Chefs sul-coreanos misturam estilos e redefinem a arte da confeitaria
Sobremesas fazem sucesso e estrelas do "Guia Michelin" e influência no mundo da gastronomia
Viva a Vida|Elyse Inamine, do The New York Times
No hotel Park Hyatt, em Paris, Narae Kim combina a pera-nashi, que costumava comer em Dangjin, na Coreia do Sul, e a pera williams, frequentemente usada na eau de vie, em uma sobremesa atraente: um leque de fatias da williams, algumas marinadas em chá de jasmim e outras cozidas em óleo de bergamota, ao lado de quenelles de sorbet de pera e mandioca, tudo coberto com pequenas esferas de licor de pera-nashi.
Desde muito jovem, Kim queria estudar pâtisserie na França. Teve aulas de confeitaria e panificação no ensino médio, além de ter participado de difíceis competições de confeitaria na faculdade na Coreia do Sul.
Quando pensa em uma sobremesa, sempre começa com frutas como damasco, melão e cereja, que colhia no quintal de casa quando criança, e constrói suas ideias usando as habilidades da confeitaria francesa que desenvolveu ao longo da carreira. "Não penso em criar algo com um toque coreano. Surge naturalmente."
Kim, de 33 anos, é apenas uma chef, entre vários nascidos na Coreia do Sul, que buscaram formação culinária francesa, mas, no processo, criaram um gênero distinto de confeitaria. Embora seus caminhos sejam diferentes, seu trabalho está definindo uma categoria crescente nessa arte que não se limita nem à Coreia do Sul, nem à França. Gera longas filas, garante estrelas do "Guia Michelin" e exerce influência em todo o mundo da confeitaria.
Esses chefs moldam uma mousse de milho, ligeiramente adocicada e fofa, em espigas cartunescas e colocam praliné de pinole em um Mont Blanc minimalista. Temperam madeleines com molho de soja e financiers com batata-doce.
Seus doces são diferentes daqueles que os clientes podem encontrar na Tous Les Jours ou na Paris Baguette, as duas redes de padarias sul-coreanas amadas que apresentaram aos moradores locais os pãezinhos recheados com salsicha, os pães de creme aerados e outras criações exclusivamente franco-asiáticas. Para alguns dos chefs que levaram a fusão mais longe, essas padarias foram a porta de entrada para o mundo da confeitaria francesa.
Saborear uma dessas delícias era tanto um ritual de domingo para Erica Abe quanto ir à igreja em Seul quando menina. Depois do culto, sua mãe a levava para escolher uma guloseima em uma Paris Baguette próxima. "Acho que é minha primeira lembrança da confeitaria", afirmou Abe, de 37 anos, primeira chef pasteleira asiática do Benu, o renomado restaurante de menu degustação em San Francisco.
Após descobrir os chefs confeiteiros na TV quando adolescente, Eunji Lee, de 35 anos, apresentou aos pais um plano de dez anos para estudar na França, que acabou por transformá-la em "uma das melhores chefs confeiteiras do mundo". Ela os convenceu, mas, para entender a técnica culinária francesa, Lee precisava entender francês.
Estudou livros de receitas franceses para se familiarizar com a terminologia antes de se mudar para Rouen e se dedicar à panificação no Institut National de la Boulangerie Pâtisserie e à confeitaria na Ferrandi Paris. "Como meu francês não era cem por cento perfeito, se eu quisesse acompanhar a aula e tudo o mais, precisava estudar mais do que os outros."
Começou a experimentar ingredientes coreanos como óleo de gergelim e pasta de feijão-vermelho enquanto trabalhava no Ze Kitchen Galerie e no Le Meurice em Paris. Mas só desenvolveu totalmente seu perfil ao ser contratada pela filial do Jungsik em Nova York, o inovador restaurante coreano de alta gastronomia.
Lá, fez uma versão própria do Paris-Brest, com folhados de creme de arroz integral e praliné de noz-pecã, que batizou de N.Y.-Seul. Desde então, Lee aprimorou seu estilo na Lysée, a confeitaria que abriu com o marido, o chef Matthieu Lobry, há quase um ano no bairro de Flatiron, em Manhattan.
Bomee Ki, que é de Gwangju, na Coreia do Sul, estudou confeitaria no Le Cordon Bleu, em Londres, por uma razão estratégica: falava inglês, mas não francês.
