Análise: Mayra Pinheiro e o silêncio das feministas
Na CPI da Covid, a secretária foi interrompida e desrespeitada inúmeras vezes, o que não indignou as feministas
Patricia Lages|Do R7
Em depoimento à CPI da Covid, Mayra Pinheiro, secretária executiva do Ministério da Saúde demonstrou firmeza, coerência, profissionalismo e, com a paciência de uma pediatra, praticamente “desenhou” seus esclarecimentos diante de senadores que não a trataram com a mesma elegância e dignidade.
“Com todo o respeito” foi a fala inicial de vários parlamentares antes de desrespeitar a testemunha que, em diversos momentos, chegou a ser tratada como ré e com direito até a uma ameaça velada: “a gente não quer ser deselegante com a senhora”. Mas, como em todas as vezes que faltam argumentos, o desrespeito acaba sendo a única saída. É a velha tática: vamos tirar o fôlego da testemunha porque se ela der mais um sopro, nosso castelinho de cartas vai ao chão.
Em uma CPI conduzida exclusivamente por senadores homens, uma mulher foi bombardeada por quase seis horas, sendo interrompida inúmeras vezes e, enquanto respondia questões complexas, tinha de manter o foco mesmo com seus inquiridores subindo o tom, dizendo: “sim ou não, só responda sim ou não”. Mas a verdade é que quem bombardeou a sessão foi ela.
A cada tentativa desesperada de manter as narrativas – que, ao que tudo indica, já foram definidas antes mesmo da CPI começar – a secretária deu um show, enquanto a ignorância de vários senadores ficou evidente. Como no momento em que ela tenta explicar sobre o TrateCov, dizendo que o Brasil precisa saber do que se trata, mas é interrompida por Omar Aziz, presidente da CPI, que diz com todas as letras: “Isso não ‘me’ interessa”. Diante da insistência de Mayra Pinheiro em prestar o esclarecimento, Aziz repete que não interessa, mas desta vez fazendo um sinal com a mão para que ela parasse de falar. Para piorar, momentos depois de impedí-la de dar a devida explicação, o mesmo Omar Aziz afirma que não sabe o que é TrateCov e começa a tentar adivinhar a sigla.
Outro momento emblemático ficou por conta do senador Humberto Costa (PT/PE), que foi pego no contrapé ao questionar se a secretária havia se preocupado em “juntar um time, encher um avião e botar gente para atender as pessoas” em Manaus. A certeza de que a resposta seria negativa era tão grande que, ao ouvir um “sim”, o senador ficou visivelmente desconcertado. Aproveitando o raro momento de silêncio, a secretária responde: “Sim. Nós levamos 347 profissionais de saúde de outros estados”.
Mesmo diante de todo tratamento desrespeitoso para com uma mulher, o movimento feminista tem feito um silêncio ensurdecedor, o que só comprova se tratar de um braço político que nada tem a ver com os direitos das mulheres. Neste caso, o “mexeu com uma, mexeu com todas” não se encaixa. Não se ouve nenhuma palavra sequer sobre o “manterrupting” – neologismo criado para descrever a interrupção de homens na fala de mulheres – bem como nenhum comentário sobre as tentativas de desqualificação de uma profissional que ocupa um lugar que até pouco tempo atrás era predominantemente masculino.
Ou as feministas começam a ensaiar algum tipo de ação para não dar tanto na cara o fato de que só defendem certos tipos de mulheres – as de esquerda, claro –, ou todo mundo vai perceber que suas narrativas não param em pé. Mexam-se, meninas, ou assumam de vez qual tem sido o verdadeiro papel do movimento.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.
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