Análise: Tudo certo, nada resolvido
Ontem chegou ao Brasil o maior lote da vacina chinesa, sem aprovação da Anvisa e sem divulgação dos resultados da fase 3
Patricia Lages|Do R7

Quem achou que a CoronaVac seria produzida no Instituto Butantan, enganou-se. Apesar da afirmação do secretário estadual de saúde, Jean Gorinchteyn de que “a produção de doses está acontecendo aqui na fábrica do Butantan”, na manhã de ontem, em Campinas (SP), a carga desembarcada trazia 2,1 milhões de doses prontas para aplicação. Além disso, foram entregues insumos para que 3,4 milhões de doses sejam envasadas no Instituto, na capital paulista. Na semana que vem mais 10 milhões de doses chegarão ao Brasil.
A compra envolve uma cifra milionária, mas que, até o momento, não tem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por não ter cumprido as etapas necessárias, como: divulgação dos dados de eficácia – o que foi sequencialmente adiado –, dados publicados em revista científica – o que não é compulsório, mas fundamental para a autorização do órgão regulador brasileiro, segundo especialistas –, e a própria aprovação da Anvisa.
O diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que o atraso na divulgação dos testes da fase 3 não vai interferir na aprovação da CoronaVac e, segundo o governador do estado, João Doria, a Anvisa vai aprová-la até o dia 15 de janeiro. A confiança é tanta que o início da vacinação já tem data marcada há tempos: 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo.
Sem apresentar laudos ou documentos, Gorinchteyn afirmou que a vacina atinge “a superioridade de eficácia” nos testes clínicos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Anvisa exigem, isto é, acima de 50%.
Enquanto as vacinas Oxford/AstraZeneca e Pfizer/BioNTech já estão em processo de aprovação da Anvisa, a vacina chinesa, que chega ao Brasil aos milhões e com data de aplicação definida, ainda precisa cumprir etapas. Tudo certo, nada resolvido...
É como se alguém começasse a construir uma casa, investisse milhões na obra, divulgasse a data de inauguração, mas não apresentasse o projeto para análise e aprovação da prefeitura. Nesse caso, o que aconteceria se houvesse irregularidades no projeto e o município tivesse de embargar a obra? E o que poderia acontecer se a empreiteira encarregada tivesse um histórico de pagamento de propina para acelerar as aprovações de suas obras, ainda que seus processos sejam do tipo “colocar o carro na frente dos bois”?
Em um momento de insegurança como o que estamos vivendo, não deveríamos ter tanta obscuridade nas negociações de algo que envolve a saúde de milhões de pessoas. Os processos deveriam ser claros e as autoridades deveriam ter a decência de não usar uma crise de saúde pública para autopromoção. Porém, ao que tudo indica, estamos longe da situação ideal e temos de lidar, diariamente, com mais dúvidas do que certezas.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.