"Queriam a banda no hospício", diz diretor de filme do Joelho de Porco
Documentário sobre grupo de rock estreia na Mostra de Cinema de SP
Pop|Daniel Vaughan, do R7

O Joelho de Porco é uma das principais bandas da história do rock brasileiro. O grupo paulistano surgiu em 1972 e inovou no gênero, fazendo críticas sociais e políticas através de um humor escrachado.
O Joelho influenciou, diretamente ou não, uma geração de artistas irreverentes como Ultraje a Rigor, Os Mulheres Negras, Raimundos e Mamonas Assassinas.

Para homenagear o grupo, será lançado nesta sexta-feira (20), na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o documentário Meu Tio e o Joelho de Porco. Com direção do sobrinho do saudoso baixista e líder Tico Terpins, o filme mistura animação, imagens de arquivo, ficção e depoimentos gravados de maneira pouco convencional.
O cineasta Rafael Terpins, de 42 anos, fala sobre a importância da banda.
— O Joelho é o elo perdido entre a tropicália e o rock dos anos 80. Eles faziam rock quando o público ainda torcia o nariz para o estilo. Além disso, especialistas musicais citam eles como sendo o primeiro grupo brasileiro de punk.

O sobrinho de Tico também se deparou com histórias hilárias sobre o tio, morto em 1998.
— Certa vez, um delegado decidiu que, em vez de prender a banda em uma cela, era melhor enviá-los ao hospício.
Para saber mais sobre o documentário, o R7 conversou com Rafael Terpins.
R7 — Como surgiu a ideia do filme?
Rafael Terpins — É um documentário que reside há anos na minha cabeça. Então, em 2013, venci um edital de desenvolvimento da Prefeitura de São Paulo que possibilitou o início do projeto.
"O Joelho de Porco levou o humor escrachado para o rock"
R7 — O documentário não é editado de maneira tradicional?
Rafael Terpins — O filme tem um pouco de tudo, pois eu quis fazer no meu primeiro longa um pouco do que segui com meus curta-metragens premiados. Era misturar animação, uma pesquisa espetacular de imagens de arquivo, ficção e depoimentos gravados de uma maneira pouco convencional.
R7 — Você encontrou alguma raridade na pesquisa?
Rafael Terpins — Encontramos muito material inédito como um show em Cambé, Paraná, quando o Joelho dividiu o palco com os Mutantes. Esse encontro motivou o Arnaldo Baptista a produzir o primeiro compacto deles. Havia também um material não digitalizado na TV Cultura, com a passagem de som das apresentações históricas da banda no Teatro Ruth Escobar em São Paulo.
"A banda cantou sobre a violência urbana antes do rap"
R7 — Qual foi a história da banda que mais te chamou a atenção?
Rafael Terpins — Como o Tico foi uma figura muito importante e presente na minha formação, então eu tenho histórias que não acabam mais! Daria para fazer um segundo filme só com as confusões dele. (risos) Muitas delas não entraram no corte... Certa vez, um delegado decidiu que, em vez de prender a banda numa cela, era melhor enviá-los ao hospício. Outro caso que entrou foi uma apresentação no programa Darcio Campos na TV Gazeta, quando, ao serem chamados para o palco, decidiram entrar por uma porta e sair pela outra abandonando o programa ao vivo. Além das risadas, o filme fala muito dos sentimentos e, como diz minha amiga Lina Chamie: "O cinema permite ao criador trazer as mortos de volta a vida". Então, eu usei e abusei desse conceito no filme.

R7 — O que sua família e os ex-integrantes da banda acharam da ideia?
Rafael Terpins — O Próspero Albanese (vocalista original que ainda faz shows esporádicos com a banda) teve alguns problemas familiares e não pôde comparecer à nossa sessão fechada. Espero que ele ache espaço para acompanhar a estreia na Mostra de Cinema. Já minha família foi muito solícita e apoiou a empreitada. Meu primo Alan, filho do Tico, foi o produtor executivo do filme.
R7 — Qual é a importância do Joelho de Porco para a música brasileira?
Rafael Terpins — O Joelho é o elo perdido entre a tropicália e o rock dos anos 80. Eles faziam rock quando o público ainda torcia o nariz para o estilo. Além disso, especialistas afirmam que a banda é o primeiro grupo brasileiro de punk. Posso concordar com essa afirmativa, olhando apenas para as atitudes deles, mas não o som propriamente dito.
R7 — E eles inovaram ao fazer rock com humor...
Rafael Terpins — O Joelho levou o humor escrachado para o rock, iniciando uma onda de bandas irreverentes como Língua de Trapo, Premê, Ultraje, Mamonas, Falcão (cantor brega), Os Mulheres Negras... são todos filhos do Joelho de Porco.
R7 — Eles seriam bem aceitos hoje em dia, com tanto policiamento através dos politicamente corretos?
Rafael Terpins — É incrível como meu tio foi o primeiro letrista a retratar o cotidiano urbano caótico. A primeira vez que se fala de trombadinhas e violência urbana, muito antes do rap, em São Paulo by Day. Eu adoraria que esses nossos "neo-proto-censores" fossem assistir e tentassem impedir a exibição de Meu Tio e o Joelho de Porco... o filme ficaria famoso! (risos) Essa nova preocupação politicamente correta impediu de utilizarmos um trecho de Os Trapalhões com o Joelho de Porco (procurem no YouTube).
R7 — Você acha que o Brasil tem memória curta? Faltam filmes e livros em homenagem a tantos artistas importantes.
Rafael Terpins — Sim. É uma tristeza imensa encontrar grandes arquivos de TV com filmes estragando e não catalogados. As fitas de vídeo dos anos 70 foram, em sua maioria, reutilizadas e regravadas. Fora isso, ainda temos nossa lei atrasada que impede a utilização de imagem de terceiros. Um cineasta como Michael Moore, que faz dias críticas a políticos, morreria de fome em nosso País. É mais um dispositivo para preservar a imagem de pessoas públicas que tem muito a esconder. O que foi liberado para biografias escritas deveria ser extendido para o audiovisual. Se eu não fosse parente do Tico, acho que seria impossível realizar esse filme.
"A banda é o elo perdido entre a tropicália e o rock dos anos 80"
R7 — O André Abujamra também participou do filme, fazendo parte da trilha sonora...
Rafael Terpins — O André é parceiro de muitas empreitadas. Fiz a capa do seu disco mais recente, O Homem Bruxa, e gravamos este ano a segunda temporada da série Sonhos de Abu, criada por nós e que será exibida no Canal Brasil no ano que vem. Ele foi um grande entusiasta e uma espécie de produtor afetivo do filme.
R7 — Além do festival, o documentário será lançado em outros lugares?
Rafael Terpins — O filme é uma coprodução com o Canal Brasil. Eu espero que a participação na Mostra de Cinema de São Paulo fomente uma parceria de distribuição em circuito comercial. Ele definitivamente vai entrar na programação do canal parceiro e em serviços de VOD.