Análise: Cultura e beletrismo não são sinônimos de inteligência
Cultura geral e conhecimento literário não definem a inteligência, pois o que mais se vê são pessoas cultas sem noção da vida real
Patricia Lages|Patricia Lages

Certa vez um de meus professores contou em sala de aula que lecionar é algo muito difícil porque simplesmente há pessoas que, na opinião dele, não estariam “preparadas para aprender”. Para ilustrar o que queria dizer, ele contou que sua diarista perguntou o que era filosofia enquanto limpava sua estante de livros. Estranhando a pergunta, ele respondeu com outra: “você se interessa por filosofia, Rose?” E a resposta veio à queima-roupa: “Como eu posso me interessar por uma coisa que não sei o que é? O senhor está no mundo da lua?”
O professor continuou: “Melhor você descer daí e sentar para eu explicar.” Mas a Rose, sem descer da escada, respondeu: “Quando eu comecei a trabalhar como diarista, muito tempo atrás, as pessoas não sabiam o que era. Então, eu percebi que diarista é só uma pessoa que trabalha por dia. Então eu arranjei uma forma mais fácil de responder: faço faxina e cobro por dia. Pronto, todo mundo entende! Ser professor devia ser assim também, o senhor não acha? Vocês deveriam responder de um jeito que todo mundo entendesse.”
Enquanto contava a história, o professor fazia comentários do tipo: “as pessoas acham que explicar conceitos profundos é simples” e que os ignorantes não têm condição nem mesmo de perceber que são ignorantes, pois fazem perguntas extremamente ignorantes. E que os mais “humildes” só conseguem enxergar o próprio mundo, sem saber que há muito mais do lado de fora. Nisso, uma aluna pontuou que a Rose estava certa e que explicar as coisas de uma forma fácil é a função de um professor. Ele, irritado, disse que explicar o que é faxina está muito longe de ser o mesmo que explicar o que é filosofia, e que a Rose também havia cometido o erro de comparar alhos com bugalhos.
Continuando o caso, o professor respondeu à diarista que a filosofia podia ser resumida como o estudo da existência humana, mas como a Rose o encarava sem dizer nada, ele simplificou: “é pensar sobre a vida, Rose, pensar! Entendeu agora?” Desta vez, a diarista respondeu: “É... já vi que nossos trabalhos são muito parecidos... a gente faz coisas que as pessoas poderiam muito bem fazer, mas não querem!”
A maioria dos alunos riram da diarista “ignorante”, mas no fundo, quem demonstrou mais inteligência nesse diálogo, de longe, foi a Rose. Pessoas inteligentes perguntam diretamente e sem rodeios a respeito do que não sabem, têm raciocínio rápido, fazem analogias a partir do que conhecem e, principalmente, têm noção real sobre as coisas, o que faz delas muito mais coerentes, autênticas e... menos ignorantes.
O mundo está cheio de eruditos estúpidos e de burocratas sem noção da realidade. Não faltam pessoas delirando sobre um mundo de igualdade sem perceber que o problema não consiste na desigualdade, mas sim, na pobreza. Da mesma forma, há outras que passam os dias em escritórios bacanas – sustentados por verba pública – ganhando muito dinheiro para criar regras sem cabimento e que só fazem sentido em seus mundos imaginários. O resultado das utopias de quem vive nesse mundo da lua se resume em atrasar a vida daqueles que querem progredir na vida real.
Não é à toa que temos tantos socialistas de Rolex, líderes de movimentos populistas andando escondido de jatinho (enquanto brincam de ser pobres publicamente) e esquerdistas que dizem amar Cuba, mas moram nos Estados Unidos e em cidades cosmopolitas da Europa. Porém, por serem cultos e beletristas, conseguem convencer os incautos de que são super inteligentes e têm razão, mesmo usando de narrativas sem pé nem cabeça. É assim que angariam seguidores e manipulam a verdade dos fatos, lucrando muito com isso tudo.
Só quem faz aquilo que podemos fazer por nós mesmos – ou seja, raciocinar – é capaz de perceber que inteligência está muito acima de frases de efeito e discursos vazios. Que tenhamos um Brasil com mais pessoas que não desçam da escada para se juntar aos ignorantes que se acham superiores. Que tenhamos um Brasil com mais Roses.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.