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TV de quilombo tem equipamentos de papelão, cipó e bambu-drone

Jovens gastam do próprio bolso em canal e rádio comunitários no interior do Maranhão. Projeto foi premiado em festival de cinema

Virtz|Eduardo Marini, do R7

Leite (à esq.), Aparecida e colegas com microfone de fibra, câmera de papelão e tripé de bambu
Leite (à esq.), Aparecida e colegas com microfone de fibra, câmera de papelão e tripé de bambu Leite (à esq.), Aparecida e colegas com microfone de fibra, câmera de papelão e tripé de bambu

Uma brincadeira inocente foi o ponto de partida para o lançamento de um dos mais criativos projetos de comunicação comunitária do país: a TV e a rádio Quilombo Rampa, criadas por cinco amigos da unidade quilombola de mesmo nome, em Vargem Grande, município de 57 mil habitantes no nordeste do estado do Maranhão.

O Quilombo Rampa tem 202 anos de existência. Abriga 195 pessoas em 53 casas. Fica em uma região carente do país, distante 27 quilômetros do centro de Vargem Grande. Da cidade até São Luís, a capital do estado, são mais 172 quilômetros (confira nesta reportagem o filme criado por eles na comunidade para o R7).

No final de 2017, o quilombola Raimundo José Leite, hoje com 27 anos, sua irmã Aparecida, de 19, e mais três amigos, os irmãos William e Wellita Cardoso, de 30 e 19 anos, e Michel Awid, de 21, todos apaixonados por comunicação, acompanhavam um jogo de futebol do Quilombo Futebol Clube, a equipe da comunidade, no campinho local.

Empolgados com a vitória do time da casa, decidiram entrevistar os heróis da partida. Sem equipamentos, recolheram pedaços de cipó e gravetos na mata próxima. Os cipós viraram fios. Os gravetos, microfones.

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“Depois daquela brincadeira, pensamos: se foi tão divertido, por que não criar algo de verdade, dentro das nossas possibilidades, para prestar serviço e contribuir para melhoria de qualidade de vida do quilombo?”, recorda Raimundo, em entrevista ao R7.

A primeira dificuldade ficou clara no campinho: a falta de equipamentos. E, ainda pior, de dinheiro para a compra. “Aí o William teve a ideia de criar um tripé de bambu e uma câmera de papelão, pintada de preto, com a inscrição TV Quilombo”, conta Leite. “Dentro da câmera a gente colocou um celular, que gravava as imagens. O modelo até hoje é esse.”

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Com o slogan "Essa história é para sempre" e o desenho de uma sapucaeira centenária da comunidade como símbolo, os cinco lançaram a TV Quilombo. Tempos depois, William criou outra peça original: o bambu-drone, que une celular e cortes grandes da planta, permitindo fazer imagens do alto.

Símbolo do canal e da rádio é desenho de uma sapucaeira centenária do quilombo
Símbolo do canal e da rádio é desenho de uma sapucaeira centenária do quilombo Símbolo do canal e da rádio é desenho de uma sapucaeira centenária do quilombo

Raimundo explica por que não filmam apenas com os celulares, sem a peça de papelão desenvolvida por Willian. “A câmera dá um tom de responsabilidade ao negócio. As pessoas levam na seriedade e nos atendem melhor”, diz.

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O Jornal do Quilombo, principal noticiário do canal, é exibido diariamente com os apresentadores sentados em jacás. São cestos feitos de tranças de fibra de coco de babaçu, normalmente usados em transporte de cargas por animais, muitos tradicionais na cultura local. Aparecida é a cinegrafista e a fotógrafa. Manda na câmera preta de papelão. A amiga Wellita é a principal repórter e também apresentadora do canal.

De cultura e agricultura familiar a ações sociais e questões do cotidiano, passando por esporte e temas externos, o canal cobre tudo o que pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida no quilombo. No momento, as atenções estão voltadas para as duas etapas de vacinação dos moradores contra a covid-19 - os quilombolas estão incluídos nos grupos prioritários do Programa Nacional de Imunização (PNI).

“Sou fraquinha e doente. Estava contando os dias para me proteger dessa doença feia. Graças a Deus a vacina chegou”, disse à equipe da TV Quilombo Odília Matriz, uma das idosas da comunidade, logo após tomar a primeira dose. Cinco moradores tiveram o resultado positivo para a doença desde o início da pandemia. Todos estão assintomáticos. 

As imagens feitas por Raimundo e sua turma são transmitidas nas páginas do canal no Facebook, Instagram e YouTube.

Até o início da pandemia, as principais produções da equipe eram também projetadas para os moradores, uma vez por semana, em paredes da escola local, que hoje cede um espaço para os estúdios. “Reduzimos essa ação com a epidemia, mas voltaremos com força para incluir quem não teve como nos ver, uma vez ou outra durante a semana, nas redes sociais”, promete Raimundo.

Canal cobriu vacinação de pessoas da comunidade, como Dona Odília, contra Covid 19
Canal cobriu vacinação de pessoas da comunidade, como Dona Odília, contra Covid 19 Canal cobriu vacinação de pessoas da comunidade, como Dona Odília, contra Covid 19

Em 2018, a utilidade e a delicadeza do projeto foram reconhecidas com o prêmio principal do 1° Festival de Cinema Móvel de Brasília na categoria "Mídia Alternativa". “Não houve premiação em dinheiro, mas a visibilidade foi positiva. Incentivou-nos a expandir o trabalho”, detalha Raimundo. A principal iniciativa de ampliação foi o lançamento, em setembro de 2020, da rádio comunitária Quilombo FM, que fica no ar das cinco da manhã às dez da noite, em 105,9 MHz.

Os R$ 3 mil para a compra dos equipamentos da rádio - uma mesa de som, um modesto transmissor, um computador e um par de microfones - vieram de uma vaquinha feita entre os próprios fundadores. Os gastos mensais com material, de cerca de R$ 600, também são pagos pela equipe.

Os cinco jovens da rádio e da TV Quilombo ainda não lançaram projetos de captação de recursos. “Mas deveremos fazer algo nessa linha, provavelmente pela internet, assim que a pandemia estiver razoavelmente controlada. Precisamos melhorar as instalações do espaço onde trabalhamos na escola”, avisa Raimundo. Interessados em informações poderão entrar em contato pelo e-mail rampatvquilombo@gmail.com.

O projeto andou, em grande parte, pela paixão dos cinco por jornalismo e televisão. “Se Deus quiser, um dia teremos condição de estudar e de atuar em um grande grupo de comunicação”, acredita Raimundo. “Por enquanto, seguimos ajudando a comunidade fazendo coisas que nos dão prazer”. Uma elogiável união do útil ao agradável.

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