Afro-X lança CD e comemora 17 anos de carreira: "A arte quebra prisões"
Cantor também não descarta um reencontro do grupo 509-E
Pop|Daniel Vaughan, do R7

Afro-X está comemorando 17 anos de carreira com um novo CD. Um Brinde a Vida marca a retomada musical do cantor paulistano após ficar oito anos sem gravar.
Nesse meio tempo, o rapper esteve envolvido em atividades sociais e culturais, onde usou o hip hop como ferramenta educacional em escolas da periferia. Além disso, ele ainda lançou uma autobiografia (Ex-157, a História que a Mídia Desconhece).
— Eu queria dar uma contrapartida pelo benefício que eu tive de vida, depois de sair da prisão. Eu fiz um projeto que trabalhou o hip hop no contexto social, educacional e cultural. Baseado na linha do tempo do rap, eu contextualizei todas as matérias escolares.
Aos 43 anos, Afro-X é pai de sete filhos, sendo dois deles com a cantora Simony, com quem foi casado até 2005.
— No casamento, eu enfrentei os racistas de plantão e pessoas recalcadas. Foi um tapa na cara da sociedade!
Longe das polêmicas, Afro-X agora está entusiasmado com a volta aos palcos.
Como entrega o nome do disco, Um Brinde a Vida também celebra a sobrevivência do rapper após passar sete anos no Complexo Penitenciário do Carandiru, hoje desativado.
Foi no presídio, nos anos 2000, que Christian de Souza Augusto virou Afro-X e, ao lado de Dexter, fundou o grupo 509-E. Apesar de não falar com o ex-parceiro musical, o cantor não descarta uma reunião.
— No momento, meu objetivo é o trabalho solo, mas eu jamais digo nunca. O 509-E tem um grande significado para muitas pessoas, então uma volta seria eletrizante para a cena hip hop. Na época, fizemos algo histórico.

Nesta sexta-feira (28), o rapper faz o show de lançamento do novo trabalho na Matilha Cultural, no centro de São Paulo. Para saber mais sobre a carreira e as novidades do cantor, o R7 conversou com Afro-X.
R7 — Um Brinde a Vida é uma comemoração por tudo que você passou?
Afro-X — O disco faz parte dos meus 17 anos de carreira. É a celebração por tudo que eu consegui, passando por sofrimentos, a periferia, o sucesso, as polêmicas. E eu tenho motivos de sobra para comemorar, pois eu cresci muito como ser humano nesses anos todos.
R7 — O disco traz participações de nomes do rock, samba e funk carioca. Você curte passear por outros estilos?
Afro-X — O rap americano é a base do Um Brinde a Vida, mas o disco é um produto genuinamente brasileiro. Eu trabalho o samba como crítica social, pois é nossa raiz musical. Também usei influências de pancadão e funk-soul. Hoje, o rap é mundial, então é preciso ter uma visão mais ampla. E é bom lembrar que o MC Sapão (o cantor participa de Favela Eu Sou) foi um dos principais divulgadores do 509-E no Rio. Na época, nós subimos todos os morros possíveis para fazer shows.
R7 — No clipe de Um Brinde à Vida você aparece em meio a carrões, belas mulheres e até um helicóptero. Isso não é ostentação?
Afro-X — O helicóptero é simbólico... ele pode mostrar onde podemos chegar. A ostentação é banal, então eu não vejo esse contexto no meu clipe. O vídeo pode representar a vitória através de muita batalha. E não é porque você tem dinheiro que não vai ser humilde com os outros. Acredito que eu não passei apenas uma imagem de luxo. E a molecada quer ver isso, pois acabou o tempo que a gente só mostrava miséria.
R7 — Seu disco anterior é de 2007. Por que você demorou tanto tempo para lançar o CD?
Afro-X — O meu viés, além da música, sempre foi sociocultural. Então, nesse meio tempo, eu estive ligado aos meus projetos sociais e ao lançamento do meu livro (Ex-157, a História que a Mídia Desconhece).
R7 — Você virou educador, fazendo palestras e cursos. Como foi essa experiência?
Afro-X — Fiz um projeto de incentivo a leitura que gerou uma palestra. Então, eu visitei presídios, escolas e associações. Eu queria dar uma contrapartida pelo benefício que eu tive de vida, depois de passar pelo maior presídio da América Latina (Carandiru). Eu também criei o Movimente, que trabalhou o hip hop no contexto social, educacional e cultural. Baseado na linha do tempo do rap, eu contextualizei todas as matérias escolares. Foram três anos na prática, atendendo muitos alunos. E, além dos jovens, também atendemos a EJA (Educação de Jovens e Adultos). Agora, estou trabalhando em conjunto com a Matilha Cultural para ampliarmos isso.
"No Brasil%2C parece que a lei é para todos e a justiça é para poucos"
R7 — E você faz algo social relacionado aos presos?
Afro-X — Eu participo de comissões com os filhos e familiares de presidiários. Não é só o preso que sofre, pois a vida da família deles também é muito dura. E sempre que eu posso eu vou até a prisão. Inclusive, ano passado, eu fiz um show na penitenciária feminina.
R7 — Você fez história criando um grupo de rap dentro da cadeia. O 509-E ainda faz parte da sua vida?
Afro-X — É muito louco! O grupo está desativado, mas você viaja para qualquer lugar do Brasil e sempre tem alguém ouvindo ou tocando nossas músicas. E o 509-E também ainda bomba na internet. Além disso, todo mundo pede as músicas do grupo nos meus shows. O 509-E foi uma semente plantada que cresceu e continua a dar frutos.
R7 — E acredito que o 509-E ainda serve de exemplo de recuperação para muita gente.
Afro-X — Sim. Para você ter ideia, um juiz assistiu ao documentário do grupo e aquilo mudou a concepção que ele tinha sobre os presos. Hoje, ele virou um cara mais humanitário e está voltado para a recuperação das pessoas, com um projeto de literatura em Joinville (Santa Catarina). E eu dou palestras sobre essa fase da minha vida. 509-E é uma marca, um ato social. É difícil acontecer novamente uma história como a minha e do Dexter.
R7 — E será que os fãs poderão ver um dia uma reunião do 509-E?
Afro-X — Agora, o meu objetivo é o trabalho solo, mas eu jamais digo nunca. O 509-E tem um grande significado para muitas pessoas, então uma volta seria eletrizante para a cena hip hop. Na época, fizemos algo histórico e hoje mostraríamos um amadurecimento.
R7 — E você já voltou as boas com o Dexter?
Afro-X — Ainda não nos falamos.
R7 — Mas, na sua opinião, o que houve entre vocês?
Afro-X — Muitas pessoas ficaram dizendo que eu tinha saído da cadeia e abandonado meu amigo. Para deixar claro, minha condenação era diferente do Dexter e eu cheguei na prisão primeiro do que ele. Eu fui condenado há 14 anos e cumpri sete anos e meio. Depois da prisão, cada um seguiu seu caminho...
"Apesar do sucesso%2C eu serei sempre visto como um ex-presidiário"
R7 — E seu casamento com a Simony (de 1999 a 2005) também causou alguma discórdia?
Afro-X — Sabe como é, teve gente que me ajudou, mas outros também quiseram me atrapalhar. Tinha invejoso que ficava botando lenha na fogueira, falando que eu não poderia ter casado com a Simony, porque ela é branca e rica. Daí, o amigo já está na cadeia, não consegue se comunicar direito, e vai sabendo dessas coisas de um modo deturpado. Foi complicado.

