente do jazz de restaurante criticado pelo guitarrista. Juntos, eles fazem questão de transparecer diferentes emoções por meio da música — algo que nenhum computador é capaz de fazer.
— Nós tivemos a oportunidade de desenvolver um relacionamento entre nós que é muito cheio de alegria. Então, quando tocamos música, há uma alegria que transcende nas notas. Não podemos só tocar notas, um computador pode tocar notas, só seres humanos podem tocar notas com o coração, com a alma, com o corpo. A música que tocamos é assim.
E a música de John McLaughlin sempre teve paixão, tanto que foi isso que o levou aos palcos mais disputados do mundo. Desde os anos 60, ele teve a oportunidade de trabalhar com músicos reconhecidos mundialmente, como Miles Davis, seu "deus" na música.
— Quando toquei com Miles Davis, foi logo após o meu aniversário de 27 anos, então eu estava muito animado, porque ele era o meu Deus. Eu o seguia desde que tinha 16 anos. Quando finalmente o conheci, ele sabia o quanto eu o amava, o quanto eu o idolatrava. Isso me deu a oportunidade de tocar com ele em janeiro de 1969 e foi uma experiência fantástica. E depois tocamos várias vezes juntos. O nosso último show juntos foi em 1991, um mês mais ou menos antes de ele morrer. Fui muito sortudo de tocar com ele.
Além do rei do jazz, McLaughlin também foi bastante influenciado pela música indiana, tendo, inclusive, formado as bandas Mahavishnu Orchestra e, logo depois, a Shakti com grandes nomes da Índia. Ele também trabalhou ao lado do músico Mandolin Srivinas, um de seus grandes parceiros na música, que morreu em 2014.
Ao relembrar seus dias ao aldo de Srivinas, ele chegou a se emocionar.
— Ele tinha apenas 45 anos, ainda não superei a morte dele. Não estou pronto para encontrar alguém para substituí-lo. Todos os amigos são insubstituíveis. É muito difícil dizer adeus. Estivemos juntos por 14 anos, ele era como meu irmão mais novo, ele era um músico maravilhoso. Ao fim desse ano, vou encontrar alguém para substitui-lo. Não substitui-lo, mas alguém tem que entrar na banda. Ninguém jamais irá substitui-lo.
Aos 74 anos, John McLaughlin já perdeu grandes parceiros na música, mas ainda assim renova sua inspiração com a nova geração e se sente mais em forma do que nunca para viajar o mundo. Aliás, é isso que lhe dá força todos os dias. Aposentadoria é algo que não existe em seu vocabulário.
— Quero tocar música até o fim da minha vida, porque não é uma profissão, é um estilo de vida. Minha vida foi dedicada à música, não consigo viver sem música, sem tocar. Sei que um dia, fisicamente, não serei capaz de me apresentar propriamente. E se isso acontecer, coloco a guitarra de lado, paro e digo: "Obrigado, Deus, por uma vida fantástica, por uma carreira fantástica, e pela oportunidade de conhecer pessoas tão maravilhosas e tocar tanta música”.
Inspirado por pessoas e suas histórias, McLaughlin é modesto e evita se colocar no patamar de outros grandes da música mundial, como Miles Davis e Paco de Lucía. Eleito o melhor guitarrista do mundo em diversas ocasiões, quer ser alguém "normal", "gente como a gente", passar despercebido pelos cantos enquanto busca mais inspiração para sua música.
Ao refletir sobre a extensa carreira, John McLaughlin falou com paixão, claro, sobre a vida.
— Minha vida é abençoada, música é uma bênção, é um poder maravilhoso para paz no mundo. Música é o oposto do ódio, da intolerância, do fascismo, do racismos. É acima de tudo isso. Pessoas que amam música sabem bem disso. Como posso parar de tocar música? Música é meu combústivel, minha benção, minha vida. É tudo para mim. Contanto que consiga tocar, sou um cara feliz.
Todos agradecem.
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