Brasil não educa e não deixa educar: mãe é processada por ensinar filho em casa
Estado falha em garantir aprendizagem mínima, mas em vez de soluções prefere impor punições

O ano de 2020 foi um dos mais desafiadores da história em razão das restrições impostas pela pandemia. Foi nessa época que Regiane Werlang, moradora de Guarujá do Sul (SC), identificou dificuldades de aprendizagem e falhas na educação básica do filho, à época com dez anos de idade.
No retorno às aulas presenciais, a mãe preferiu não rematriculá-lo na única escola municipal da cidade, informando se tratar de uma decisão pedagógica. Regiane é formada em Direito, graduada em Pedagogia e já havia lecionado no Ensino Fundamental e Médio em escolas públicas.
Mesmo assim, a escola acionou o Conselho Tutelar e o caso foi parar no Ministério Público. Em 2022, a Justiça determinou a rematrícula do aluno sob pena de multa de até R$ 100 mil.
Além disso, advertiu a mãe que o não cumprimento poderia acarretar ordem de acolhimento, uma medida extrema que afasta a criança ou adolescente de um ambiente de risco (por até 18 meses) e a envia a uma instituição.
Regiane não rematriculou o filho e foi condenada a pagar R$ 20 mil por descumprimento de ordem judicial e mais três salários-mínimos por “falha no dever de prestar educação”.
Segundo a mãe, a educação domiciliar proporcionou avanços significativos ao filho, que acompanha o conteúdo do 1º ano do Ensino Médio, mantém uma rotina personalizada de estudos e recebe tutoria em algumas disciplinas.
“Nunca houve uma avaliação social ou psicológica. Meu filho não foi ouvido, mesmo com meus pedidos para que promotores ou o juiz visitassem nossa casa. Não tivemos a chance de apresentar provas”, afirma Regiane.
Paradoxo brasileiro: não educa e não deixa educar
O Brasil ocupa, há anos, as últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), que avalia o desempenho de estudantes de 15 anos em matemática, leitura e ciências.
Os alunos brasileiros aprendem menos do que deveriam, mas o Estado parece satisfeito em perpetuar um sistema que forma gerações inteiras de analfabetos funcionais.
Enquanto isso, famílias que buscam alternativas, muitas delas bem estruturadas e comprometidas com a aprendizagem dos filhos, são processadas, multadas e ameaçadas.
O caso de Santa Catarina escancara essa inversão moral: quem não consegue garantir ensino de qualidade, decide punir quem o faz melhor.
A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) exigem matrícula na rede regular. Mas o que significa “rede regular” quando o ensino público é irregular, precário e ineficiente?
O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que o ensino em domicílio, ou homeschooling, não é inconstitucional, porém, falta uma lei que o regulamente. E é justamente essa omissão legislativa, aliada ao autoritarismo burocrático, que mantém o país parado no tempo.
Decisão histórica no caso de Guarujá do Sul
Em setembro de 2023, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina absolveu a Regiane Werlang, reconhecendo que não houve abandono intelectual. A absolvição do TJSC reconheceu que o método educacional da família é legítimo, mesmo sem a matrícula formal exigida pela legislação atual.
Isso abre um precedente importante, reforçando a ideia de que o Estado não deve criminalizar pais que optam pela educação domiciliar, desde que demonstrem que a criança está sendo efetivamente educada.
Esta é uma vitória não apenas para uma família, mas para o princípio da liberdade educacional, o mesmo que países desenvolvidos já garantem há décadas. O ensino em domicílio não é inimigo da escola pública, mas um aliado da aprendizagem. Punir quem ensina é confundir autoridade com autoritarismo.
