Com Gloria Pires, filme Nise — O Coração da Loucura apresenta ao Brasil a heroína desconhecida do público
Médica revolucionou a psiquiatria tendo afetividade, liberdade e arte como armas
Pop|Ana Paula de Freitas, do R7

"O meu instrumento é o pincel, o seu é o picador de gelo". É assim que Nise da Silveira rebate um dos médicos céticos quanto a seu modo de tratar os "clientes" do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro — hospital que recebe até hoje pacientes com distúrbios mentais.
Na época em que a lobotomia surgia como a cura para esquizofrênicos, a médica humanista — a primeira mulher a se formar em Medicina no Brasil, vale ressaltar — provou que arte, liberdade e afeto são os melhores remédios para dar uma vida digna a essas pessoas.
E é a essa mulher que Gloria Pires dá vida em Nise — O Coração da Loucura, filme que estreia nesta quinta-feira (21) em todos os cinemas do Brasil. Com direção de Roberto Berliner, o longa mostra o florescimento de artistas no lugar mais improvável até então: um manicômio. Admiradora do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Jung, Nise deu liberdade aos pacientes — a quem ela se referia como clientes — e viu nascerem artistas como Emygdio de Barros, Fernando Diniz e tantos outros. Ela revolucionou a psiquitria no Brasil, levou seu trabalho para o mundo inteiro, trocou impressões com Carl Jung e combateu o machismo num meio dominado por homens na década de 1940.
O filme de Berlirner apresenta Nise em seu retorno à medicina após sete anos de isolamento — ela chegou a ser presa por dois anos durante a Intentona Comunista, denunciada por ter livros marxistas. De volta ao Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, a médica precisa esmurrar a porta para ser atendida. Dentro do hospital, ela é convidada a se inteirar dos novos tratamentos usados no hospital, como eletrochoque e a lobotomia. Única mulher numa sala cheia de homens, também é a única a se espantar com a violência.
Sem prestígio, a médica assume o departamento da terapia ocupacional, desdenhado pela maioria dos médicos. Determinada e insistente, ela se revolta com a situação dos pacientes e transforma uma sala deprimente e suja num ateliê de arte.
Por meio da terapia ocupacional, os clientes são apresentados a pinceis e telas em branco, que logo ganham cores e formas. Lindas pinturas que surgem da mente criativa de esquizofrênicos internados num lugar que, até então, acreditava na cura pelo choque. Nise apresentou a eles o poder transformador da arte.

Primeira escolha do diretor Roberto Berliner, Gloria Pires entrou para o projeto quase que intimada pelo marido, o cantor Orlando Morais. O cineasta mandou o roteiro para a casa da atriz e ele caiu primeiro nas mãos do músico, que se encantou com a história de Nise de Silveira. E a atriz se entregou de corpo e alma ao papel, como se vê nas telonas.
Nise é uma mulher dura, porém cheia de esperança — duas posturas contraditorias que caem como uma luva na atuação de Gloria Pires. A atriz, uma das mais renomadas de sua geração, defende conceitos como "a cura pelo amor" sem soar piegas e emociona ao dar vida a uma heroina desconhecida da maior parte dos brasileiros. Ela, inclusive, ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Tóquio.

E não é só ela que brilha no filme. Com um elenco bastante entrosado, todo personagem tem sua relevância, independente dos minutos em que apareça na tela. Fabricio Boliveira é um dos "clientes", Fernando Diniz. Ele encontrou o tom do personagem com maestria — afinal, não é fácil interpretar uma pessoa com problemas psiquiátricos sem cair no exagero ou na canastrice.
A narrativa simples e delicada conduz o espectador por cada história dos artistas que vivem ali, e é impossível não se ver torcendo por cada um deles.
Nise — O Coração da Loucura expõe a realidade de muitos esquizofrênicos no Brasil, mesmo que por meio do microscópio do Engenho de Dentro. Nise de Silveira tentou, com seu trabalho de formiguinha, tirar essas pessoas da marginalização e trazê-los ao convívio da sociedade. E a fórmula para isso é bem simples: um pouco de respeito + uma dose de liberdade + amor.
A direção de Berliner é simples e acertada. Não é necessário floreio ou grandes artifícios para convencer o públco de que se trata de uma grande história. O close certo, na hora certa, o ator certo. É disso que ele precisa. A emoção é a matéria prima do diretor, e por isso a escolha do elenco fez tanta diferença.
O filme traz uma reflexão muito profunda sobre a sociedade preconceituosa em que vivemos num Brasil cada vez mais voltado ao conservadorismo, à caretice. E o melhor de tudo: ele apresenta aos brasileiros a heroína que nós tanto precisamos.
Uma mulher nordestina que superou preconceituosos, machistas e céticos e trouxe dignidade e luz a uma parte da população tão marginalizada. E transformou não só a vida deles, como a de todos que conheceram seu trabalho.
Dona de milhares de frases de efeito, uma delas cai bem: "É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade".
Acesse o R7 Play e assista à programação da Record quando quiser
"Foi um processo transformador", diz Gloria Pires sobre Nise; leia abaixo
Gloria Pires já viveu muitas mulheres na TV e no cinema, mas nenhuma delas foi tão transformadora quanto Nise da Silveira. Admiradora de Carl Jung, a médica brasileira mudou os rumos da psiquiatria com terapia ocupacional, usando a arte como instrument...
Gloria Pires já viveu muitas mulheres na TV e no cinema, mas nenhuma delas foi tão transformadora quanto Nise da Silveira. Admiradora de Carl Jung, a médica brasileira mudou os rumos da psiquiatria com terapia ocupacional, usando a arte como instrumento para mudar a realidade de esquizofrênicos internados no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. A vida dela virou o filme Nise — O Coração da Loucura, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (21) Acesse o R7 Play e assista à programação da Record quando quiser