Análise: A triste geração “ninguém manda em mim”
Muitos jovens têm sido vítimas de suas más escolhas por confundirem regras e conselhos com ordens e ofensas
Patricia Lages|Do R7

Esses dias estava ouvindo um bate-papo muito interessante em uma rádio sobre AIDS e HIV. Foi triste saber que o número de mortes tem aumentado entre os mais jovens nos últimos anos e, no mínimo curioso, ouvir as razões que têm feito essa estatística subir.
Entre as possíveis causas foram listadas: a crença que os jovens têm de que, se tiverem que viver com HIV, levarão uma vida normal devido aos avanços da medicina (o que é um equívoco); o fato de a geração X — talvez a mais impactada pela doença — achar que os filhos já sabem tudo a respeito; e a falta de campanhas por parte do governo.
Mas, uma fala que me chamou a atenção foi a de uma das entrevistadas que afirmou que, hoje, as campanhas que deram certo no passado jamais funcionariam. Isso porque, a frase “use camisinha”, só vai fazer os jovens desta geração não usarem. Hoje em dia, as pessoas não recebem “ordens desse tipo”.
Para a geração Y, o slogan simples e objetivo das campanhas dos anos 1990, é ofensivo, imperativo e soa como ordem. Portanto, uma fala com essa entonação, teria pouca ou nenhuma adesão de uma geração que elevou à quinta potência a frase infantil “ninguém manda em mim”.
É claro que nenhum jovem, de qualquer geração, é fã de receber ordens. Uma certa dose de rebeldia faz parte da adolescência. Porém, em um contexto como esse, me pareceu estranho que uma das grandes preocupações seja desenvolver uma linguagem que não “fira” nem “ofenda” os ouvidos sensíveis dessa geração.
Diante disso, as questões que brotam em minha mente vão ficando cada vez mais difíceis de responder, afinal, como educar uma geração sem poder dizer com clareza o que devem fazer? Como manter um diálogo franco se qualquer palavra, por mais simples que seja, pode ser interpretada como uma ofensa?
Como sociedade, o Brasil está muito aquém do que deveria. A desigualdade social é gritante e os remendos feitos pelos governos não equilibraram a balança. Logo, politicamente correto deveria ser comida na mesa, saúde, educação e liberdade de andar nas ruas com segurança, e não essa “patrulha do idioma” que tenta podar cada vez mais a objetividade da comunicação.
Se tomarmos o caminho de mascarar os problemas que exigem um debate franco e aberto por medo dessa assombração constante de sermos julgados como politicamente incorretos, a pergunta que fica é: onde vamos parar?
Patricia Lages
É jornalista internacional, tendo atuado na Argentina, Inglaterra e Israel. É autora de cinco best-sellers de finanças e empreendedorismo, palestrante e conferencista do evento “Success, the only choice” na Universidade Harvard. Apresenta quadros de economia na TV Gazeta e RecordTV e é facilitadora do programa mundial WomenWill – Cresça com o Google.