Análise: Infantilidade financeira e suas consequências
Boa parte dos brasileiros não se preocupa em desenvolver conhecimento financeiro para gerenciar o próprio dinheiro e o custo de agir feito criança é cada vez mais alto
Patricia Lages|Do R7
Recebo todos os dias as mais variadas questões sobre finanças pessoais, mas nesses dez anos de atuação, creio que a pergunta mais descabida foi a de um seguidor que queria investir pela primeira vez em algo que lhe rendesse 100% ao mês. Ele dizia que eu havia passado essa informação em um vídeo no meu canal do YouTube, o que obviamente não era real. Enquanto eu digitava a explicação (via direct message no Instagram) ele se antecipou: “Achei! Você disse ‘busque investimentos que rendam acima de 100% do CDI’! Por que agora ‘tá’ dizendo que não existe? Eu vou investir ‘nesse CDI aí’ e dobrar o meu dinheiro para comprar um celular mês que vem!”
Expliquei o que era CDI, que a Selic está em 2% ao ano, que nada rende 100% ao mês etc. etc. Ele ficou muito chateado, dizendo que precisava dobrar o valor rápido, pois só tinha metade do dinheiro do celular e, com “nome sujo”, não podia fazer crediário. Por mais que pareça que era uma criança, tratava-se de um adulto com uma infantilidade financeira que representa um pouco de como o brasileiro age em relação ao próprio dinheiro.
Para finalizar a conversa, pedi que me respondesse à seguinte pergunta: “Se você acreditava que poderia dobrar o seu dinheiro em 30 dias, não deveria estar investindo o máximo possível do seu salário?” A resposta é de desestabilizar qualquer educador financeiro: “Eu não quero esquentar a cabeça com dinheiro, só quero um celular ‘pra ontem’!”
Em maior ou menor grau, grande parte dos brasileiros não se preocupa em ter o mínimo de conhecimento financeiro e, em consequência disso, vive uma espécie de escravidão, pois se torna obrigado a trabalhar cada vez mais para, no fim das contas, ver boa parte de sua renda sendo consumida por juros exorbitantes ao longo de anos e anos.
Muitos contratam empréstimos e financiamentos a juros altíssimos achando que estão fazendo um ótimo negócio, enquanto morrem de medo de investir achando que vão perder todo o dinheiro. Desconhecem o efeito dos juros compostos e não sabem nem mesmo interpretar o extrato da própria conta bancária. Pagam taxas desnecessárias e assinam qualquer termo que o banco apresenta sem ler uma linha sequer. Depois, quando o estrago está feito, reclamam que foram vítimas de engano e querem que alguém resolva tudo em um passe de mágica.
Não é à toa que, há anos, o número de inadimplentes no Brasil não sai da casa dos 60 milhões de pessoas e, para 2021, a estimativa é de que essa estatística cresça ainda mais por conta da suspensão do auxílio emergencial e da diminuição ou perda de renda. É preciso que cada brasileiro tenha consciência de que deve tomar as rédeas de suas finanças ou acabará caminhando para uma relação de dependência que beira a escravidão.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.
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