Guardadas as devidas proporções, Ritchie foi para os anos 80 o que Anitta e Alok são para a década atual. Um popstar puro sangue, que é onipresente na mídia. Não ouvir as músicas ou ver o rosto do cantor inglês radicado no Brasil na TV era uma tarefa quase impossível para quem viveu a época do sucesso estrondoso do disco Voo de Coração, lançado em 1983, e das músicas Menina Veneno, Casanova e A Vida Tem Dessas Coisas. 35 anos depois do lançamento de um álbum que foi produzido com representantes da elite do pop da época, como Lulu Santos, Lobão, Liminha e o guitarrista Steve Hackett, do Genesis, esse ainda continua sendo o trabalho mais importante e mais vendido da vida cantor. Por outro lado, foi também o que deu início à saturação de Ritchie em ser uma figura pública requisitada. Embora tenha continua a lançar discos regularmente até 1993, o britânico reconhece que seu afastamento completo do mercado da música nos anos 90 é fruto do intenso sucesso que acumulou e agenda que mal deixava espaço para desfrutar das conquistas financeiras. Ritchie confessa que era um martírio enfrentar maratonas de shows e programas de TV. E foi essa exigência das gravadoras que o fez optar por uma vida mais simples e quase anônima nas décadas seguintes, inclusive passando períodos afastado completamente da música por opção própria e para otimizar seu tempo no aprendizado de novas funções, como programação e sonorização. De volta defintivamente à música desde os 2000, Ritchie está com uma turnê acústica, que terá um show no Tupi or Not Tupi, em 19 de julho. O projeto traz os principais sucessos do músico em novas versões, com uma banda composta por cello, viola de arco, violão de aço, bateria, guitarra e baixo. Em entrevista ao R7, o cantor comenta o projeto e passa a limpo os 35 anos de carreira solo.R7 — Parece novidade Ritchie acústico, mas em 1992 você já apostava nesse formato e influenciou até o Gil no Acústico MTV, certo?Ritchie — Eu não sou precursor, mas estava ligado nos acústicos que eram feitos no exterior, como o do Eric Clapton. E, então, fiz um projeto assim na época. O Gil gostou e perguntou se podia fazer parecido. E fez. Mas gostaria de ter gravado algum assim pela MTV, na época que isso virou moda. Só que não fui convidado. E recentemente retomei esse formato. Primeiro fiz um show assim em homenagem a Paul Simon e, agora, esse, que resgata meus sucessos. Mas não será uma turnê de fato. Farei alguns shows pelo ano. Apenas isso.R7 — Em 2018, o Voo de Coração faz 35 anos. Como é o impacto desse disco na sua vida e carreira?Ritchie — O impacto é grande, porque é ainda um disco bastante importante para minha história. Mas ele tem um trunfo que é um problema também. Porque logo de primeira eu conquistei exatamente tudo que eu queria como artista. E isso deixou as coisas relativamente pouco atraentes depois. Eu cansei de ser famoso rapidamente, perdi o interesse em participar de programas de TV e cumprir toda aquela agenda típica de uma celebridade.R7 — Foi por isso que, durante uma década, você se afastou completamente da música?Ritchie — Foi por isso e pela vontade de explorar outras áreas. Não me interessa expor mais meu rosto do que meu trabalho. Já fui super exposto na minha vida. Voltei a trabalhar com música, mas de uma forma diferente daquela época. Faço vários projetos que o público nem sabe que estou envolvido. Tenho só dez discos na carreira. Não peco pelo excesso. Gravo só o que for necessário. Eu tinha a meta de tocar na rádio e ter um disco estourado. Consegui rápido. Me desinteressei na mesma velocidade.R7 — Nos anos 90, você passou explorando a internet, programação e linguagens de computador, o que quate te levou ao Vale do Silício. Ritchie — Naquela época eu mergulhei de cabeça em programação e linguagens de computador. Recebi convite de Thomas Dolby em 1999 para trabalhar no Vale do Silício e sonorizei o site do Yahoo. Mas preferi ficar no Brasil mesmo.R7 — Nos seus discos dos anos 80, dá para notar que você sempre foi apaixonado por tecnologia e um dos primeiros a usar o MIDI em música por aqui. Ritchie — Sempre fiquei ligado com essa parte tecnológica da música e experimentei muitas coisas antes dos outros no Brasil. Isso não quer dizer, no entanto, que tenha ficado bom ou que eu goste do resultado. Há muitas coisas feitas com essa vanguarda tecnológica que me desagradam e soam mal hoje em dia. Em alguns momentos exagerei sim. E hoje me arrependo. Não à toa, eu fiz uma virada completa no meu trabalho e estou cada vez mais adepto da música orgânica.R7 — No entanto, a música pop atual é quase completamente eletrônica. Você gosta do que ouve hoje?Ritchie — A tecnologia está muito presente na música atual, porém há repetição demais no padrão de composição e produção. Tecnologia é uma faca de dois gumes para quem não reconhece os limites. É fácil transformar boas ideias em superficialidade. Hoje, muitos produtores não trabalham com a ideia de criar algo que vai durar 35 anos como antes. Então o resultado disso, no fundo, não me agrada muito. Tem muita gente gravando apenas por gravar e isso gera o conceito de celebridade musical que não tem nada a dizer, mas dura exatamente por ser tosco e superficial. Por outro lado, antes você só tinha 25 músicas tocando nas rádios do mundo todo e isso já mudou há bastante tempo, democratizando o consumo. O grande problema é que o mainstream é muito parecido, então o novo "Beatles" talvez passe despercebido do grande público.R7 — Menina Veneno é ainda seu maior sucesso e você nunca a renegou, como outros artistas fazem com seus hits. Ritchie — Nem vou. Acredito que é uma música que retrata a alma nacional, de certa maneira. Mas eu nem sei explicar como ela virou esse fenômeno todo. Gostaria de entender melhor a aceitação tão grande dessa música pelo público.R7 — Doze anos depois, ela virou sucesso de novo, mas na voz de Luciano, da dupla como Zezé. Sinal de que não tinha saturado ainda, certo?Ritchie — É. Exatamente. Em pouco mais de uma década, ela foi sucesso duas vezes com dois artistas diferentes. Comigo e com a dupla, num arranjo mais voltado ao que eles tocam e cantam. Essa regravação, inclusive, foi bastante importante do ponto de vista financeiro. Eu era um artista que tinha deixado de fazer música e shows àquela altura. Se não me engano, eles regravaram a faixa em seis discos diferentes e sempre cantam nos shows. Não dá para dizer que não me ajudou naquela época em que me dediquei ao estudo de novas tecnologias. Sou grato.