Afropatys provam que 'preta' e 'dinheiro' não são palavras rivais
Elas fazem o luxo delas, mas com muito trabalho! Conheça mulheres negras que exibem um estilo de vida sofisticado na internet
Viva a Vida|Hysa Conrado e Nayara Fernandes, do R7

Você se lembra de quando o apelido “patricinha” era uma forma de rotular garotas ricas e loiras dos anos 90? Na nova geração marcada pela aceitação estética e empoderamento financeiro, mulheres negras dão uma nova cara à brincadeira. Em 2020, batalhar para ter uma vida de “afropaty” virou uma referência de influenciadoras e famosas como a cantora Ludmilla que, por sua vez, inspiram suas seguidoras. Elas fazem o luxo delas, sim! Mas com muito trabalho.
“Mulheres negras têm mudado a lógica de mercado à medida que conseguem ter acesso a renda”, é o que explica Adriana Barbosa, fundadora do maior evento de empreendedorismo negro da América Latina, a Feira Preta. No Instagram o termo corresponde à hashtag usada em 5 mil publicações no Brasil. Já no Tik Tok, movimenta mais de 200 mil visualizações até o momento. Como toda brincadeira que traduz realidades, a febre das afropatys é sintoma de uma nova visão sobre negritude, ocupação de espaços e demandas de consumo. “À medida que a população negra se reconhece, ela inevitavelmente procura produtos que qualifiquem sua identidade”, explica Barbosa.
“Um desses momentos foi a reivindicação do mercado de beleza. Foram as mulheres negras que começaram a falar como gostariam de consumir produtos para cabelo, inclusive deixar de alisá-lo. Com a população negra falando sobre a questão racial, ela também começa a desejar consumir aspectos culturais como peças de teatro, músicas, livros”.
De acordo com a pesquisa da última edição da Feira Preta, as três categorias de produtos mais comprados são roupas, acessórios e produtos de beleza. Para explicar a cronologia do consumo da população negra no Brasil, Adriana Barbosa cita eventos como a criação da Revista Raça, em 1995, passando pelo grupo Racionais ganhando o prêmio MTV, em 1998, o início da Feira Preta, em 2001, Gilberto Gil como ministro da cultura, em 2003, e a Marcha do Orgulho Crespo, em 2015. “Esse movimento acontece não só pela força do capital, mas pela questão do acesso a renda e autodeclaração”.
Elas fazem o luxo delas

Monique Berçot (@moniiquebercot), 25, fez do seu estilo de vida um negócio. À frente do Luxuoso Dia, sua empresa de eventos, ela se define como uma “organizadora de dias perfeitos”. Antes de colocar a ideia em prática, Monique começou como uma influenciadora que tem a sofisticação como marca registrada. O perfil do Instagram, organizado em posts sobre vinhos, passeios, bons restaurantes e autocuidado, chama a atenção para o cotidiano de uma mulher que não dispensa o glamour, mas sem tirar os pés do chão.
“Primeiro mostrei tudo que sei fazer, deixei as pessoas me verem, para depois transformar isso em um empreendimento”, contou em entrevista ao R7. “Luxo muitas vezes as pessoas acham que é caro, mas não é necessariamente. Eu prego o bem-estar, o viver bem, desde sair para bons restaurante a criar essa sensação de luxo dentro de casa com o que você tem... Para mim, sofisticação é muito além do que você tem na sua conta bancária”, afirma.
Mas foi depois de um tweet, publicado em junho, que ela se tornou uma referência de afropaty na internet. “Nunca assisti uma youtuber negra falando de vinhos, gastronomia, mesa posta, etiqueta e afins. Então eu serei essa youtuber! Te convido a me acompanhar pra ver vivências diferentes de uma jovem mulher negra no Brasil”, diz o post, que já soma mais de 49 mil curtidas.
O reconhecimento veio a galope, e não é difícil imaginar o porquê. Quando o assunto é espaço de fala, pessoas negras costumam ser lembradas apenas para falar sobre racismo e suas consequências. Mas, acredite, há outros temas a serem compartilhados. “Meu Deus, como eu esperei pra ver uma preta ocupar esse local, hoje mesmo eu falei que o YouTube ainda era a rede social que eu seguia mais brancos, por falta de negros falando de diversos assuntos. Obrigada por não desistir”, escreveu uma das seguidores de Berçot na plataforma de vídeos.
Em seu canal, a youtuber já falou sobre sua trajetória no empreendedorismo, ensinou a montar mesa, a escolher um bom vinho, compartilhou conquistas, fez diário de bordo das suas viagens e receitas deliciosas. Mas um dos vídeos que chama a atenção recebe o título de “O meu método de lazer: ‘o mínimo que eu mereço’”, em que ela explica que “o autocuidado é meu luxo”.
“Nascemos para herdar o melhor da terra”

Lorenna (@badgallore), que agora assina com o sobrenome de Badgall em referência a sua marca de produtos para cabelo, começou a empreender aos 19 anos e hoje, aos 21, é referência de sucesso e glamour. “Consigo ter tudo que nunca tive e nunca achei que teria por causa da minha realidade de antes. É uma sensação de poder. Me sinto bem metida e minha meta é realmente ser muito bem sucedida”, afirma.
A chave para o sucesso nos negócios, segundo conta a empreendedora, é a proximidade com as clientes. Lorenna mantém um bate-papo diário com mais de 530 mil seguidores no Instagram.
“Sempre amei meu cabelo e quase nunca achava algum produto que ficasse realmente bom nele, então inicialmente a ideia era apenas produtos para cabelos crespos e cacheados”, conta. "Eu não sabia se daria certo, mas deu, e muitas começaram a questionar e pedir produtos para lisas também. Meus clientes e seguidores chegam até mim, converso com eles e trocamos ideias, somos íntimos e isso faz toda diferença”.
“A imagem que eu quero passar para pretas e pretos é que a gente pode chegar aonde quiser. Nascemos para isso, para realizar todos os sonhos bons. A vida é só essa e temos que nos dar o luxo de sermos afropatys. Temos que ter não só bagagens de sofrimento, pois nascemos para herdar o melhor da terra”, afirma a empresária.
“As pessoas subestimam o poder de consumo da mulher negra"

Questionada se intitularia a si mesma como uma afropaty, a produtora de conteúdo de lifestyle Débora Luz (@deboraluzoficial), 31, não hesita na resposta: “Com certeza”. Proprietária do “Clube da Preta”, marca de assinatura de moda e acessórios afro, Débora defende o consumo de empreendedores negros como estratégia para “furar a bolha”.
“Sempre falo no poder de escolha. De produtos acessíveis a marcas de luxo, priorizo e divulgo profissionais negros: faço acompanhamento na nutricionista e consulto uma dermato especialista em peles negras”, conta Déborah. Com mais de 150 mil seguidores, a influenciadora conta que não é raro ser questionada sobre os lugares que frequenta.
“Certa vez, recebi o convite de uma marca para me hospedar em um hotel de luxo. Quando cheguei, a recepcionista não me deixou subir e tive que pedir para que a dona da agência que cuidava da campanha pudesse me liberar. As pessoas subestimam muito o poder de consumo de uma mulher negra”.
O boom de produtos para cabelos cacheados dos últimos cinco anos não passou despercebido pela influenciadora: “Uma mulher de cabelo liso consome uma moeda de creme, já eu uso um pote. As empresas tiveram a sacada de que a gente consome mais produtos e deixa de fazer algumas coisas para cuidar do nosso cabelo”, explica Débora. “O cabelo diz muito sobre a autoestima da mulher negra pelas questões estéticas que a gente sofreu.”