Problemas de visto, obstáculo comum para chefs internacionais, a levaram de volta à Coreia do Sul. Começou uma família com o marido, o chef Woongchul Park, e por um momento considerou deixar o estresse da vida de restaurante. Mas nunca esqueceu seus sonhos de confeitaria.
Depois de quase um ano à espera de um visto de empreendedor, ela e Park voltaram a Londres para abrir a Sollip, que recebeu uma estrela do "Guia Michelin" no ano passado. Seu pain perdu parece mais uma rocha de lava do que uma rabanada: camadas crocantes de seoritae, grãos de soja preta com nozes, sobrepõem-se para formar um pico sobre o sorvete de seoritae, nozes-pecã caramelizadas e brioche embebido em baunilha.
"Estamos tentando fazer nossa comida com base na comida francesa, mas somos coreanos. Estamos acostumados à comida coreana e a aprender com as mães coreanas. É assim que pensamos. Naturalmente, isso vai aparecer em nossa alimentação, e torna nossa comida e nosso lugar muito especiais", disse Ki, de 35 anos.
Outros chefs confeiteiros, como Yona Son, tiveram de seguir a formação francesa de maneiras menos convencionais. Após se formar em programas de arte culinária em Busan, na Coreia do Sul, onde cresceu, e em Nova York, Son comprou cerca de 50 livros de receitas americanas e francesas de biscoitos, bolos, pães e doces profissionais, e assistiu a chefs de confeitaria famosos como Cédric Grolet e Amaury Guichon trabalhando no YouTube. Nada a preparou para um período de sete anos e meio no Jungsik, em Nova York e em Seul.
"Como o Jungsik é o primeiro restaurante fino na Coreia, não há nenhum exemplo de sobremesa coreana moderna. Tive de criar tudo do zero, já que não tinha exemplos", contou Son.
Em sua padaria em Seul, a Patisserie Armoni, ela aromatiza os financiers com batata-doce, bolo de arroz com gergelim preto e feijão, e hallabong, a tangerina coreana. Passa seus biscoitos delicados na ganache feita de pasta de soja frita e caramelo. "Armoni é como 'harmonia' com sotaque francês. Eu queria harmonizar as coisas coreanas e as sobremesas europeias ou americanas", explicou Son, de 33 anos.
Para os chefs nascidos fora dos Estados Unidos que estão entrando no mundo insular da alta gastronomia americana, o senso de comunidade é fundamental. Havia muito, Abe admirava Corey Lee, o chef do Benu: "Senti uma espécie de afinidade. Ele era coreano-americano como eu, e se mudou para os Estados Unidos ainda jovem. Foi muito bem-sucedido no que fez. Eu o via como um modelo."
Ela segue os pontos de referência coreanos do menu para suas sobremesas, recheando o hwagwaja, bolo coreano tradicional feito de feijão-branco e arroz, com um praliné de nozes e caqui em conserva. Criou uma versão adulta do bolo coreano chamado Choco Pie com conhaque, sorvete de baunilha e uma dacquoise com trigo integral. "É a primeira vez na minha carreira que me sinto orgulhosa de representar a culinária coreana em um nível tão alto", comentou Abe.
No Ocidente, onde ingredientes, técnicas e sobremesas tradicionais coreanas não estão vinculados às mesmas expectativas culturais, esse estilo de confeitaria tem sido bem recebido. Mas, na Coreia do Sul, pode ser necessário certo ajuste dos confeiteiros e dos clientes.
A Patisserie Jaein, em Seul, não tem apenas delícias simples nem é um ponto de encontro para amigos, como é comum em cidades densamente povoadas em toda a Ásia. Jaein Lee, o chef confeiteiro, recusa-se a vender café e coloca ingredientes coreanos como bardana amadeirada e molho de soja em produtos franceses tradicionais, como o mille-feuille e a madeleine.
"O feedback negativo sempre existe. 'Não é tão saboroso quanto o esperado, muito doce, pouco delicado, não vende café' etc. Transformamos o retorno negativo em retorno bom à medida que aperfeiçoamos nosso estilo", observou Lee, de 35 anos.
Para Son, da Patisserie Armoni, tem sido desafiador atrair clientes em potencial que entram em sua padaria em Seul. "Eles acham que o doenjang precisa de sopa ou molhos, mas pode ser com chocolate", contou. Mesmo assim, persevera, aproveitando o movimento que ela e os confeiteiros da Coreia do Sul iniciaram. "Quero fazer uma coisa que ainda não exista."
c. 2023 The New York Times Company