Netinho relembra início do pagode: 'Nem sambistas gostavam de nós'
Cantor comentou como foi a aceitação do gênero musical na cultura brasileira e importância do estilo para o movimento negro e a periferia
Pop|Helder Maldonado, do R7

Aos 48 anos, Netinho de Paula voltou a se dedicar exclusivamente à música. Sem lançar nenhum disco inédito desde 2006 e fora da política há três anos, o ex-Negritude Jr. acaba de anunciar um DVD. O projeto não é necessariamente novo.
Segundo o músico, trata-se de filmagem de show engavetada desde 2017 e que só agora foi revelada aos fãs. No entanto, esse retorno ao pagode não se restringe à carreira solo. Com a saída de Marcio Art e Chrigor do projeto Amigos do Pagode 90, Salgadinho convidou Netinho para ser o novo membro do grupo.
O cantor não só aceitou, como celebrou o interesse o sucesso da nova formação. Só neste ano, já estão garantidos ao menos 40 shows do Pagode 90 pelo Brasil.
Segundo análise do músico, o êxito faz parte de um movimento nostálgico que celebra os anos 90 de forma generalizada no Brasil, passando pelo pagode, axé, rock e chegando na bem-sucedida turnê de Sandy e Jr.
Em entrevista ao R7, Netinho comenta a nova fase na música, explica o interesse pela política e avalia como ajudou na promoção da igualdade racial no Brasil.
R7 — Como tem sido esse resgate do passado das bandas de pagode?
Netinho — É um momento muito saudosista. Eu resolvi lançar o trabalho porque a música Beijo Geladinho acabou entrando na novela Verão 90 e me motivou a retomar esse projeto. E essa música tem uma história engraçada. Quando a compusemos, em 1993, fizemos pensando no mercado publicitário, em especial o de sorvetes. Mas não rolou. Então nem lançamos oficialmente como single, mas mesmo assim ela virou sucesso.

R7 — Você disse que a música foi pensada para publicidade, mas nunca usada nesse sentido. Por quê?
Netinho — O mercado publicitário daquela época não é como o atual. Nenhuma agência entendia que a classe C podia e queria consumir. Isso só veio mudar na década seguinte, mais especificamente durante o primeiro mandato do presidente Lula (2003 - 2006). Então, antes, ninguém queria vincular sua marca com pagodeiros, artistas populares e principalmente famosos negros. Mas isso é passado. Os publicitários que cresceram vendo eu, Alexandre Pires e outros na TV, notaram que isso era um erro e mudaram a conduta das agências. Hoje as minorias estão muito melhor representadas.
R7 — E qual o seu papel nisso?
Netinho — Contribuí um pouco e de várias maneiras. Fui apresentador da Record TV por cinco anos. E no Brasil sempre foi um tabu colocar negro para estar à frente de programa de entretenimento. Mas consegui isso bem antes de virar uma pauta ideológica e de representativdade. Também fiz o que achava importante como político. Lutei por cotas raciais, causas sociais e me sinto realizado por ter sido Secretário de Promoção da Igualdade Racial durante o mandato de Fernando Haddad (2013 - 2016) na prefeitura de São Paulo. Uma pena que a pasta foi descontinuada sob a gestão do João Dória (2017 -2018). A pauta racial não deve ser tutelada pela direita ou esquerda. Isso deveria ser interesse de qualquer governo.
R7 — E como você, de fora, analisa a política atual?
Netinho — Eu não sou do tipo incendiário, que joga mais gasolina na fogueira porque discordo de alguém na política. É um momento de caos e de radicalismo, mas que faz parte da democracia e serve para testar também se as instituições são sólidas.

R7 — Você acha que esse resgate da música da sua geração é fruto de um saudosismo natural, assim como aquele que rolou com os anos 80 na década passada?
Netinho — O Brasil é saudosista. Isso é normal por aqui. Mas agora tem rolado o resgate da época em que o Negritude e todas as bandas de pagode daquela época bombaram. Mas não só. Olha o sucesso da turnê de reunião de Sandy e Jr. Isso prova o movimento de nostalgia.
R7 — Quando o pagode surgiu, vocês foram criticados por todos, inclusive pelos sambistas mais velhos. Como foi essa fase?
Netinho — Nem sambistas antigos gostavam de nós. Os críticos e roqueiros eu não preciso nem citar. Fomos muito criticados pela Beth Carvalho. E ela nem imaginava o carinho que tínhamos por ela. Apanhamos de todos os lados. Penamos para nos consolidar. Foi só quando invadimos a mídia, mostramos nosso valores e elevamos a autoestima da periferia, fazendo com o que o samba evoluísse, é que passamos a ter reconhecimento.