Lei de Cotas para mulheres na política: estamos avançando ou retrocedendo?
Denúncias de violência política contra a mulher aumentam quase cinco vezes em apenas um ano
No mundo corporativo, quando pensamos em construção civil, mercado financeiro, nos diversos ramos da tecnologia e no setor automotivo, apenas para citar alguns exemplos, nos remetemos a áreas predominantemente masculinas. E quando pensamos nas indústrias da moda, beleza, estética e nutrição, nos remetemos à outra ponta, pois trata-se de áreas predominantemente femininas.
Sem que haja regras pré-estabelecidas, o mercado se acomoda naturalmente segundo as afinidades e preferências das próprias pessoas, o que também acontece na política, onde a presença masculina é bem maior do que a feminina.
Para tentar ampliar a participação das mulheres na política, a Lei das Eleições estabelece a cota de gênero, que obriga os partidos e as federações a destinarem, no mínimo, 30% das vagas ao gênero oposto ao da maioria.
De acordo com um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), as candidatas alcançaram 17,9% dos cargos eletivos em 2024. Considerando que mais da metade da população brasileira é composta por mulheres, concluímos estatisticamente que as eleitoras têm preferido votar em homens, seja por costume ou talvez porque os partidos não tenham cumprido rigorosamente a lei.
Segundo análises da associação Gênero e Número dos dados disponibilizados pelo TSE, nas eleições de 2020, o PT – que recebeu a maior verba eleitoral (mais de R$ 201 milhões) – não cumpriu a cota em 137 municípios e foi o partido com o maior número de cidades sem nenhuma candidatura feminina (48 no total), seguido do PSOL, com 30 municípios.
De acordo com a associação, em algumas cidades, vários partidos apresentaram apenas uma candidatura masculina para vereador, o que não é considerado descumprimento da lei, pois a cota começa a contar a partir de dois candidatos. Para alguns, a atitude dos partidos pode ser uma manobra para evitar a candidatura de feminina sem incorrer em ilegalidades.
Trazendo a análise para 2024, as denúncias de violência política feminina aumentaram em mais de 484%, passando de 69 casos em 2023, para 403, segundo o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O que é violência política feminina
Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, esclarece o termo: “Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os seus direitos políticos. Em complementação, também são considerados assim qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.
Para ele, o aumento da violência política contra a mulher pode ser um reflexo da combinação de três fatores: a ineficiência na aplicação de medidas, o desafio de integração de novas normas (ao ordenamento jurídico já denso) e, principalmente, a persistência de questões culturais e estruturais.
“A superação desse problema exige não apenas aprimoramento legislativo e institucional, mas também uma transformação cultural e educativa de longo prazo”, esclarece.
A deputada federal Rosangela Gomes (Republicanos) começou sua trajetória política em 2000, ao ser eleita vereadora de sua cidade natal, Nova Iguaçu (RJ), pelo PL, sendo a única mulher na Câmara Municipal.
Em 25 anos de vida pública, a parlamentar participou de nove eleições, tendo sido eleita em seis delas, para os cargos de vereadora, deputada estadual e federal. Hoje, ela é coordenadora do Observatório Nacional de Combate à Violência Política Contra a Mulher e comemora o acolhimento das mulheres no ambiente político.
“O Republicanos é pioneiro entre os partidos que acataram a decisão da Justiça Eleitoral, em 2023, com a instituição do Observatório em seu Estatuto. Foi através desse cuidado que o partido aumentou em quase 100% o número de mulheres eleitas em 2024, em relação às eleições de 2020”, afirma.
Lei de cotas representa mudança ou é uma medida artificial?
Para Leonardo Pantaleão, a lei de cotas é válida: “As cotas e outras medidas afirmativas não devem ser vistas como uma solução ‘artificial’, mas como um instrumento transitório para corrigir desigualdades estruturais. O desafio está na implementação dessas políticas de forma genuína, com apoio aos partidos e candidatas, e no combate às candidaturas fraudulentas. A inclusão feminina na política não deve ser um jogo de números, mas sim um processo que fortaleça a democracia e a diversidade na tomada de decisões.”
Assim como em qualquer segmento da sociedade, a presença da mulher no ambiente político traz mais do que representatividade, mas também, um olhar mais humanista.
De acordo com o estudo “Mulheres líderes no setor público da América Latina e do Caribe, lacunas e oportunidade”, realizado em 15 países, a presença de mulheres em cargos de tomada de decisão apontou maior crescimento econômico, maior investimento em educação e saúde e melhor cobertura de serviços públicos.
Cabe a nós, como sociedade, cobrarmos de nossos representantes o cumprimento da lei de forma legítima, sem maquiar números e sem aproveitar possíveis brechas no texto. Em um momento em que as mulheres têm sido invadidas em seus próprios espaços (como nos esportes e até mesmo nos banheiros!), é preciso nos mantermos de olhos bem abertos.
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