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Patricia Lages

CNH e passaporte podem ser apreendidos para pagar dívidas, incluindo processos trabalhistas

Mesmo não previsto em lei, bloqueio pode ser determinado pela Justiça para obrigar devedores a pagarem suas dívidas

Patricia Lages|Do R7


Desde fevereiro de 2023, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a Justiça a bloquear a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o passaporte para coagir devedores inadimplentes a quitarem diversos tipos de dívidas. Por não estar prevista em lei, juristas de todo país buscam estabelecer um padrão para a implementação da medida de maneira a atender os dois lados da questão.

Na prática, a apreensão dos documentos só pode ser aplicada quando todas as formas legais de cobrança se mostrarem ineficazes, como a penhora de salário e bens. O pedido de bloqueio só pode ser feito por meio de processo judicial e quando o juiz entenda que o devedor possui recursos ocultos, isto é, que tenha passado seus bens para o nome de terceiros para evitar a quitação da dívida. A decisão pode se basear até mesmo em postagens em redes sociais mostrando que o devedor ostenta um padrão de vida superior à renda que alega ter.

Porém, nesta segunda-feira (15), a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região decidiu que a apreensão dos documentos só pode ocorrer quando houver comprovação de que a medida efetivamente fará o devedor pagar seus débitos e não apenas para constrangê-lo.

Aloísio Costa Junior, especialista em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho, comenta a decisão: “O Tribunal entendeu que é necessário que se comprove que o bloqueio da CNH ou do passaporte de fato sejam capazes de obter o pagamento da dívida. A Turma julgadora entendeu que a medida não pode ser mera punição ao devedor que simplesmente não tem bens, devendo ser utilizada, por exemplo, quando o devedor oculta patrimônio, tendo meios para pagar a dívida, mas se recusando a fazê-lo.”


Costa Junior também esclarece que a medida não pode prejudicar o sustento da pessoa inadimplente: “Por exemplo, se a pessoa trabalha como motorista, a apreensão da CNH impede o exercício da profissão e prejudica a capacidade do devedor, tanto de prover seu próprio sustento, como de pagar a dívida.”

Bloqueio de documentos por dívidas trabalhistas

Karolen Gualda Beber, advogada especialista do Direito do Trabalho e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, aponta em que momento a medida pode ser aplicada em casos de dívidas trabalhistas: “No caso de débitos decorrentes de sentença judicial, a lei prevê um prazo para que o devedor efetue o pagamento. Não havendo esse pagamento, a parte vencedora deve dar andamento às medidas de execução como forma de forçar o pagamento. É nessa fase que pode acontecer o uso dessas medidas coercitivas.”


A advogada esclarece que o trabalhador pode solicitar a apreensão independentemente do valor da causa e logo após o prazo determinado pela Justiça não ter sido cumprido pelo devedor. De acordo com a especialista, na prática, os Tribunais não vêm adotando medidas coercitivas indiscriminadamente: “As medidas não têm sido aplicadas apenas para penalizar o devedor, mas sim, após se exaurirem todas as medidas típicas e, ainda assim, se realmente tiverem efetividade para o cumprimento da sentença.”

Combate à inadimplência

Como visto, a medida busca forçar o inadimplente a pagar o que deve, uma vez que seja comprovada sua capacidade de fazê-lo, resguardando, porém, seu direito ao próprio sustento e respeitando o Art. 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”


A inadimplência no Brasil virou um problema crônico, pois a facilidade ao crédito aliada à falta de conhecimento financeiro da maioria da população faz com que muitos recorram a empréstimos e financiamentos sem qualquer planejamento. Além disso, grande parte dos brasileiros se acostumou a gastar mais do ganha, usando os limites de cartões de crédito e cheque especial como se fossem uma extensão do salário.

Atualmente há mais de 72 milhões de inadimplentes no Brasil, número que supera a população da Itália, Espanha e França. Não há estudos que apontem claramente as razões que levam tantas pessoas a não pagarem suas dívidas, porém, posso afirmar, com base em meus 14 anos de experiência como educadora financeira que, excluindo-se aqueles que realmente não têm condições, muitos permanecem na inadimplência por falta de informações financeiras básicas – e pelo desinteresse em obtê-las – como: não saber o valor das dívidas, desconhecer seus direitos como devedor, perder o contato com o credor, ignorar as facilidades dos mutirões limpa-nome – organizados várias vezes ao ano – e não fazer qualquer planejamento para colocar a vida financeira em dia.

De fato, é necessária a criação de mecanismos que forcem as pessoas a pagar, uma vez que tenham condições para isso e que, igualmente, auxiliem os inadimplentes que querem quitar seus débitos, mas não sabem como fazê-lo.

A inadimplência não prejudica apenas o devedor, mas sim, a economia como um todo, ainda mais em um país onde grande parte das operações de compra e venda dependem de crédito. Além do que, o bom pagador é igualmente penalizado, tendo de arcar com taxas de juros mais altas e com a dificultação do acesso ao crédito. Portanto, a inadimplência, resultado da falta de educação financeira, é um problema de toda a sociedade.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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