Análise: Por que é importante poder optar pelo ensino domiciliar
Tratado por muitos como só um experimento radical, o homeschooling precisa ser discutido e entendido, mas nunca criminalizado
Patricia Lages|Do R7
Primeiramente, vamos entender como o homeschooling, ou ensino domiciliar, é visto no Brasil neste momento. Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), a prática não é permitida no país (RE 888.815), e o Código Penal pode caracterizá-la como crime de abandono intelectual. Porém, o próprio STF afirma que a descriminalização é possível, caso haja regulamentação.
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) conseguiu aprovar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a proposta que descriminaliza o ensino domiciliar. Na última quinta-feira (19), a Câmara dos Deputados concluiu a aprovação do projeto que regulamenta a prática e altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
O texto segue agora para votação no Senado e, uma vez aprovado, vai para a mesa do presidente Jair Bolsonaro para sanção (aprovação), veto total (desaprovação do projeto inteiro) ou veto parcial (propondo alterações). A educação domiciliar faz parte das principais metas do plano de governo de Bolsonaro.
Polêmica reacende discussão
Há cerca de um ano, a polêmica em torno do homeschooling foi ampliada devido ao caso da estudante Elisa de Oliveira Flemer, que, aos 17 anos, passou em quinto lugar na Faculdade de Engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), mas não pôde se matricular por ser adepta do homeschooling e não ter o diploma do ensino médio.
Moradora de Sorocaba, interior de São Paulo, a família chegou a entrar com uma ação na Justiça para garantir a vaga, pois, um ano antes, quando Elisa ainda tinha 16 anos, ela já havia passado em primeiro lugar em engenharia elétrica em uma faculdade do interior. Portanto, a negativa da Justiça em relação à vaga da USP não havia sido a primeira.
Porém, a família desistiu do caso pela insegurança jurídica e demora no processo. Na ocasião, a mãe da estudante revelou que o foco estava em conseguir uma bolsa no exterior. Logo depois, Elisa foi convidada pela StartSe University para estudar nos Estados Unidos, com tudo pago.
A instituição declarou publicamente que “acredita que não são os diplomas que definem nossas habilidades, mas, sim, o conhecimento que se adquire” e que “a atitude de Elisa deveria ser aplaudida, e não punida”. A StartSe também destacou o fato de que “vivemos uma era de grandes transformações e o modelo educacional atual não evoluiu na mesma velocidade”.
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Críticas, desinformação e liberdade dos pais em risco
Um dia depois da aprovação do projeto de regulamentação na Câmara dos Deputados, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) se pronunciou contra a medida, afirmando que filhos não são “objetos de propriedade dos pais”. A entidade acredita que o homeschooling pode trazer impactos à saúde psicológica e segurança física e que “priva crianças e adolescentes do direito de aprender”.
Quanto à questão de os filhos não serem “propriedade dos pais”, devemos entender que crianças e adolescentes são “propriedades” de quem? Do Estado? Seria o governo a autoridade mais adequada para definir o que os alunos devem aprender? Estaria o nosso sistema de ensino cumprindo bem o seu papel? Não é o que dizem diversos índices de avaliação de aprendizado, muito pelo contrário. A cada exame, o Brasil cai mais posições no ranking, e o número de analfabetos funcionais em português e matemática tem crescido assustadoramente.
E, quanto à privação do ensino, a proposta não tem o objetivo de que crianças e adolescentes abandonem os estudos, mas que tenham mais opções, de acordo com a possibilidade da família. Ao adotarem o homeschooling, as famílias deverão preencher alguns requisitos, como um dos responsáveis ter ensino superior e não possuir antecedentes criminais. Também haverá a possibilidade de contratar profissionais da educação para lecionarem em casa.
Obviamente o setor da educação também tem críticas ao modelo domiciliar, pois poderão perder alunos, principalmente as escolas particulares. Um dos argumentos é que o homeschooling exclui as famílias que não têm condições de ensinar por conta própria ou contratar professores. Porém, é a falta da regulamentação que exclui as famílias que podem aderir ao modelo.
Dizer que o homeschooling é “contra os pobres” é tão absurdo quanto dizer que escolas, hospitais e quaisquer outros serviços particulares são contra os pobres, afinal, pessoas com menos recursos também não podem pagar por isso. Se formos adotar esse tipo de argumento para proibir o ensino domiciliar, devemos manter uma certa coerência e também proibir que haja carros de luxo, primeira classe ou executiva em aviões (ou mesmo que existam aviões) ou a comercialização de qualquer outro produto ou serviço que sejam inacessíveis aos pobres. Chega a ser ridículo.
E, em relação à privação de socialização, o argumento também não se sustenta, afinal de contas, a escola tradicional não é o único meio. Ao contrário, a liberdade de escolher em quais ambientes a socialização ocorrerá pode tornar o processo muito mais prazeroso e eficiente.
Para resumir, cito o trecho de um artigo de Daniel Chaves Claudino para o Instituto Mises Brasil: “Vale ressaltar o óbvio: defensores do homeschooling não estão pedindo a abolição do sistema educacional vigente. Eles querem apenas a liberdade de não serem obrigados a enviar seus filhos para essas fábricas de coerção e de entorpecimento cerebral que são as escolas atuais”.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.