Ampliação do consignado pode promover endividamento e mais prejuízos ao bolso do brasileiro
Maior oferta de crédito sem educação financeira pode aumentar o gasto em apostas e número de golpes

As estatísticas apontam que boa parte dos brasileiros vive em uma espécie de analfabetismo financeiro e, obviamente, o resultado disso se traduz em altos níveis de endividamento e recordes de inadimplência.
Considerando os dados de diversos levantamentos, (detalhados no final do texto), o brasileiro médio não tem conhecimento financeiro, não possui dinheiro guardado, não tem noções de investimento e não sabe ao certo quanto ganha e quanto gasta (mas 70% afirmam gastar tudo ou mais do que ganham mensalmente).
Em geral, a população também não tem conhecimento de que o crédito rotativo do cartão possui uma das maiores taxas de juros do mundo. Por isso, mesmo havendo outras modalidades, oito em cada dez inadimplentes têm esse tipo de dívida.
Embora essa seja a realidade do país há anos, o governo federal pretende ampliar o acesso ao crédito. A proposta, que deve vigorar ainda neste ano, é criar uma plataforma de empréstimo consignado para todos os trabalhadores em regime CLT (com carteira assinada).
Levando em conta o histórico brasileiro, maior oferta de crédito para uma população com baixo nível de educação financeira significa aumento do endividamento a curto prazo (pois empréstimo é dívida) e possível ampliação da inadimplência a médio prazo.
Inon Neves, executivo com 23 anos de experiência em desenvolvimento de negócios, chama a atenção para duas questões estruturais em relação à ampliação da oferta de crédito: as plataformas de apostas, que se tornaram uma epidemia no país, e o alto número de golpes com empréstimos.
“A oferta de crédito de baixo custo e as famosas ‘bets’ representam um dos maiores desafios nesse sentido. Soma-se a isso, também, o fato de que a plataforma pode aumentar ainda mais o número de casos de golpe usando o mecanismo do crédito consignado”, afirma Neves e acrescenta: “Em 2022, os Procons brasileiros registraram um volume de 57.874 queixas de golpes envolvendo empréstimos consignados, o que equivalia a mais de seis denúncias por hora”.
De acordo com a Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), uma em cada quatro pessoas no Brasil sofreu tentativas de golpe em 2024 e cerca de 50% das pessoas foram vítimas, totalizando 5 milhões de fraudes em apenas doze meses.
É importante conscientizar a população de que, apesar de o acesso ao crédito ter certas vantagens, empréstimo não é benefício, mas uma dívida, e que recorrer a esse tipo de operação quando o orçamento já está comprometido só piora o problema.
É necessário que o brasileiro busque educação financeira para tomar o controle do próprio dinheiro, deixando de ser presa fácil para golpistas e tendo ciência do impacto dos juros nas operações financeiras.
Confira os dados
Relação dos brasileiros com o próprio dinheiro:
- 41% dos brasileiros sabem pouco ou quase nada sobre educação financeira;
- 67% não têm nenhum dinheiro guardado;
- 45,8% não têm controle sistemático do orçamento;
- 70% gastam tudo ou mais do que ganham;
Números da inadimplência no Brasil:
- Número de inadimplentes (CPF negativado): 74,6 milhões
- Volume de dívidas: 281 milhões (70 milhões a mais do que o número de habitantes)
- Valor médio de dívidas: R$ 5.617,00 por pessoa (superior ao salário médio no país: R$ 3.225/mês)
- Principal dívida: cartão de crédito (83,9%)
- Valor total das dívidas: R$ 419 bilhões (quase o equivalente ao PIB do Uruguai em 2023)
Impacto das apostas (bets):
- 46% dos inadimplentes já apostaram em bets para pagar dívidas
- 29% acreditam que apostas é uma forma de “renda extra”
- 57% dos endividados ficaram inadimplentes (com o CPF negativado) depois de começarem a apostar
- Um em cada dez negativados já fez empréstimo para apostar
- 13% dos endividados já deixaram de pagar contas para apostar
- 13% dos apostadores entraram no limite da conta bancária para apostar
- R$ 240 bilhões foram gastos com apostas somente em 2024
Fontes: Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas, Serasa, janeiro/25; E-Investidor, SPC Brasil e CNDL (comportamento financeiro), Serasa/Opinion Box e CNC (apostas)