Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Selma emociona com história poderosa sobre a luta pelos direitos humanos
Cenas fortes e discussão atual marcam produção sobre o ativista Martin Luther King Jr.
Pop|Felipe Gladiador, Do R7





É impossível falar do filme Selma — Uma Luta Pela Igualdade, que estreia nesta quinta-feira (5), sem pensar em casos recentes como o da cidade de Ferguson, nos EUA, em que um jovem negro desarmado morreu ao ser baleado por um policial branco e reacendeu discussões e protestos sobre questões raciais, preconceito e direitos. Aqui no Brasil, um caso recente que chamou a atenção foi o de Fabiana, capitã da seleção brasileira de vôlei, que foi chamada de macaca durante uma partida em Belo Horizonte.
Infelizmente, é fácil pensar em mais e mais exemplos de discriminação ao redor do mundo, e talvez nesse ponto resida a força de Selma, indicado a duas categorias do Oscar 2015 (Melhor Filme e Melhor Canção). A trama mostra parte da luta do ativista Martin Luther King Jr. pelos direitos dos negros nos anos 50 e 60, mas remete imediatamente à atualidade.
O nome do filme faz referência à cidade de Selma, no Estado americano do Alabama, onde aconteceram protestos e marchas que entraram para a história dos direitos civis, tanto positiva quanto negativamente. É que Martin tinha a ideologia dos protestos pacíficos, sem qualquer tipo de violência por parte dos manifestantes. Acontece que essa não era a posição da polícia e do governo americano, que reagiram diversas vezes com bastante agressividade. Uma das cenas mais brutais do filme mostra o Bloody Sunday, ou Domingo Sangrento, como ficou conhecido o dia em que policiais repreenderam uma marcha pacífica pelos direitos dos negros de votarem com todo tipo de violência. Forte e bem executada, a cena é um verdadeiro soco no estômago. Impossível não se emocionar e refletir sobre todas as conquistas que tivemos em tantos anos e também, tristemente, no retrocesso que vivemos.
O principal foco do filme é a luta pelo direito dos negros de votar. É que mesmo com a liberação por parte do governo americano, funcionários públicos brancos faziam de tudo para impedir que os negros se registrassem para conseguir efetivamente participar das votações. Nessa parte, acontece a excelente participação da apresentadora de TV Oprah Winfrey, que está cada vez mais ligada ao mundo do cinema, como atriz e produtora. Além de produzir o filme, Oprah faz uma ponta como a cuidadora Annie Lee Cooper, que tenta se registrar para votar, mas é humilhada. A atuação de Oprah é realmente boa e sua personagem tem papel importante no longa. Indicada a diversos prêmios por sua interpretação em O Mordomo da Casa Branca, de 2013, ela mostra mais um de seus talentos e deve continuar surpreendendo nas telonas.
O grande destaque do filme é David Oyelowo, que interpreta Martin Luther King Jr. e dá um show de atuação. Selma é considerado por muitos críticos e internautas um dos filmes mais esnobados pelo Oscar 2015 e, depois de assistir, só posso concordar. Talvez a maior injustiça tenha sido mesmo não indicar Oyelowo na categoria de Melhor Ator. Sua caracterização e interpretação estão entre as melhores que vi recentemente. Nos famosos discursos de King, ele consegue pegar trejeitos, tom de voz e dar toda a emoção necessária. Seria difícil ele ganhar dos favoritos Eddie Redmayne, de A Teoria de Tudo, e Michael Keaton, de Birdman, mas o ator merecia ao menos uma indicação para reconhecer seu ótimo trabalho. A diretora Ava DuVernay, também esnobada nas premiações, é outra que merecia mais reconhecimento.
Atores de Selma ficaram idêntico às personalidades que representam. Compare!
Enquanto alguns detalhes do roteiro não parecem assim tão importantes para a trama, como as supostas puladas de cerca de King, outros enriquecem o material, como suas conversas com o presidente dos EUA na época, Lyndon Johnson, interpretado por Tom Wilkinson.
Por mais pesado que o filme seja em alguns aspectos, existe espaço até mesmo para um certo "humor". Trata-se daquele riso nervoso, sabe? O riso do absurdo, eu diria. Você fica tão chocado com o que viu que só consegue rir. Esses momentos são protagonizados principalmente pelo chefe do FBI John Edgar Hoover, interpretado por Dylan Baker, que oferece maneiras de se livrar de King, e do governador do Alabama George Wallace, vivido pelo ótimo Tim Roth, que é representado como uma daquelas pessoas que todos nós conhecemos, aquelas que dizem “nada contra, mas...” e soltam verdadeiras pérolas preconceituosas.
Selma — Uma Luta Pela Igualdade é mais do que um ótimo filme, é um filme necessário. Pelas discussões propostas, e também como forma de apresentar um pouco dessa importante história mundial para novas gerações. É inconcebível que ainda exista discriminação no mundo, mas infelizmente sabemos que é uma realidade. Selma coloca o “dedo na ferida”, já que algumas pessoas preferem fingir que o preconceito é algo que não existe mais, ou que “já melhorou bastante”. Assim como o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2014, 12 Anos de Escravidão, talvez o fator mais impressionante em Selma seja a reflexão sobre o quanto foi conquistado com a ajuda de pessoas como King e todos que estavam ao seu redor, mas que, ao mesmo tempo, certas coisas continuam se repetindo. É por isso que qualquer produção cultural que se proponha a incentivar a mudança, despertar a atenção ou simplesmente colocar o tema em voga novamente, merece muitos aplausos.