Análise: “Sou a pior mãe do mundo...atirei pedra no meu filho!”
Para as pessoas era mais um menino mal-educado, cuja mãe não soube impor limites, mas Gabriel escondia um segredo
Patricia Lages|Do R7
Era uma tarde agradável de mais um dia sacrificante para aquela mãe. O trabalho do marido demandava muitas viagens e ela passava a maior parte do tempo sozinha, sempre às voltas com os afazeres domésticos e no cuidado de um menino cujo comportamento piorava a cada dia.
Em mais uma das centenas de tentativas de melhorar o relacionamento com o filho, ela decide levá-lo ao parquinho público perto de casa. Quem sabe os brinquedos o acalmem e ele não tenha outro ataque de fúria? Quem sabe ele se dê bem com alguma criança e brinque normalmente? Quem sabe ele só esteja passando por uma fase ruim e eu não seja a péssima mãe que penso que sou?
Gabriel a segue calado e apático, como sempre. Mas ela não desiste de sair de casa com ele, ainda que isso a faça passar vergonha mais uma vez. O menino se encanta com um brinquedo de escalar, uma espécie de gaiola tubular bem alta que termina em um topo estreito, onde só crianças pequenas conseguem chegar
Ela teme que ele caia, mas vê-lo finalmente entusiasmado com alguma coisa faz com que ela engula o medo e o incentive a se divertir. “Vai, Gaby! Muito legal esse brinquedo, né?” Ele a ignora, como de costume, mas ela decide que nunca se acostumará com isso e continua a interagir com ele. “Vai, Gaby!”

Ele chega ao topo e permanece ali, sentado, indiferente a tudo o que acontece à sua volta. Passam-se 15 minutos e ele não se move. A mãe o chama, tenta convencê-lo que a graça está em descer e subir de novo, mas ele parece não ouví-la. As crianças falam com ele, mas logo perdem o interesse, pois Gabriel não responde.
O tempo passa e o menino continua imóvel, no alto de um brinquedo estreito que nenhum adulto consegue passar, enquanto a mãe já virou o assunto das outras mães. O sol se põe, todos voltam felizes para suas casas, mas ela continua ali, sem saber mais o que fazer. Ela só queria que ele a ouvisse, descesse dali e voltassem para casa como uma família normal. Era pedir muito?
Ela confere o relógio sem acreditar que já são sete, oito, nove da noite. Está ainda mais frio e esse menino vai ficar doente. Estaria com fome? Faz muito tempo desde a última refeição que já havido sido uma batalha. Quase toda refeição era um desafio.
Durante todas as horas que passou ao pé do brinquedo, ela já tinha falado com ele calmamente, já havia usado um tom de brincadeira, como se estivesse se divertindo também. Já havia subido o tom, já havia gritado e até ameaçado de fazer mil coisas. Ela já havia implorado, chorado, soluçado. Sem forças, ela baixa a cabeça e vê suas lágrimas caírem sobre as pedras do chão daquele parquinho. Ali não era para ser um local de alegria? Não havia ninguém ali e ela não sabia se era bom ou ruim, já que mais pessoas significavam apenas mais acusadores para deixarem bem claro que o problema era ela. As pedras, pelo menos, assistiam a tudo sem julgamentos. Israel tem tantas pedras – ela pensava – pedras que sempre testemunham tudo, em silêncio, tão inertes quanto Gabriel no alto daquele brinquedo.
Em um ato de desespero, ela abaixa, pega uma pedra e atira no próprio filho. “Desce! Desce! Você tem que descer daí! Eu não aguento mais!” Ela erra e Gabriel não se move. Como ela queria que ele tivesse um dos seus muitos ataques de fúria e caísse logo dali para que pudessem ir embora! Mas que tipo de mãe deseja uma coisa dessas?
São dez da noite e ela já não tem mais forças. Terá de dormir ali, sobre as pedras, até que algum milagre aconteça? Como alguém pode suportar tanto sentimento de impotência em relação a uma criança tão pequena? Seria ela um desastre total como mãe?
Por que os médicos insistem em dizer que o problema dele é apenas má educação, falta de limites e que um pulso firme resolveria tudo? Por que receitam remédios para dopar meu filho dizendo que só assim eu terei paz, já que não consigo controlá-lo? Eu não quero um filho dopado, eu quero entender o que acontece com ele! Não vou dar esses remédios, não vou!
Até que, de repente, o menino começa a descer. Ela o observa, incrédula, e escuta uma única palavra: “fome”. Eles finalmente vão para casa. Gabriel come e dorme como se nada tivesse acontecido, mas ela não consegue parar de pensar que foi capaz de atirar uma pedra contra o próprio filho. O que mais ela seria capaz de fazer? Que mãe horrível ela era! As pessoas realmente tinham razão. Ela era a pior mãe do mundo!
Mas mães não desistem. Foram muitos anos até obter oficialmente o diagnóstico que, no fundo, ela imaginava, mas os médicos israelenses não concordavam: autismo. Foi no Brasil que Josi Boccoli conseguiu uma avaliação multiprofissional completa na Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS) e obteve a resposta que tanto buscou. Agora ela tinha a chave, agora podia entender e ajudar.
Hoje, Gabriel tem 15 anos, se comunica em quatro idiomas, demonstra afeto, olha nos olhos e é um adolescente de muita fé. Hoje, a mãe se tornou escritora e acaba de lançar no Brasil o livro “Autismo – Entender é a chave para amar e ajudar”. Yom Haem Sameach, querida Josi. Feliz Dia das Mães!