R7 — Parece que sua relação com a Simony causou preconceitos de ambos os lados. Da classe mais alta à periferia.
Afro-X — Eu enfrentei os racistas de plantão e pessoas recalcadas, que queriam me denegrir no rap. Foi um tapa na cara da sociedade! Imagina o cara que acabou de sair da cadeia e, derrepente, está rodando de carrão importado com uma mina que foi ídolo infantil. Na época, os programas de TV sensacionalistas exploraram muito a história da "menina que se apaixonou pelo preto presidiário". Mas apesar disso tudo, eu não vejo só o lado ruim, pois acabei mostrando que um rapper também tem uma família e pode amar, independente da classe social ou cor da pele.
R7 — E, no seu caso, o preconceito diminuiu com o passar do tempo?
Afro-X — Infelizmente, apesar do sucesso, eu serei sempre visto como um ex-presidiário. Vão passar 50 anos e, mesmo recuperado, os preconceituosos vão me tratar como marginal.
R7 — E como é a sensação de um ex-presidiário que cumpriu sua pena e agora observa políticos corruptos se safarem da cadeia?
Afro-X — Eles não vão para cadeia e ainda ameaçam até o poder judiciário! Loucura! Não sei se estamos vivendo em uma nova ditadura ou é muito "rabo preso". Teria que começar tudo novamente. Infelizmente, apesar de boas iniciativas de algumas pessoas, todos os partidos estão contaminados. A gente vê político se safar, mesmo sendo flagrado com todas as provas possíveis de corrupção. Malas de dinheiro, áudios... Agora, se entrar três pretos no shopping, já era... São averiguados na hora! Costumo dizer que aqui a lei é para todos e a justiça é para poucos.
R7 — Ainda falando sobre discriminação, sua filha Aysha chegou a sofrer preconceito nas redes sociais.
Afro-X — Infelizmente, esse tipo de coisa chegou na minha família. Ela sofreu gordofobia por ser uma menina que estava fora dos padrões impostos pela sociedade. O brasileiro é preconceituoso por natureza, né? Porém, o ódio gratuito que vem da internet não me abala... eu nem respondo, apenas bloqueio esse tipo de gente. E meus filhos são bem resolvidos com esses assuntos polêmicos. Iclusive, sobre o pai. Eu tenho orgulho do que vivi e teria vergonha apenas se ainda estivesse no crime.
Afro-X no lançamento do CD Um Brinde à Vida
Quando: 27 de outubro de 2017, sexta-feira, às 19h30
Onde: Matilha Cultural - Rua Rêgo Freitas, 542 - República - SP
Quanto: Grátis
Contato: (0xx11) 3256-2636