Superlotação e bate-boca marcam Festival de Brasília
Filme Branco Sai. Preto Fica, de Ceilândia (DF), lotou o Cine Brasília neste sábado (20)
Entretenimento|Por Miguel Arcanjo Prado, enviado especial do R7 a Brasília
Uma estudante teimava em guardar dois lugares para amigos que um dia, Deus sabe quando, chegariam ao Cine Brasília. Diante da falta de poltronas para quem já estava no local, a mocinha precisou bater boca com outros espectadores que queriam, com razão, sentar-se nos assentos vagos. Ao fim, venceu o bom senso e a garota má educada liberou as cadeiras, já que seus amiguinhos jamais apareceram.
Ela não foi a única a demonstrar a falta de educação e respeito com o próximo. A cena de gente guardando lugar foi muito comum na noite deste sábado (20), no Cine Brasília, no quinto dia de evento e quarto da mostra competitiva de curta e de longa metragem do 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na disputa pelo troféu Candango, um dos mais tradicionais do cinema nacional.
O motivo da superlotação era claro: a exibição do longa Branco Sai. Preto Fica, de Adirley Querioz, feito com jovens talentos de Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal.
Novo olhar
Diferentemente do olhar da classe média para a periferia, tão comum no cinema brasileiro, o filme apresenta exatamente o contrário: é o olhar da própria periferia sobre si mesma no festival em grande parte da história dominado por cineastas bem nascidos.
O documentário expõe o apartheid social e racial existente no Distrito Federal, com uma Brasília de riqueza no Plano Piloto, contrastando com a miséria e a violência do Estado nas cidades satélites.
O longa conta a história de uma invasão policial em um baile funk em Ceilândia, cidade nos arredores de Brasília, no qual a Polícia do Distrito Federal, em uma ação “criminosa e racista”, como define o diretor, termina deixando um morador negro paralítico e outro sem uma perna.
Saída de emergência obstruída
Como a procura do público foi enorme para Branco Sai. Preto Fica, a organização do festival abriu mão da segurança e deixou o número de espectadores ultrapassar, e muito, a capacidade do Cine Brasília, oficialmente em 607 lugares.
Assim, como não havia mais assentos disponíveis, os últimos espectadores que entraram se acomodaram nos degraus dos corredores central e laterais, obstruindo todas as saídas de emergência, como observou a reportagem do R7.
Quem desejou sair do cinema antes de a sessão acabar precisou de muito cuidado para não pisotear ninguém. Sorte não ter havido nenhuma situação de pânico.
Atrasos
A sessão começou com atraso, tendo início só depois que parte do público começou a aplaudir, dando seu recado nervoso.
Antes de os filmes começarem, os apresentadores pediram que o público compareça aos debates e seminários promovidos pelo Festival de Brasília – que andam bem vazios, como apurou o R7, com exceção daqueles realizados pelas manhãs no Hotel Mercure Eixo e frequentados, majoritariamente, por produtores cinematográficos e imprensa especializada que participam do festival – e deram espaço para que os realizadores dos três filmes exibidos falassem à plateia.
O R7 apurou que os atrasos nas sessões acontecem desde o início do Festival de Brasília. Até o momento, nenhuma sessão da mostra competitiva começou no horário marcado na programação: 20h30. A média de atraso tem sido de meia hora.
Terror e delicadeza
Voltando aos discursos, o primeiro foi do jovem cineasta Lucas Sá, que apresentou, emocionado, o curta Nua por Dentro do Couro, com as atrizes Gilda Nomacce e Miriã Possani. Um filme com ares de terror adolescente que arrancou risos nervosos do público. Com uma cena final impressionante, a atriz Gilda Nomacce sai na frente pelo prêmio de melhor atriz de curta metragem. O curta foi aplaudido ao fim.
Depois foi a vez de Pedro Harres apresentar o curta de animação Castillo y el Armado, que conta de forma sensível e poética uma história de pescador do uruguaio Ruben Castillo, personagem da obra e diretor de arte do curta, que também subiu ao palco. O curta emocionou o público brasiliense com sua delicadeza e traço marcante. Foi fartamente aplaudido ao fim.
Depois dos curtas, por último, foi a vez de Adirley Queiroz subir com toda a turma do longa Branco Sai. Preto Fica. Uma rapaz na plateia, gritou, emocionado: “Viva, Ceilândia!”. Foi ovacionado automaticamente.
Até o apresentador da noite, o ator Murilo Gros, saiu do lugar de imparcialidade exigido para sua função em um festival competitivo, e externou sua predileção pelo filme do Distrito Federal. Até punho cerrado ao ar ele levantou.
Confusão e bate-boca
Assim que as luzes se apagaram, um grupo de jovens no fundo do cinema começou uma discussão em voz alta, incomodando quem esperava ver o filme de Adirley Queiroz em paz.
Muitos espectadores pediram respeito e silêncio, já que o filme estava começando. Mesmo assim, o grupinho continuou a confusão e o ruído só aumentou, com forte bate-boca.
Foi preciso intervenção da segurança para que os ânimos se acalmassem. Quando, enfim, os jovens conseguiram se comportar, um bebê, também no fundo do cinema, começou a chorar copiosamente, prejudicando a apreciação de Branco Sai. Preto Fica. Independentemente dos percalços, o documentário foi aplaudidíssimo no final. E, pelo menos na categoria voto popular, largou na dianteira.
Procurada pelo R7, a assessoria do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro informou que "os debates dos filmes em competição estão sempre cheios". Não houve comentário sobre os atrasos e a superlotação neste sábado (20) no Cine Brasília.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.