Análise: trabalho tem sido principal eixo do significado da vida
A importância da carreira profissional tem crescido tanto nas últimas décadas que hoje muitos não conseguem mais separar quem são daquilo que fazem
Patricia Lages|Do R7

Em qualquer apresentação, ainda que fora do âmbito profissional, é comum que, depois do nome, a profissão seja a informação seguinte. Em alguns casos já se entrega um pacote completo, do tipo: “Olá! Sou João, publicitário. E você?”
Além disso, uma das coisas que mais se perguntam às crianças é o famoso “o que você vai ser quando crescer?”. Com a mesma naturalidade que eu dizia na infância “quando crescer vou ser dentista”, hoje digo que “sou” jornalista. Sem percebermos, as profissões deixaram de ser o que se faz para se tornarem parte integrante do que se é.
Talvez por isso tanta gente entre em depressão quando perde o emprego ou quando percebe que seu ganha-pão está com os dias contados devido aos avanços da tecnologia e da automação. Há quem não se reconheça mais ao perder aquilo que considera essencial na formação da própria identidade.
Há alguns anos, li o texto “Ao arrancarem meu crachá, senti que estavam arrancando a minha pele”, da ex-executiva Claudia Giudice. O título exprime a angústia vivida na ocasião de sua demissão da maior editora de revistas do país, em 2014. Claudia até conseguiu rapidamente elaborar um plano para suprir a falta do salário, mas não fazia ideia de como conviver com a dor de perder o cargo que havia sido seu próprio eu por 23 anos. “Estava em carne viva. Doía, latejava, ardia... Por que me despiram da minha identidade?”, desabafou.
Esse é um dos muitos retratos que revelam o trabalho como principal eixo do significado da vida. E, na falta dele, o que resta é um vazio capaz de diminuir até mesmo aqueles que um dia foram grandes, por conta de suas atribuições profissionais. Alguns, como Claudia, encontram outro significado e seguem adiante. Outros, porém, chegam a perder a vontade de viver por não reconhecerem mais quem são.
É curioso como nós, seres humanos, capazes de tantas coisas, criados com a mais alta tecnologia e complexidade – as quais nem mesmo os mais renomados cientistas conseguem explicar completamente – sempre estejamos buscando algo para nos reduzir. Afinal de contas, quem é maior, a pessoa que tem uma profissão ou a profissão que, por si só, nada é? O que é mais importante, o feito ou quem é capaz de fazê-lo?
Quando invertemos a ordem natural das coisas, sofremos, padecemos e perdemos o real sentido do viver. Se você está desempregado ou ocupando um cargo inferior ao que teve no passado, saiba que isso não define quem você é. Se você compreender que quem você é sempre será maior do que aquilo que você faz, vai começar a vislumbrar o verdadeiro sentido da sua própria vida. O ter nunca será mais valioso do que o ser, ainda que tentem lhe convencer do contrário.
Patricia Lages
É jornalista internacional, tendo atuado na Argentina, Inglaterra e Israel. É autora de cinco best-sellers de finanças e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. Ministra cursos e palestras, tendo se apresentado no evento “Success, the only choice” na Universidade Harvard (2014). Na TV, apresenta o quadro "Economia a Dois" na Escola do Amor, Record TV. No YouTube mantém o canal "Patrícia Lages - Dicas de Economia", com vídeos todas as terças e quintas.