Culpa e crença na mudança impedem denúncia de violência
Psicóloga explica o motivo que leva muitas mulheres, como Pamella Holanda, a demorar para denunciar agressões em casa
Viva a Vida|Brenda Marques, do R7

"Eu me calei por muito tempo! Eu sofria com minha filha, sem apoio até dos que se diziam estar ali para ajudar, que eram coniventes e presenciavam tudo calados, sem interferir com a desculpa que eu tinha que aguentar calada porque era o 'jeito dele'. Era esse 'o temperamento dele' e que se eu quisesse viver com ele teria que me sujeitar e ser submissa!", escreveu Pamella Holanda em suas redes sociais após expor episódios das absurdas agressões físicas que sofria do DJ Ivis, seu então companheiro.
Culpa, medo, esperança de que o agressor mude e baixa autoestima são os principais sentimentos que impedem vítimas de violência doméstica de denunciar os seus algozes, de acordo com a psicóloga Adriana Severine, especialista em terapia cognitivo-comportamental.
"Normalmente, as mulheres têm muita dificuldade de denunciar. Porque a pessoa violenta volta, pede desculpa e diz que vai melhorar. E como você está muito envolvida, a tendência é acabar acreditando nisso", afirma.
"Além disso, a nossa autoestima e autoconfiança estão la no pé. Com isso, a gente acaba acreditando que ele agiu assim por causa de algo que fizemos. Esse mecanismo de acreditar que a culpa é nossa se intensifica a cada nova agressão. E a gente acha que qualquer atitude nossa, por exemplo, falar com ele em um momento inoportuno, seria motivo para a agressão", acrescenta a especialista.
Ciclo da violência
A psicóloga explica que o ato de pedir desculpa e demostrar arrependimento é típico de abusadores e faz parte do chamado "ciclo da violência", composto, respectivamente, por três fases: aumento da tensão, ataque violento e lua de mel.
"Durante o relacionamento abusivo, se você só apanhasse, seria mais fácil ir embora. Mas acontece que o abusador volta e a mudança de comportamento dele é gritante. Ou ele volta como se nada tivesse acontecido ou se mostra muito arrependido. E aí te dá carinho, te dá presente", descreve, em relação à fase da lua de mel.
"Por isso, sozinha, a pessoa não consegue sair desse ciclo. É muito difícil, porque ela não consegue perceber que está sendo abusada", completa.
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Adriana também destaca que a cultura da sociedade também exerce papel importante na manutenção de relacionamentos abusivos, na medida em que ensina para as mulheres desde a infância - muitas vezes por meio de atitudes sutis - que elas têm o dever de estar em um casamento.
"Há um medo muito grande de ficar sozinha, até por causa da nossa cultura machista. Nós, mulheres, somos criadas para casar e ter filho. Há uma cobrança social muito grande em cima disso", enfatiza.
"E, às vezes, você nem sabe se esse estilo de vida é um sonho seu. Você internaliza ele sem ter parado para pensar se realmente quer isso, por meio de um processo que ocorre desde a infância. Por meio de pequenas coisas, como comentários do tipo 'se sabe cozinhar, já pode casar', que vão entrando no incosciente", completa.
Interferir é preciso
A especialista destaca ainda que a omissão de outras pessoas que presenciam casos de violência contra a mulher, como aconteceu com Pamella, são a expressão concreta da ideia equivocada de que "em briga de marido e mulher não se mete a colher".
Nas gravações divulgadas por Pamella, um homem e uma mulher, que ela explicou ser sua mãe, presenciam o espancamento e não fazem nada para defendê-la.
"Essa ideia de que não se pode interferir continua tão vigente que o instinto de proteção [da mãe] se calou. Já o cara tenta intervir. Inclusive, ele gesticula e balança a cabeça, mas depois desiste. Então mostra que aquela situação é algo recorrente", afirma Adriana.
Ela reitera que a intervenção em casos de violência contra a mulher é essencial e pode impedir que o episódio se agrave, terminando em um feminícidio: o assassinato de uma mulher pelo fato de ela ser mulher. "Não é falta de educação se intrometer. É salvar uma vida", resume a psicóloga.
Para denunciar uma situação de violência doméstica, ligue 180. A Central de atendimento à Mulher funciona 24 horas em todo o país e também no exterior.