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Patricia Lages

Diga-me quem são teus heróis e te direi quem serás

Que tipo de pessoa deveria inspirar os alunos brasileiros e levá-los a amar a leitura? A escola está no caminho certo?

Patricia Lages|Do R7 e Patricia Lages

Macunaíma, "herói" e representante da cultura brasileira
Macunaíma, "herói" e representante da cultura brasileira Reprodução

Imagine um homem malicioso, manipulador, invejoso, malandro e extremamente preguiçoso. Um indivíduo sem caráter que adora abusar de mulheres e cujo primeiro envolvimento sexual foi com a esposa de seu irmão. Mais tarde, esse homem se apaixona por uma mulher e a violenta no meio da mata. O filho nascido do estupro sofre maus tratos por parte do pai desde o nascimento e não resiste. Por fim, o bordão que não sai de sua boca é “Ai, que preguiça” e seu objetivo de vida é encontrar um amuleto que lhe dê tudo sem que tenha de fazer qualquer esforço.

Como você classificaria esse homem? Você diria que ele é um exemplo a ser seguido? Você obrigaria seus filhos a lerem sua história e apoiaria que a escola o apresentasse como um fiel representante da cultura brasileira?

Se você teve uma infância e adolescência de sorte, provavelmente não sabe de quem estou falando, mas esse é Macunaíma, personagem do livro homônimo de Mário de Andrade, que recebeu os títulos de “herói de nossa gente” e “herói sem nenhum caráter”. A obra de 1928 está entre as leituras obrigatórias há décadas, tanto no ensino fundamental como no pré-vestibular.

A justificativa da maioria dos críticos literários para que tal personagem seja o “herói de nossa gente” seriam suas “semelhanças” com o povo brasileiro. Mas, será que essas são as características com as quais queremos nos identificar? É esse tipo de caráter que queremos normalizar e usar como referência cultural desde cedo?


A riqueza da escrita, o domínio da língua portuguesa, a habilidade narrativa e a qualidade literária da obra são inquestionáveis, mas a obrigatoriedade da leitura para crianças e adolescentes deveria ser repensada. Afinal de contas, no que a veneração a um personagem sem qualquer virtude contribui positivamente para a formação do caráter de leitores tão jovens? 

Aliás, onde estão as feministas e os “estudiosos” que querem reescrever e ressignificar tudo e qualquer coisa diante da forma como são descritos o estupro da única mulher que Macunaíma “amou” e a morte de seu filho? Os crimes são amenizados e normalizados numa narrativa muito bem escrita e reiterada ao longo dos anos por diversos críticos literários, a exemplo da análise feita pelo site Brasil Escola:


"Macunaíma conheceu Ci e, apesar da resistência da Mãe do Mato, deu um jeito de “brincar” com ela. Aproximadamente seis meses depois, Ci teve um filho do herói. O ‘pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaíma inda a achatava mais batendo nela todos os dias’ e falando para a criança: ‘Meu filho, cresce depressa pra você ir pra São Paulo ganhar muito dinheiro’. O menino acabou morrendo."

Se esse é o tipo de representante que queremos, estamos no caminho certo. Mas se não aceitamos mais a imagem de um povo malandro, preguiçoso e que tem um “jeitinho” duvidoso para conseguir tudo o que quer, há muito o que fazer. E não é de hoje.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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