‘Homesteading’: estilo de vida autossuficiente ganha novos adeptos, que não largam a web
Cada vez mais jovens decidem sair da vida urbana e morar em áreas florestais, enquanto mostram seu modo de vida na internet
Viva a Vida|Jack Crosbie, do The New York Times
O endereço de Nate Petroski não ajuda os visitantes a encontrar a casa dele. Para localizá-la, é preciso ter coordenadas GPS específicas para um ponto nas profundezas dos Montes Apalaches, na Virgínia Ocidental, além de instruções precisas sobre como chegar lá. Muitas estradas da região são intransitáveis sem que se tenha um quadriciclo para atravessar vários riachos e inclinações lamacentas.
É muito mais fácil visitá-lo on-line.
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Petroski, de 39 anos, é um notável criador de vídeos do movimento homesteading atual. Está determinado a viver uma vida de quase total autossuficiência, “fora da rede”, ou desligado das linhas de energia, água, gás e telecomunicações que conectam a maioria dos endereços residenciais nos Estados Unidos. Mas, em vez de abraçar a vida reclusa, frequentemente associada a homesteaders isolados em áreas rurais, Petroski é extremamente produtivo na esfera on-line, transmitindo sua vida diária para milhões de seguidores nas mídias sociais.
Sua propriedade, conhecida como NarroWay Homestead, é uma das atividades mais sofisticadas e mais observadas em um nicho crescente de criadores on-line que documentam seus projetos de vida sustentável – também chamados de off-grid (fora da rede) – em todo o país. Muitas vezes, promovem um modo de vida que parece diametralmente oposto aos meios que usam para compartilhar como vivem e trabalham.
“Quase tudo que possuo é um híbrido de conhecimento antigo e tecnologia moderna”, disse Petroski, explicando que a água que consome é a da chuva que escorre do telhado da casa para um sistema de canos e tanques autofiltrantes e que depois é bombeada para os prédios por bombas elétricas movidas a energia solar.
Petroski se mudou para a propriedade em março de 2020, depois de deixar o emprego como empreiteiro na Pensilvânia. Morava em um trailer enquanto, lentamente, levava utensílios e materiais de construção para o local onde está agora, que ocupa mais de 400 mil metros quadrados dentro da floresta virgem dos Apalaches. A área é remota, mas não desabitada: residências conectadas à rede, pequenas casas e trailers estão espalhados em clareiras e prados interligados por estradas de terra e cascalho. “Se você vai se estabelecer em uma propriedade rural, encontre um lugar onde as pessoas vivam do jeito que você quer viver. Convivo com pessoas que aceitam esse estilo de vida”, comentou.
O homesteading moderno não requer que a pessoa tenha um objetivo ferrenho e doutrinário. Aquilo que pode ser considerado “homesteading” é uma visão. Vai além do desejo estético da “tradwife”, ou esposa tradicional, cuja melhor amostra é a conta Ballerina Farm, gerida por Hannah Neeleman, que mostra nas redes sociais como ela cuida de oito filhos em um rancho em Utah. Outro exemplo é William Uhlhorn, homem comum da Geração Z, constantemente coberto de fuligem, que documenta seu esforço para construir abrigos primitivos em ambientes não ocupados até então. Há também os influenciadores que moram em uma casa minúscula, os que vivem em uma van convertida em lar (#VanLife) e outros que saíram para fora da rede muito antes de a vida on-line existir e de descobrirem que tinham potencial para a fama na internet.
“A grande ideia do movimento moderno de homesteading é que, em vez de tentar mudar o mundo coletiva e publicamente, as pessoas tentam remodelar sua esfera privada – seu mundo, sua casa, sua pequena rede. Estão mudando sua vida, mas querem que outras pessoas vejam como isso é feito e que sigam o exemplo”, explicou Jordan Travis Radke, sociólogo que estudou o movimento.
Ultimamente, Uhlhorn, também conhecido como “Will Survives”, trabalha em outro lote de terra de propriedade de Petroski, a apenas 15 minutos de NarroWay. O primeiro contou que esse projeto começou depois de tentativas que tiveram de ser abortadas, no Oregon e no Novo México.
Nos últimos meses, ele e seu amigo de infância, Jesse Ross – que também é seu cinegrafista –, têm vivido em um arranjo desorganizado de tendas e veículos, enquanto constroem uma estrutura erguida no chão da floresta.
NarroWay, por outro lado, poderia muito bem ser o hotel cinco estrelas da região. A propriedade tem um pequeno complexo de edifícios, incluindo um espaço de convivência de cerca de 27 metros quadrados equipado com fogão a lenha, ar-condicionado, água corrente, máquina de lavar e secar roupa, chuveiro quente e internet de alta velocidade – ou seja, todos os confortos da rede elétrica sem ter de pagar nenhuma taxa de serviços públicos.
Em companhia da esposa, Jen, Petroski cria patos e coelhos e mantém um pequeno jardim, mas o casal ainda compra a maior parte da comida na cidade, cozinhando em uma instalação ao ar livre em fogões elétricos movidos a energia solar. Um pequeno chihuahua, chamado Minion, geralmente está perto de Petroski, e um atencioso cão de guarda de rebanho de quase 80 quilos, chamado Aslan, supervisiona o resto da propriedade.
Petroski não segue horários rígidos: dorme quando quer e acorda quando quer. Seus dias são gastos nas inúmeras tarefas que um proprietário rural moderno enfrenta: consertar painéis de energia solar, alimentar os animais, verificar o sistema de coleta de água da chuva e, claro, preencher seus feeds de mídia social com vídeos dele mesmo fazendo essas tarefas. “Tive de reaprender muito. Fico aqui inventando minhas coisas e digo: ‘Ei, pessoal, olha o que aprendi!’”
Esse entusiasmo contagia seus milhões de fãs na rede, muitos dos quais interagem regularmente com Petroski em seus canais do Discord e na área de comentários. Suas postagens são comentadas por outros proprietários rurais que compartilham experiências. São pessoas comuns que opinam sobre projetos do tipo “faça você mesmo”, e há um fluxo constante de perguntas sobre como Petroski começou o trabalho.
Adam Judy, de 24 anos, que faz a moderação da comunidade NarroWay Discord, disse que foi atraído pelos vídeos de Petroski no TikTok porque mostravam um modo de vida diferente e o apresentaram o a um grupo de pessoas que pareciam buscar a mesma coisa. “Definitivamente, é uma comunidade unida”, acrescentou.
Radke observou que os adeptos do movimento homesteading vêm de origens e posições políticas variadas, mas geralmente estão unidos por um sentimento comum: “Embora o sistema e a estrutura social nos quais estão inseridos não possam mais ser mudados, seu estilo de vida individual pode.”
Nos vídeos, a única inclinação política discernível de Petroski é o senso de individualismo, temperado por realidades inerentes à sua existência remota. Em Narroway, um AR-15 com uma mira de baixa luminosidade está pendurado ao lado de sua cama. Certa manhã, uma rajada de tiros ouvidos em uma propriedade vizinha fez Petroski voar pela estrada em um quadriciclo para investigar, com o fuzil preso ao corpo. Era apenas um vizinho que estava testando entusiasticamente um novo rifle.
Uhlhorn é igualmente reticente em questões políticas, embora tenha dito que a vida na floresta lhe ofereceu algo que a sociedade negava: um propósito e uma vocação. Sua jornada começou quando estava sentado em um sofá durante a pandemia navegando pelo TikTok. “Pensei: cara, preciso preencher meu tempo. Então, fui para a floresta com uma pequena serra manual e tentei fazer alguma coisa.”
Contou que, ao perceber que poderia transformar o trabalho árduo e a presença on-line em uma carreira, se sentiu envolvido em algo encorajador: “Eu sempre quis trabalhar para mim mesmo e sobreviver assim. Esta é uma ótima maneira de me esforçar, me desafiar e melhorar como pessoa.”
O objetivo de longo prazo de Petroski é abrir uma escola de homesteading em sua propriedade e compartilhar com outras pessoas o conhecimento duramente conquistado. Mas, antes disso, precisa se preparar para o inverno. O novo aquecedor de água, por exemplo, tem de ser isolado antes que as temperaturas caiam até o ponto de congelamento.
Enquanto isso, está orgulhoso do progresso que fez: a água encanada, a eletricidade renovável e a comunidade on-line que construiu em torno de seu projeto. “Tornei a vida luxuosa, e fiz isso com as próprias mãos”, disse Petroski.
c. 2024 The New York Times Company